Por que os povos indígenas preservam os costumes dos seus antepassados?

O Hetohoky é uma das festividades mais importantes e bonitas dos Karajá - Foto: Emerson Silva/Governo do Tocantins file_download

“Amji kin” é uma expressão para o estado de felicidade do povo Krahô. Em tempos de normalidade, sem pandemia, ocorrem várias festas e rituais ao longo do ano, para celebrar a colheita, o crescimento das crianças, os antepassados. Os Amji kins envolvem cantos, danças, brincadeiras, troca de alimentos, corrida de tora, rituais de “passagem”, seja de idade ou final de luto. 

As festas ritualísticas não são exclusividade Krahô. Ao contrário, fazem parte da tradição dos nossos povos ancestrais, e são mantidas como forte expressão cultural. Alguns exemplos são o Padi (Festa do Tamanduá Bandeira), dos Xerente, e a Festa do Mel, do dos Karajá.

“Observa-se que povos de língua “Jê”, aparentemente preservam mais suas culturas milenares”, explica o indigenista Fernando Schiavini, pontuando que talvez isso ocorra devido às suas elaboradas organizações sociais, que têm como umas das principais bases mantenedoras da unidade tribal, a ritualística. 

“Sem rituais, ou seja, sem as festas tradicionais, a unidade se esfacela. Ao contrário, se os rituais se realizam conforme as tradições, a unidade se reforça, formando assim um ‘círculo virtuoso’ das suas culturas. Agora, é preciso considerar que cada povo sofreu e sofre processos de contato diferenciados, com mais ou menos impactos em seus costumes e estilos de vida”, completa Schiavini, que em breve lançará o livro O Tribalismo, impresso com recursos da Lei Aldir blanc, por meio de edital lançado pela Agência do Desenvolvimento do Turismo, Cultura e Economia Criativa (Adetuc). 

Os ritos de passagem da infância para a vida adulta estão entre os mais preservados. É o caso do Pemp’kahàc, que marca a passagem da infância para a adolescência. Ao longo da festa, que tem duração de três dias, as crianças permaneceram isoladas, aprendendo os rituais do povo Krahô. Depois, elas são apresentadas à aldeia, e ao final emplumadas e enfeitadas. 

Entre o povo Iny, uma das festividades mais importantes e bonitas é o Hetohoky (Casa Grande), que consiste em uma grande festa de batizado para garotos em torno de 12 anos e suas famílias. Oficialmente, a festa dura dois dias, mas na verdade começa bem antes, com a construção da Casa Grande e da casa dos Aruanãs. Grande parte dos homens da aldeia passam dias preparando suas pinturas corporais e seus adornos – saias, ahetôs (cocares), colares, brincos. Os garotos que entraram na Casa Grande para receber orientações sobre o modo de vida Iny são adornados para receber os convidados. A festa é aberta pelo Chefe Cerimonial e, na sequência, o que se vê é um espetáculo de cores, cânticos e danças. Os homens percorrem a aldeia e fazem evoluções, até a recepção dos convidados das outras aldeias. Ocorrem lutas tradicionais (Ijesú) e a disputa para ver qual grupo conseguirá derrubar a “grande tora”, fincada no meio do pátio.

No domingo, ao amanhecer, as famílias dos Diré (meninos que estão sendo iniciados) se reúnem no pátio, para acompanhar mais brincadeiras e receber os Aruanãs, que percorrem o pátio até os meninos, entre cantos e danças. Em seguida, toda a família segue para a Casa Grande. É o único momento em que as mulheres podem entrar no local. É o fim da festa, mas não desta história de resistência cultural Karajá e Javaé.

Despedida

Os povos indígenas também costumam se despedir de seus mortos de maneira singular. Odair Giraldin, mestre em Antropologia Social e docente da Universidade Federal do Tocantins (UFT) descreveu, em um artigo, a cerimônia do Pàrkapê (Tora Grande), que marca a finalização do luto entre os Apinajé. É um momento em que toda a aldeia está reunida, sendo que os Mkarõ (espíritos ancestrais) se fazem presentes, participando durante toda a cerimônia, seja nas corridas de toras - que neste contexto podem representar pessoas falecidas -, nas noites de cantigas no pátio, e sobretudo na última noite, quando se canta a cantiga do Pàrkapê. A memória deste cerimonial está relacionada ao episódio de um Apinajé que visitou o céu.  

2009 . Ano 6 . Edição 52 - 05/07/2009

Por Suelen Menezes, de Brasília

Iphan inicia reconhecimento de manifestações culturais indígenas. "Preservar as referências culturais dos povos indígenas significa que estamos reafirmando nossas raízes", diz Ana Gita de Oliveira, do instituto

Preservar a cultura indígena é reconhecer a contribuição do índio na formação dos diversos aspectos da vida nacional. No vocabulário: catapora, peteca, siri, ipanema, paraíba, flor, dia e pipoca são alguns exemplos. Na culinária, o Brasil também deve muito aos índios: feijão, milho, mandioca, frutas. Sem esquecer o hábito de tomar banho diariamente, coisa que não agradava nada aos portugueses que começaram a chegar a essa terra em 1500 e, depois de algumas trocas de nomes, a batizaram Brasil. Os índios, tratados como inimigos, foram expulsos de sua terra, mas deixaram marcas indeléveis na cultura Brasileira.

Em 1988, com a promulgação da nova Constituição, o Brasil assumiu o dever de proteger os índios. O artigo 231 diz que são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Compete à União demarcar as terras, proteger e fazer respeitar todos os bens indígenas. Nesse sentido, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) tem trabalhado para preservar os locais sagrados indígenas - patrimônio material - bem como a cultura, os ritos e tradições - patrimônio imaterial.

"Preservar as referências culturais dos povos indígenas significa que, ao reconhecê- los como parte fundadora da nossa condição nacional, estamos reafirmando nossas raízes e incluindo-os no campo de nossas políticas públicas. A ação patrimonial tem o papel de ajudar na construção da cidadania, garantindo a esses povos o exercício de plenos direitos. A salvaguarda dos patrimônios indígenas garantirá, às gerações futuras, acesso aos testemunhos de sua história e aos domínios da vida social que dão significado aos complexos processos de construção de identidades", explica Ana Gita de Oliveira, Gerente de Identificação e Registro do Departamento de Patrimônio Imaterial-DPI/Iphan.

Um dos projetos que estão em fase de conclusão é o de tombamento das paisagens sagradas dos povos indígenas do Alto Xingu, no Mato Grosso. Entre 2005 e 2006, foram encontrados materiais arqueológicos na região onde foi construída a Usina Hidrelética Paranatinga II, no rio Culuene, um dos principais formadores do rio Xingu.

O trabalho de arqueologia foi desenvolvido com a participação ativa de todas as comunidades indígenas envolvidas. "Por ser considerado o território sagrado dos índios, entendemos que não poderíamos fazer isso sem eles", diz Rogério José Dias, gerente de Arqueologia do Iphan, que acompanhou toda a pesquisa.

"Dois caciques coordenaram a abertura da mata, delimitando o perímetro da aldeia sagrada. Logo nos primeiros vinte metros foram encontradas, em superfície, centenas de fragmentos de vasilhas cerâmicas que se estendem em quase toda a totalidade da delimitação. Uma peça de cerâmica com formato de rabo de tartaruga foi muito comemorada, assim como as trempes para suporte das panelas e tachos de assar beiju. Todos estavam de acordo que aquele lugar era de fato o local da aldeia sagrada", de acordo com o relatório de instrumentação ao processo de tombamento das paisagens sagradas do Alto Xingu.

José Dias conta que ficou muito orgulhoso com o trabalho realizado quando viu a importância que as comunidades Kalapalo e Waurá davam àquela pequena região, para eles lugar sagrado, com mitos que remontam à criação do mundo. A comprovação de que aquela região tinha sido uma aldeia indígena foi corroborada quando a cartografia científica do local foi comparada com a cartografia sagrada desenhada pelos índios: os acidentes geográficos eram idênticos.

Além do tombamento, há um projeto para construir um corredor ecológico cultural para levar os índios até os lugares sagrados. "O tombamento é uma medida de proteção, mas o importante é que o Estado reconheça o direito dos índios como os proprietários daquela terra", disse José Dias.

O Decreto-Lei 25/1937, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, estabelece que as coisas tombadas não poderão ser destruídas, demolidas ou mutiladas, nem ser reparadas, pintadas ou restauradas sem prévia autorização do Iphan.

Em 2002, a Arte Kusiwa, técnica de pintura e arte gráfica própria da população indígena Wajãpi, do Amapá, foi inscrita no Livro de Registro das Formas de Expressão como Patrimônio Imaterial. Os grafismos podem ter como suporte o corpo humano, cuias, cestos, bordunas e objetos de madeira. Para a preparação da tinta são utilizadas sementes de urucum, gordura de macaco, suco de jenipapo e resinas perfumadas.

"A linguagem gráfica que os Wajãpi do Amapá denominam kusiwa sintetiza seu modo particular de conhecer, conceber e agir sobre o universo. Tal forma de expressão, complementar aos saberes transmitidos oralmente, afirma, ao mesmo tempo, o contexto de origem e a fonte de eficácia dos conhecimentos dos Wajãpi sobre o seu ambiente. Por outro lado, arte gráfica e arte verbal se completam por transmitirem os conhecimentos indispensáveis ao gerenciamento da vida em sociedade. As formas de expressão gráfica e oral permitem agir sobre múltiplas dimensões: sobre o mundo visível, sobre o invisível, sobre o concreto e sobre o mundo ideal", relata documento do Iphan.

Outra ação do IPHAN em prol da preservação da cultura indígena foi proclamar, em 2006, como "Patrimônio Cultural do Brasil" a Cachoeira de Iauaretê ou Cachoeira da Onça, o primeiro bem cultural imaterial inscrito no Livro do Registro dos Lugares. Ela fica na região do Alto Rio Negro, município de São Gabriel da Cachoeira (AM), na confluência dos rios Uaupés e Papurí, onde vivem dez comunidades indígenas das etnias de filiação linguística Arwak, Tukanos Orientais e Maku.

As pedras, lajes e igarapés da região da Cachoeira são sagrados para essas comunidades, porque marcam a história de sua origem e fixação nessa região, assim como a história do estabelecimento das relações de afinidade que vêm permitindo, até hoje, a convivência e o compartilhamento de padrões culturais entre os diversos grupos que habitam aquele território.

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atualmente vivem no Brasil cerca de 750 mil índios, distribuídos entre 225 sociedades indígenas, o que representa 0,25% da população brasileira. Há também 63 referências de índios ainda não contabilizados. Mais de 180 línguas são faladas pelos membros das sociedades indígenas, o que corresponde a 30 famílias linguísticas diferentes.

O presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Meira, explica que a taxa de crescimento dos povos indígenas é maior que a taxa da população não índia e, por isso, o órgão estima que hoje essa população já ultrapasse um milhão de habitantes.

"A grande dificuldade da Funai é garantir a integridade territorial das terras tradicionalmente ocupadas, de acordo com os usos, costumes e tradições dos povos indígenas, conforme está escrito na Constituição Federal. Para a demarcação é preciso enfrentar todo o aparato jurídico de ações e liminares impetradas por particulares ou por entidades, com objetivo de atrasar e impedir esse processo. Outro grande desafio é o fator geográfico, porque muitas comunidades são de difícil acesso, têm características específicas de locomoção e não podem ser tratadas como cidadãos que vivem em grandes centros urbanos", comenta.

Por que os povos indígenas preservavam seus antepassados?

Os povos indígenas preservam os costumes de seus antepassados pois esta é uma forma de manter as suas culturas tradicionais vivas, e a nossa cultura é parte de quem nós somos, sendo "vazio" um povo que não se liga às suas raízes culturais.

O que o que os povos indígenas utilizam para transmitir a tradição?

Na maior parte das sociedades indígenas a transmissão dos elementos culturais como a mitologia, os rituais e os costumes é feita oralmente e são os idosos que desempenham essa função fundamental para a sobrevivência dos povos.

Como os povos indígenas expressam suas culturas e conservam sua tradição?

No artesanato, a influência indígena se faz ainda mais aparente, seja pelos cestos trançados vendidos nos centros das cidades, nas bolsas trançadas, nos chapéus, entre outros. Além disso, a cultura indígena também está presente na própria tradição nacionalista do país, seja por meio da história ou da literatura.

Qual a importância da conservação da arte indígena?

É um elemento cultural fundamental, produzido por tradição e preservação da cultura. A conservação da arte indígena é uma forma de manter vivas as tradições culturais das diversas etnias indígenas brasileiras, que já produziam sua arte antes mesmo da chegada da colonização portuguesa ao país.

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