Quais foram as consequências para os povos indígenas do contato com os colonizadores portugueses?

A ideia de que os indígenas do Brasil no período colonial desapareceram e/ou perderam sua identidade, baseada na História tradicional, é debatida e combatida na historiografia recente. Os nativos não podem ser reduzidos a meras vítimas da conquista, isso exclui a idéia de que os próprios tomavam a iniciativa para resistir em uma luta pela sobrevivência. Eles jamais aceitaram, sem resistência, a dominação do europeu. De acordo com Maria Leônia Chaves de Resende e Hal Langfur, os índios não agiam tão somente em defesa própria,

principalmente no caso dos Puri e dos Botocudo, eles repetidamente iniciavam ataques em territórios recentemente ocupados e, em alguns casos, até em territórios já considerados firmemente controlados pelo poder colonial. Os índios, em suma, eram ao mesmo tempo vítimas e perpetradores de violência. Naturalmente, até a mais cuidadosa leitura de fontes escritas pelos colonizadores pode apenas dar uma breve visão de como essa luta era vista pelos índios. No entanto, tal análise sugere claramente que eles se comportavam de forma muito diferente da que os colonizadores retratavam como a natureza irracional da resistência indígena.[1]

A resistência indígena se dava pelas fugas dos aldeamentos missionários e de outros tipos de cativeiro, pela defesa das aldeias contra os Bandeirantes, por ataques a vilas e fazendas, pela colaboração com o europeu, bem como pelo suicídio quando presos. A resistência intensificava-se, sobretudo, a partir da penetração do conquistador no interior do país pela busca de metais preciosos ou na expansão das fazendas, onde estes faziam, na maioria das vezes, o uso da violência.

O domínio religioso imposto pelos portugueses tornava os nativos “submissos” ou aparentemente dóceis à dominação. Na visão dos primeiros portugueses, os índios não possuíam nenhuma religiosidade. No entanto, religiosidade e crenças míticas faziam parte da vida indígena, e uma das principais tarefas dos portugueses seria a de trazer estes índios para a verdadeira fé cristã, e que costumes como a poligamia, a antropofagia, o andar sem roupas, as bebidas, etc., fossem extintos.

A Confederação dos Cariris foi um movimento de resistência da nação Cariri (ou Kiriri) à dominação portuguesa, ocorrido entre 1683 e 1713, que envolveu nativos principalmente do Ceará e algumas tribos de Pernambuco, Rio Grande do Norte e Paraíba. Ela iniciou-se em resposta ao avanço de sesmeiros que invadiram as terras ocupadas pelos indígenas e provocaram vários conflitos. A revolta começou na região norte-rio-grandense do Açu, com ataques contra vilas e fazendas resultando em mortes e destruição. A pedido do governo-geral do Brasil, bandeirantes de São Paulo e de São Vicente foram requisitados para acabar com o motim. A presença dos bandeirantes não acabou com a revolta, ao contrário, disseminou-a para outras regiões e provocou a entrada de outras nações: os Anacés, Jaguaribaras, Acriús, Canindés, Jenipapos, Tremembés e dos Baiacus.

Após anos de luta, entrou em ação o regimento de ordenanças do coronel João de Barros Braga, que fora avassalador. Composta de homens conhecedores do terreno e do modo de guerrear indígena fora promovida uma expedição guerreira em 1713 que subiu pelo vale do Jaguaribe ao do Cariri, até os confins piauienses, exterminando todos os indígenas pelo caminho não importando sexo ou idade. Assim terminou a Confederação dos Cariris, apontada nos livros de História tradicionais como a "Guerra dos Bárbaros".

Os índios Goitacás por duas vezes destruíram a povoação e os engenhos de açúcar construídos em seu território. Os Tamoio ou Tupinambá, da família Tupi, grandes guerreiros que ocupavam a região do Rio de Janeiro até Ubatuba, formaram a Confederação dos Tamoios que aliada aos franceses durante dez anos (1555-1565) ameaçaram o povoamento português das capitanias do sul.

A superioridade militar dos europeus e a dificuldade dos indígenas de se unirem contra o inimigo comum, foram fatores que prejudicaram esse tipo de resistência. Os indígenas, divididos por rivalidades tribais, auxiliavam os europeus na luta contra outros indígenas. Mas nas poucas ocasiões em que conseguiram se unir, na forma de confederações, foi penoso para os europeus dominá-los.

Os índios procuraram adaptar-se a nova realidade. Sua cultura não fora destruída totalmente, esta sobreviveu ao fazer (re)elaborações de suas práticas religiosas e das práticas cristãs. Essas (re)leituras ao mesmo tempo negavam e incorporavam valores da dominação colonial, (re)significando seus códigos culturais de acordo com a sua compreensão e necessidade.

Indicação de leitura:

  • VAINFAS, Ronaldo. A heresia dos índios - catolicismo e rebeldia no Brasil Colonial. São Paulo, Companhia das Letras, 1995.

  • Leonardo Neiva
  • De São Paulo para a BBC News Brasil

20 julho 2020

Crédito, Biblioteca Nacional

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Relatos registrados ao longo da história do Brasil apontam para o uso proposital de doenças como armas biológicas

Um avião sobrevoa os campos e despeja dos céus brinquedos infectados pela gripe. Criadores de gado atraem uma tribo desavisada a um povoado que enfrenta uma grave epidemia. Fazendeiros largam estrategicamente pelo chão mudas de roupa contaminadas com varíola.

São esses alguns dos relatos registrados ao longo da história do Brasil que apontam para o uso proposital de doenças como armas biológicas em batalhas contra povos indígenas e que teriam contribuído para dizimar grande parte das tribos que existiam originalmente no país.

Ao descrever a investida de plantadores de cacau sobre as terras reservadas às tribos kamakã e pataxó, na Bahia do início do século 20, o antropólogo Darcy Ribeiro conta no livro Os índios e a civilização que os invasores lançavam mão de "velhas técnicas coloniais, como o "envenenamento das aguadas" e "o abandono de roupas e utensílios de variolosos onde pudessem ser tomados pelos índios".

Para Rafael Pacheco, pesquisador do Centro de Estudos Ameríndios da USP (Cesta), o uso de objetos contaminados foi o principal método usado para inocular doenças entre os indígenas desde o início da colonização.

"Além da similaridade de métodos, o conflito de terras era a motivação mais comum para esses episódios", explica.

O impacto devastador de doenças trazidas pelos europeus ao Brasil entre os índios é largamente conhecido. Além da baixa imunidade, os hábitos coletivos e a falta de tratamentos tornavam a população nativa especialmente vulnerável a doenças trazidas por estrangeiros, como conta o professor de antropologia da Universidade Estadual de Santa Cruz Carlos José Santos.

"Povos inteiros foram massacrados pelos contágios de doenças infecciosas. Aliás, muitos foram considerados extintos por elas, como é o caso dos goitacá", diz Santos, que é indígena e conhecido pelo nome Casé Angatu.

Doenças como varíola, sarampo, febre amarela ou mesmo a gripe estão entre as razões para o declínio das populações indígenas no território nacional, passando de 3 milhões de índios em 1500, segundo estimativa da Funai (Fundação Nacional do Índio), para cerca de 750 mil hoje, de acordo com dados do governo.

As causas dessas epidemias são comumente tratadas pela história como involuntárias. Há, no entanto, diversos relatos de infecção proposital de tribos indígenas no país: entre os timbira, no Maranhão, os botocudos, na região do vale do Rio Doce, os tupinambá e pataxó, na Bahia, os cinta-larga, em Mato Grosso e Roraima, entre vários outros.

Crédito, Biblioteca Nacional

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Doenças como varíola, sarampo, febre amarela ou mesmo a gripe estão entre as razões para o declínio das populações indígenas no território nacional

Segundo a antropóloga Helena Palmquist, que pesquisa genocídio indígena no Brasil, o método de infecção era comum. "É uma estratégia muito difícil de provar, e os casos aconteciam em rincões, no Brasil profundo, lugares em que ninguém queria entrar."

"Essas histórias não são desconhecidas, só não são levadas a sério. Os casos não foram apurados e nenhuma medida foi tomada, esses episódios eram divulgados pelos órgãos oficiais como fatalidades", afirma Pacheco.

O massacre dos timbira

O caso mais bem documentado aconteceu com índios timbira no Estado do Maranhão, por volta de 1816. Na região, eles travaram, ao longo de décadas, uma guerra violenta contra criadores de gado, que vinham invadindo suas terras desde o início do século 19.

Em meio às constantes escaramuças, era comum que tribos selassem a paz com povoados brancos em busca de uma aliança contra povos inimigos. Foi o que aconteceu com os canela, ou kapiekrã, que, inicialmente derrotados em batalha pelos sakamekrã, acabaram por vencê-los com a ajuda de aliados brancos.

Em determinado ponto, a proximidade desses índios com os ditos civilizados foi tão grande que a tribo largou as terras onde vivia para morar junto a eles. Os brancos, por sua vez, esperavam receber uma ajuda financeira do governo para sustentar os novos agregados.

Esse auxílio, porém, nunca veio, fazendo com que os índios famintos se dispersassem e entrassem em conflito com o povoado. De um lado, a tribo buscava formas de sobreviver. Do outro, os fazendeiros se negavam a dividir seus parcos recursos, acusando os índios de roubar plantações e atacar o gado.

"Perpetraram sobre os habitantes de todo o distrito enormíssimas extorsões, furtando-lhe gado, matando os bezerros e devorando as roças de mantimentos com tão decisiva destruição que, exasperados, muitos dos referidos habitantes largaram as suas propriedades e fugiram da capitania", narra em relatório para a corte o capitão Francisco de Paula Ribeiro, que presenciou o conflito.

Crédito, Fiona Watson/Survival

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Em 2014, relatório da Comissão Nacional da Verdade identificou entre as causas da morte de cinco mil índios em Mato Grosso e Rondônia, a partir da década de 1950, 'aviões que atiravam brinquedos contaminados com vírus da gripe, sarampo e varíola', enviados por seringalistas, mineradores, madeireiros e garimpeiros, com a conivência do governo federal

Para dar cabo da ameaça indígena, os proprietários locais, sob o falso pretexto de uma guerra contra outra tribo, teriam atraído os canela à vila de Caxias, que na época sofria com uma epidemia de varíola.

Ali chegando, os índios nada receberam para comer e, ao tentarem saciar a fome nas plantações locais, foram imediatamente punidos. "Foram presos e espancados, inclusive mulheres e crianças, e dentre elas, a esposa do principal chefe da tribo, que, ao reclamar contra este tratamento, foi também fustigado", conta Darcy Ribeiro.

Caçados a tiros de espingarda, os que conseguiram escapar levaram consigo a doença. Assim, a varíola se espalhou entre as tribos da região, como conta Francisco de Paula. Até o ano seguinte, alcançaria populações indígenas a uma distância de 1,8 mil quilômetros dali.

Segundo o capitão, a falta de tratamento ou conhecimento dos índios sobre a doença ajudou a multiplicar a mortes.

"Não será fácil de fazer uma ideia segura de quantas mil almas nele terão perecido, uma vez que se sabe o extravagante método porque estes homens brutais haviam pretendido curar-se — que era deitando-se aos rios para refrescar-se.... ou tirando-se logo as vidas àqueles que apareciam com mais claros sintomas de semelhante moléstia", descreve.

As doenças e a miséria causada pela tomada de seu território reduziu tanto o números dos timbira, de acordo com Darcy Ribeiro, que estes se viram impossibilitados de lutar até mesmo pelas áreas reservadas a eles pelo governo após a pacificação da região.

"À custa de tramoias, de ameaças e de chacinas, os criadores de gado espoliaram a maioria deles e os remanescentes de vários grupos se viram obrigados a juntar-se nas terras que lhes restavam, insuficientes para o provimento da subsistência à base da caça, da coleta e da agricultura supletiva", diz Ribeiro.

Outros relatos

Feito em 1967 e só divulgado ao público 45 anos depois, o Relatório Figueiredo, produzido pelo procurador Jader Figueiredo a pedido do governo militar, relata o uso de vários tipos de violência contra os indígenas por membros do órgão que deveria resguardá-los, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI).

Entre os assassinatos, abusos sexuais, casos de tortura e corrupção denunciados, o relatório ressalta as acusações de que uma tribo de índios pataxó do sul da Bahia teria sido levada à extinção por uma infecção proposital.

"Jamais foram apuradas as denúncias de que foi inoculado o vírus da varíola nos infelizes indígenas para que se pudessem distribuir suas terras entre figurões do governo", aponta o documento.

Em seu vasto relatório de 2014, a Comissão Nacional da Verdade identificou entre as causas para a morte de cinco mil índios cinta-larga em Mato Grosso e Rondônia, a partir da década de 1950, "aviões que atiravam brinquedos contaminados com vírus da gripe, sarampo e varíola", enviados por seringalistas, mineradores, madeireiros e garimpeiros, com a conivência do governo federal.

O pesquisador Rafael Pacheco cita também casos ocorridos nas últimas décadas no Paraná e Mato Grosso do Sul, em que proprietários de terra fizeram chover agrotóxico de um avião sobre as águas, terras e plantações de tribos avá-guarani, guarani e kayowa, causando sérios danos à saúde dos índios.

De suas andanças pelo Brasil entre os anos de 1816 e 1822, o naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire conta uma história ocorrida no vale do Rio Doce, onde um foragido da Justiça, acolhido de forma amigável pelos índios botocudos, teria dado a eles objetos infectados de varíola depois que um chefe indígena se apaixonou por sua filha.

"Muitos botocudos caíram vítimas dessa horrível perfídia", narra Saint-Hilaire, acrescentando que a prática era usual em outras regiões do país.

Crédito, Funai

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Antropólogo critica vetos recentes aplicados à lei de proteção às comunidades indígenas em meio à pandemia do coronavírus

Transmissão não proposital e omissão

Para o antropólogo Casé Angatu, as doenças serviram desde o início aos interesses dos colonizadores.

"As contaminações, propositais ou não, serviram e servem para espoliar terras indígenas e para o contínuo genocídio dos povos originários", afirma.

Palmquist classifica inclusive como criminosa a política de aproximação de tribos indígenas instalada durante a ditadura, que teria sido diretamente responsável pelo extermínio de milhares de índios.

"Muito rapidamente, a Funai se transformou numa promotora da atração, pacificação e contato com as tribos indígenas, num momento em que já se sabia quais eram as consequências dessa política."

No Relatório Figueiredo, a omissão é também destacada como um dentre os vários crimes cometidos por membros do SPI. "A falta de assistência, porém, é a mais eficiente maneira de praticar o assassinato", diz o documento.

Nesse sentido, Pacheco lembra da desestruturação do sistema de atenção à saúde no Brasil durante a ditadura, especialmente na década de 1970, num período em que a política de aproximação das comunidades indígenas funcionava a todo vapor.

"A ausência de equipes e estruturas de assistência médica em momentos de extrema necessidade deve entrar sim na conta dos agentes públicos, dentre eles o presidente, na medida em que ela expressa uma política do governo de violar sistematicamente direitos indígenas", declara o pesquisador.

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Quais foram as consequências do contato dos indígenas com os portugueses?

O processo de colonização levou à extinção de muitas sociedades indígenas que viviam no território dominado, seja por meio das guerras, seja em consequência do contágio por doenças trazidas dos países distantes como a gripe, o sarampo e a varíola, que vitimaram, muitas vezes, sociedades indígenas inteiras, em razão dos ...

Quais são as consequências dos primeiros contatos dos europeus com os povos indígenas?

Resposta:Os colonizadores, por não conhecerem a cultura dos povos indígenas, assim como não compreenderem sua língua e rituais, acabaram enxergando os mesmos como povos não civilizados e impondo suas crenças e modo de vida.

Quais foram os problemas enfrentados pelos indígenas com a chegada dos portugueses?

No primeiro século de contato, 90% dos indígenas foram exterminados, principalmente por meio de doenças trazidas pelos colonizadores, como a gripe, o sarampo e a varíola. Nos séculos seguintes, milhares de vítimas morreram ou foram escravizadas nas plantações de cana-de-açúcar e na extração de minérios e borracha.

Qual foi a reação dos povos indígenas em relação a chegada dos portugueses?

A reação dos índios com a chegada dos portugueses foi de choque, pois aquela cultura, traços físicos, roupas, navios e tecnologias eram completamente diferente de tudo o que conheciam.

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