O que caracteriza a desapropriação judicial indireta

O ato do Poder Público que retira alguém de sua propriedade e a toma para si, mediante indenização justa, é conhecido por desapropriação. Seu fundamento está na necessidade pública, utilidade pública ou interesse social. Porém, existe uma situação muito específica acerca desse procedimento: a desapropriação indireta. No texto de hoje, explicamos um pouco mais sobre o tema.

O que é a desapropriação indireta?

No processo comum da desapropriação, existem duas fases: declaratória e executória. Na fase declaratória, o Poder Público declara, por meio de um decreto, a utilidade pública ou interesse social do imóvel para fins de desapropriação. Em seguida, o proprietário do imóvel é notificado para que saiba da desapropriação e o Executivo envia a oferta de indenização.

A fase executória, a desapropriação começa a ser executada. O proprietário pode aceitar a oferta do Poder Público (processo amigável), ou pode recusá-la (desapropriação via Poder Judiciário).

A desapropriação indireta acontece quando o Poder Público se apossa do bem particular sem observar a declaração e a indenização prévia. Em outras palavras, a Administração Pública intervém na propriedade, proibindo o proprietário de construir ou plantar em seu imóvel. A grosso modo, é uma desapropriação irregular, em que o poder público restringe os direitos do proprietário sem o pagamento de indenização.

Um exemplo muito comum é a passagem de fios de alta tensão pela propriedade, o que ocasiona a proibição de construir, tendo em vista o campo energético em que há na fiação. Ou seja, há inibição do proprietário na utilização de seu bem.

Por que ela é permitida?

O Decreto-Lei nº 3.365/41 dispõe sobre as desapropriações por utilidade pública. Essa norma afirma que “mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios”.

O artigo 35 do Decreto disciplina o que se chama fato consumado: “Os bens expropriados, uma vez incorporados à Fazenda Pública, não podem ser objeto de reivindicação, ainda que fundada em nulidade do processo de desapropriação. Qualquer ação, julgada procedente, resolver-se-á em perdas e danos”.

Ou seja, se ocorrer a incorporação do bem ao patrimônio público, mesmo se tiver sido nulo o procedimento de desapropriação, o proprietário não pode pretender o retorno do bem ao seu patrimônio.

O que fazer em caso de desapropriação indireta?

O fundamento da desapropriação indireta deixa ao ex-proprietário uma única saída, já que é impossível reaver seu bem: pleitear indenização em face das perdas e danos decorrentes do ato ilícito do poder público. Para que isso ocorra, deverá procurar um advogado que tenha conhecimento acerca do tema para ingressar com uma ação judicial pleiteando tais valores.

A indenização na desapropriação indireta

De acordo com a doutrina jurídica e com a Constituição, indenização justa é aquela que corresponde real e efetivamente ao valor do bem que sofre a limitação diante da servidão instituída ou da efetiva perda da propriedade por força de esbulho possessório. Tem por fim recompor o patrimônio do particular, mas não demanda, decididamente, enriquecimento injustificado.

Para os tribunais brasileiros, “a ação de indenização por desapropriação indireta decorre de verdadeiro esbulho possessório, posto não precedida do decreto expropriatório regular, revestindo-se, assim, de caráter nitidamente indenizatório”.

A indenização deve ser bastante completa: precisa considerar o valor real e atualizado do imóvel, ainda que este tenha sofrido valorização em decorrência de obra pública. Deve compreender, ainda, correção monetária, juros moratórios e compensatórios, a contar da data de imissão na posse pelo Poder Público, além de honorários de advogado, por se tratar de ato irregular da Administração.

Cabe destacar que, conforme a Súmula 119 do STJ, o prazo de prescrição desta demanda é vintenário.

Precatório

Após a discussão judicial, cabe destacar que o valor da indenização será pago com precatório, conforme artigo 100 da Constituição, que prevê que os pagamentos referentes à Fazenda Pública serão feitos mediante o regime de precatórios (obedece à ordem cronológica de pagamentos).

O apossamento administrativo indireto é um procedimento às avessas utilizado pelo Poder Público para restringir o direito de propriedade sobre o imóvel e, sem que haja decreto expropriatório prévio, devido processo legal e pagamento justo e prévio da indenização, a Administração Pública se apossa do bem do cidadão sem a devida contraprestação. O proprietário deve se resguardar e procurar um profissional para pleitear justa indenização decorrente do ato expropriatório.

Dois são os requisitos para a propositura da ação desapropriação indireta: a ocorrência do apossamento administrativo do imóvel e a comprovação de que o autor seja o titular do domínio da área apossada.

7/2/2018

Geralmente para fins de utilidade pública ou interesse social, incumbe ao Poder Público desapropriar bem pertencente ao particular visando o interesse coletivo, mediante prévia e justa indenização. Segundo Hely Lopes Meireles, a "desapropriação ou expropriação é a transferência compulsória da propriedade particular para o Poder Público ou seus delegados, por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização."1

Tratando-se de instituto de direito público, a desapropriação deve, em regra, ser promovida judicialmente pelo Poder Público expropriante, inclusive com a oferta do preço acompanhando a petição inicial, conforme prevê o artigo 13, do decreto-lei 3.365/41. Ao final da instrução processual, caberá ao juiz fixar o preço da indenização por meio de sentença (art. 24, decreto-lei 3.365/41).

Lamentavelmente, em razão da falta de planejamento das políticas públicas e déficits orçamentários, não raro são as situações em que o Poder Público realiza verdadeiro apossamento de áreas particulares para a edificação de obras públicas sem a contraprestação devida, qual seja, a indenização. Muito menos existe o devido processo legal necessário para apurar a extensão efetivamente desapropriada, o valor justo da indenização e outras questões correlatas.

No ato do apossamento administrativo, poderá o proprietário se valer até mesmo do desforço físico ou emprego de força policial, tamanha a ilegalidade praticada pelo Poder Público, conforme preleciona o autor Kiyoshi Harada2.

Entretanto, muitas vezes o Poder Público efetua a desapropriação da área sem efetuar o pagamento da indenização devida ao particular e inicia a execução das obras, o que impede a oposição imediata por parte do proprietário, eis que a propriedade se torna de domínio público. Neste caso, incumbe ao particular ingressar com ação judicial visando o recebimento dos valores devidos, denominada "desapropriação indireta".

Na hipótese narrada, a indenização se apura conforme o procedimento estabelecido na Lei de Desapropriação. Entretanto, os polos serão invertidos e o proprietário é que figurará como autor da ação judicial. O Poder Público, por sua vez, será condenado a pagar a mesma indenização que pagaria na desapropriação regular.

Dois são os requisitos para a propositura da ação desapropriação indireta: a ocorrência do apossamento administrativo do imóvel e a comprovação de que o autor seja o titular do domínio da área apossada. O primeiro requisito se justifica pela impossibilidade do proprietário em usufruir a sua área; enquanto que o segundo demonstra de forma clara e precisa quem é o proprietário, para fins de recebimento da indenização devida. Caso comprovada a condição de posseiro, ainda que não exista o respectivo registro no cartório de imóveis, também faz jus à indenização, conforme sólida jurisprudência.

Proposta a desapropriação indireta e cumpridos os requisitos da petição inicial (art. 319, CPC/15), será o Poder Público citado, por mandado (art. 247, III, CPC/15), para apresentar contestação com prazo em dobro, no total de trinta dias contados a partir da citação pessoal (art. 183, CPC/15).

No curso da instrução processual, será elaborado laudo pericial, que levará em consideração preço de aquisição e interesse auferido pelo proprietário; estado de conservação e segurança; valor venal dos da mesma espécie nos últimos cinco anos; valorização ou depreciação da área, dentre outros (art. 27, decreto-lei 3.365/41). Ao final da instrução processual, a sentença fixará o valor da indenização, geralmente conforme o laudo pericial, cuja vinculação irrestrita não é obrigatória por ser o magistrado destinatário da prova (art. 370, CPC/15). Caso cumpridos os requisitos do artigo 496, §3º, CPC/15, a sentença estará sujeita ao duplo grau de jurisdição e só produz efeitos depois de confirmada pelo respectivo Tribunal.

Em relação ao valor fixado da indenização, deverá incidir: atualização monetária a partir do laudo pericial de avaliação até o efetivo pagamento da indenização fixada, remunerada pelo índice IPCA-E (STF – RE: 870.947); juros moratórios ao percentual de 6% ao ano (art. 15-B, decreto-lei 3.365/41), a partir do trânsito em julgado, existindo respeitável corrente doutrinária que entende ser cabível a partir da citação, pois a desapropriação indireta, ao contrário da direta, é movida contra a pessoa do próprio devedor (Poder Público expropriante) e já o coloca em mora (art. 240, Código Civil), devendo seguir as regras do Código Civil; e juros compensatórios ao percentual de 12% ao ano (súmula 618, STF), incidentes a partir da imissão na posse (súmula 114, STJ).

Em respeito ao preceito constitucional (art. 5º, XXIV) e à legislação infraconstitucional específica (art. 32, decreto-lei 3.365/41), o pagamento deverá ocorrer de forma justa, prévia e em dinheiro, recompondo o patrimônio de quem foi expropriado.

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1 Direito municipal brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 303.

2 Desapropriação: doutrina e prática. São Paulo: Editora Atlas, 2005, p. 189.__________

*Murilo Sousa
é advogado especializado em desapropriação.

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