Quais as consequências da concentração de terra para a sociedade brasileira?

A estrutura fundiária corresponde ao modo como as propriedades rurais estão dispersas pelo território e seus respectivos tamanhos, que facilita a compreensão das desigualdades que acontecem no campo.

A desigualdade estrutural fundiária brasileira configura como um dos principais problemas do meio rural, isso por que interfere diretamente na quantidade de postos de trabalho, valor de salários e, automaticamente, nas condições de trabalho e o modo de vida dos trabalhadores rurais.

No caso específico do Brasil, uma grande parte das terras do país se encontra nas mãos de uma pequena parcela da população, essas pessoas são conhecidas como latifundiários. Já os minifundiários são proprietários de milhares de pequenas propriedades rurais espalhadas pelo país, algumas são tão pequenas que muitas vezes não conseguem produzir renda e a própria subsistência familiar suficiente.

Diante das informações, fica evidente que no Brasil ocorre uma discrepância em relação à distribuição de terras, uma vez que alguns detêm uma elevada quantidade de terras e outros possuem pouca ou nenhuma, esses aspectos caracterizam a concentração fundiária brasileira.

É importante conhecer os números que revelam quantas são as propriedades rurais e suas extensões: existem pelo menos 50.566 estabelecimentos rurais inferior a 1 hectare, essas juntas ocupam no país uma área de 25.827 hectares, há também propriedades de tamanho superior a 100 mil hectares que juntas ocupam uma área de 24.047.669 hectares.

Outra forma de concentração de terras no Brasil é proveniente também da expropriação, isso significa a venda de pequenas propriedades rurais para grandes latifundiários com intuito de pagar dívidas geralmente geradas em empréstimos bancários, como são muito pequenas e o nível tecnológico é restrito diversas vezes não alcançam uma boa produtividade e os custos são elevados, dessa forma, não conseguem competir no mercado, ou seja, não obtêm lucros. Esse processo favorece o sistema migratório do campo para a cidade, chamado de êxodo rural.

A problemática referente à distribuição da terra no Brasil é produto histórico, resultado do modo como no passado ocorreu a posse de terras ou como foram concedidas.
A distribuição teve início ainda no período colonial com a criação das capitanias hereditárias e sesmarias, caracterizada pela entrega da terra pelo dono da capitania a quem fosse de seu interesse ou vontade, em suma, como no passado a divisão de terras foi desigual os reflexos são percebidos na atualidade e é uma questão extremamente polêmica e que divide opiniões.

O mês de abril é marcado pelo Dia Internacional de Luta pela Terra, dia 17, data que homenageia os 21 trabalhadores rurais assassinados e outros 69 mutilados pela Polícia Militar do estado do Pará, em 1996, no chamado de Massacre do Eldorado dos Carajás. 

O crime, que ficou mundialmente conhecido, se tornou mais uma marca profunda da história do Brasil por expressar a extrema violência contra os trabalhadores do campo em função da concentração da terra e até hoje marca o mês de luta pela reforma agrária.

Nesse contexto, o Instituto Tricontinental de Pesquisa Social faz uma homenagem à data e lançou o Dossiê 27: Reforma Agrária Popular e a luta pela terra no Brasil, nesta terça-feira (7), com o objetivo de rememorar esta e, principalmente, outras histórias na mobilização pela distribuição de terras no país.

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"O Brasil é um dos países com maior concentração de terras do mundo e onde estão os maiores latifúndios. Concentração e improdutividade possuem raízes históricas que estabeleceu a base da desigualdade social do país que perdura até os dias atuais", pontua a publicação, que também traz dados de que os índices de concentração de terra estão cada vez maiores.

De acordo com o último Censo Agropecuário do país, realizado em 2017, cerca de apenas 1% dos proprietários de terra controlam quase 50% da área rural do país. Por outro lado, os estabelecimentos com áreas menores a 10 hectares (cada hectare equivale a um campo de futebol) representam metade das propriedades rurais, mas controlam apenas 2% da área total.

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"O objetivo é apresentar do ponto de vista histórico como o latifúndio e esse modo de organização agrária no nosso país é historicamente desigual, o que se aprofunda com a consolidação do agronegócio no Brasil, e como os trabalhadores durante todo o período de formação social do país empreenderam lutas pela democratização da terra", ressalta Matheus Gringo, pesquisador do Instituto Tricontinental e um dos autores da publicação.


"As Ligas Camponesas foi uma das primeiras organizações do campo no Brasil a adotar a reforma agrária enquanto uma linha política'", aponta o dossiê / Autor desconhecido

O dossiê traça um resgate histórico desde os anos 1970 e 1980, em que a reascensão das lutas populares pela redemocratização no país resultou no surgimento Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), em 1984, até o atual estágio da luta pela terra no país, que tem como foco a disputa pelo modelo agrícola entre o agronegócio e a agroecologia.

Gringo explica que, em contraponto ao modelo do agronegócio, que tem como fundamento a produção extensiva de commodities para exportação e que traz consequências graves à natureza e ao ser humano devido ao uso excessivo de agrotóxicos, a luta pela terra transformou a sua visão de Reforma Agrária para, o que chamam de, Reforma Agrária Popular.

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"O tema da Reforma Agrária Popular, diferente daquilo que nós chamamos de Reforma Agrária clássica, não é apenas um processo de distribuição de terras, ela tem como fundamento a mudança na matriz tecnológica da produção, que tem como base a agroecologia e a cooperação dentro de um projeto de alimentos saudáveis e de proteção ao meio ambiente para o conjunto da sociedade", destaca Gringo.

Exemplo

Partindo dessa nova estratégia de luta contra o agronegócio, o dossiê se debruça sobre uma experiência concreta: um assentamento da Reforma Agrária organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Conquista da Fronteira, em Santa Catarina.

O território de 1.198 hectares foi desapropriado para a reforma agrária em 1988, e desde então tem como fundamento o trabalho coletivo, a cooperação, a diversificação da produção, a agroecologia e o próprio tema da educação do campo e da saúde.

São 46 famílias que hoje vivem no assentamento, as mesmas que ocuparam os primeiros latifúndios no estado em 1985, apenas um ano depois do surgimento do movimento, e que construíram na prática um território com outra concepção agrícola.

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Horta comunitária no Assentamento Conquista na Fronteira, responsável por todos os legumes e verduras consumidos pelos assentados. / MST

Os assentados formaram a cooperativa Cooperunião, em 1990, para coletivizar a terra e a produção e por meio da organização não só conquistaram o sustento das famílias com a produção de verduras e legumes orgânicos para consumo próprio, mas também a geração de renda.

Eles comercializam em larga escala leite, grãos, erva-mate, peixes, suínos, aves de postura, gado e mel. Tudo produzido por meio da agroecologia. A remuneração é dividida de acordo com o número de horas trabalhadas.

“A gente tem uma alimentação extraordinária, orgânica, sem veneno, de carnes, ovos, leite. Compramos muita pouca coisa do mercado”, contou a assentada Irma Bruneto, à publicação do Tricontinental.

A gente tem uma alimentação extraordinária, orgânica, sem veneno, de carnes, ovos, leite. Compramos muita pouca coisa do mercado

Junto à horta, o viveiro de árvores contribui tanto para reflorestar a área degrada pelo latifúndio quanto para embelezar os terrenos das casas. O reflorestamento nos últimos já transformou 40% da área do assentamento em mata.

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Covid-19 e Reforma Agrária Popular

Diante do novo coronavírus, que vem assolando o planeta, o pesquisador Matheus Gringo enfatiza ainda que esta crise deveria possibilitar a avaliação sobre a ação humana no meio ambiente, a sua forma de ocupação dos espaços e o próprio padrão de consumo. Para ele, há conexão direta entre os impactos ambientais do atual sistema produtivo e o surgimento de pandemias como as da covid-19.

"O próprio modelo de produção agropecuária, que é hegemônico no mundo e que usa grandes quantidades de agrotóxicos e antibióticos nos animais para engorda, pode cada vez mais levar a isso. Nesse ponto de vista, a gente poderia dizer que não existe um grande desastre natural, mas que ele é causado pela ação humana no meio ambiente, essa ação humana que é de desequilíbrio", afirma.

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Por outro lado, Gringo destaca que experiências como as do assentamento Conquista da Fronteira e a luta pela Reforma Agrária Popular, que tem uma matriz agroecológica, pressupõem uma relação equilibrada entre os seres humanos e a natureza. "Preserva o meio ambiente e assim pode, de certa forma, minimizar esses impactos humanos sobre a natureza."

O pesquisador salienta a necessidade de democratização das terras para que a matriz agroecológica possa de fato influenciar no rumo do desenvolvimento do país. Segundo o dossiê do Tricontinental, a alta concentração de terra traz "consequências políticas, econômicas, sociais e ambientais na construção histórica do país". "Afinal, as relações com a terra são fundamentais para o desenvolvimento de um país. Quando se fala de terra se fala de pessoas, de controle dos bens naturais, de desenvolvimento econômico, social e cultural. A terra é a expressão de uma sociedade”, finaliza a publicação.
 

Edição: Rodrigo Chagas


Quais são as consequências da concentração de terras no Brasil?

Essa concentração de terras no Brasil, comprovada pelo Censo Agropecuário 2017, tem como consequência a redução das áreas ocupadas pela agricultura familiar e menor número de postos de trabalho nas pequenas propriedades.

Qual a principal consequência da concentração de terra?

O meio rural brasileiro se caracteriza de forma negativa pela concentração de terras, isso provoca problemas no campo como desemprego, baixos salários, precárias condições de trabalho, conflitos, degradação ambiental, degradação humana entre outros.

Por que a concentração de terras é ruim para o Brasil?

"O modelo da concentração de terras reforça a desigualdade, que se retroalimenta no acesso a recursos financeiros e tecnológicos." Pelo estudo da Oxfam, as propriedades de até 10 hectares ficam com 39,8% dos contratos de financiamento, que significam menos de 7% do volume de dinheiro.

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