Quais os desafios existentes no que se refere a efetivação da interdisciplinaridade no trabalho pedagógico dos professores?

1. Introdu��o

A interdisciplinaridade, conceito forjado a partir dos anos 1960, tem sido mundialmente disseminada em pesquisas, reflex�es e a��es de ordem epistemol�gica, metodol�gica e ontol�gica, sobretudo nos estudos empreendidos por Fazenda (2001), Japiassu (1990 e Morin (2011). Muito embora o conceito ganhe representatividade em diversas partes do mundo, Lenoir (2005) chama a aten��o para o fato de que a interdisciplinaridade � um conceito poliss�mico, que apresenta interpreta��es diferentes a partir de l�gicas culturais distintas, o que explicaria certa diverg�ncia de sua compreens�o em diferentes grupos. Sob esta mesma l�gica, h� que se considerar, tamb�m, os esfor�os empreendidos por Sommerman (2006), Pombo (2008), Fazenda (2007, 2008) e Pasquier e Nicolescu (2019) em tentar categorizar o que se entende por multidisciplinaridade, pluridisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, a fim de delimitar um marco te�rico para as investiga��es acad�micas e para as pr�ticas em sala de aula no que se refere a este conceito.

No caso deste artigo, assumimos o marco te�rico da interdisciplinaridade enquanto “atitude de ousadia diante da quest�o do conhecimento” (Fazenda, 2008, p. 13), incorporando as met�foras que apresentam a interdisciplinaridade como pontes entre as disciplinas que lhes revelam o sentido em uma perspectiva epistemol�gica, metodol�gica e ontol�gica.

Considerando este percurso te�rico, este trabalho tem por objetivo compreender o que professores de uma escola de Ensino Fundamental, cujo curr�culo est� organizado em projetos interdisciplinares a partir dos anos finais, pensam sobre a interdisciplinaridade e como organizam suas pr�ticas educativas, considerando os princ�pios e o contexto da escola, expressos em seu Projeto Pol�tico-Pedag�gico. A partir do que dizem os docentes, da observa��o de suas pr�ticas e da an�lise do Projeto Pol�tico-Pedag�gico da escola, este artigo discute a rela��o entre a teoria da interdisciplinaridade e as pr�ticas educativas. Espera-se que tais reflex�es contribuam com o campo da forma��o de professores, sobretudo no que tange a iniciativas de efetiva��o de um curr�culo interdisciplinar.

2. Discutindo Conceitos e Inter-Rela��es

2.1. A Quest�o Da Interdisciplinaridade

Falar de interdisciplinaridade exige uma reflex�o acerca de seu sentido etimol�gico, como afirma Salvador (2006). Para a autora, o prefixo ‘inter’ apresenta a ideia de estabelecer liga��es, a palavra ‘disciplina’ apresenta um campo de conhecimento espec�fico e o sufixo ‘dade’ a ideia de movimento. Interdisciplinaridade seria, portanto, o movimento existente entre determinadas disciplinas. Ou seja, a partir desta an�lise, depreende-se que a interdisciplinaridade s� existe porque existem as disciplinas e que ela ocorre justamente nos pontos de converg�ncia (ou de liga��o) entre elas.

Nesse sentido, a interdisciplinaridade se constitui como uma abordagem te�rico-pr�tica que orienta tanto pesquisadores quanto docentes a analisarem os fen�menos a partir de diferentes perspectivas. Isso n�o significa, contudo, acreditar que “tudo tem rela��o com tudo”, mas ter consci�ncia de que h� uma imensa rede de conex�es entre diferentes disciplinas e que precisam ser consideradas para o sucesso de uma an�lise mais profunda e integral.

De acordo com Souza et al. (2020), compreender a perspectiva interdisciplinar exige investigar quais s�o os pontos de converg�ncia existentes entre as disciplinas envolvidas, seja no �mbito educacional ou no �mbito cient�fico. Este movimento � muito maior do que, simplesmente, “juntar disciplinas”. O grande segredo de um trabalho interdisciplinar � justamente identificar quais s�o as rela��es existentes entre as disciplinas, objeto de determinado estudo, projeto ou aula, e n�o a tentativa de destruir as disciplinas em fun��o da cria��o de uma poss�vel metadisciplina. Obviamente que, na pr�tica, este movimento se torna mais complexo e carece de aprofundamento te�rico, seja no campo da pesquisa, seja no campo da a��o educativa, pois, como j� afirmava Santos (1996), as fronteiras entre os diferentes campos de conhecimento est�o cada vez menos definidas.

O desenvolvimento atual da ci�ncia apresenta duas caracter�sticas importantes para uma reflex�o sobre a interdisciplinaridade. A primeira, clara e bem estruturada, refere-se � superespecializa��o das v�rias disciplinas nas quais foi dividido o conhecimento. A segunda, mais difusa, diz respeito �s diversas tentativas de revers�o desse processo e busca de di�logo entre diferentes �reas do conhecimento. Tr�s constata��es podem ser feitas, tendo como base essas caracter�sticas (Domingues, 2011):

  1. 1. A efetividade da superespecializa��o. A especializa��o permitiu obter avan�os cient�ficos e realiza��es tecnol�gicas dificilmente imagin�veis no quadro do holismo cl�ssico (Antiguidade e Idade M�dia)
  2. 2. Limites da especializa��o. A an�lise (no sentido de subdivis�o) de um objeto n�o parece ter fim. Quando o �tomo � identificado como unidade �ltima da mat�ria, surgem part�culas e subpart�culas;
  3. 3. Pressentimento do fim do especialista, da mesma forma que, no passado, foi decretado o fim do generalista.

A interdisciplinaridade pode ser vista - pelo menos em sua dimens�o epistemol�gica - como uma busca de supera��o desses limites, particularmente pelo esgotamento pressentido da especializa��o no tratamento de certos temas e objetos de pesquisa, como discutido a seguir.

No Brasil, podem-se identificar duas importantes vertentes no desenvolvimento da interdisciplinaridade. A primeira, cuja origem pode ser rastreada at� aos trabalhos de Hilton Japiassu (1976, 1990), apresenta um registro marcadamente epistemol�gico. Considera-se, nesse caso, a fragmenta��o da ci�ncia como uma barreira epistemol�gica (Japiassu vai falar de uma doen�a, uma patologia do saber), limitando as possibilidades do avan�o do conhecimento. O autor argumenta que h� objetos de conhecimento cuja extens�o e complexidade exigem uma abordagem interdisciplinar, pois precisam ser estudados enquanto totalidade. A an�lise fragmentada (disciplinar) proposta pela ci�ncia moderna n�o � suficiente para fazer avan�ar o conhecimento sobre esses objetos. Um exemplo bastante comum � o estudo do meio ambiente, cujo objeto se encontra na interface entre sociedade e natureza e para o qual, segundo a abordagem interdisciplinar, somente a multiplicidade integrada de v�rias disciplinas pode gerar conhecimento novo e relevante.

Essa primeira abordagem trata fundamentalmente da quest�o epistemol�gica da interdisciplinaridade. � aquela na qual a precis�o conceitual e terminol�gica � acentuada, buscando uma hierarquia da integra��o de disciplinas, indo do pluri e do multidisciplinar at� ao inter e o transdisciplinar. Esse movimento pode gerar rea��es subparadigm�ticas (Santos, 1996), nas quais a coabita��o e a interpenetra��o de diferentes disciplinas criam uma nova disciplina, como no caso da biologia molecular (integrando ideias e ferramentas da qu�mica e da biologia) ou dos estudos sobre genoma (integrando ideias e ferramentas da gen�tica e da inform�tica). Gera tamb�m propostas de supera��o das disciplinas e derretimento das fronteiras entre elas. A preocupa��o primeira, nessa vertente epistemol�gica, � a gera��o de conhecimento novo e os obst�culos que a fragmenta��o disciplinar pode criar nesse sentido.

A segunda vertente no desenvolvimento da interdisciplinaridade liga-se � apropria��o do conceito pela pedagogia. Aqui, os trabalhos de Fazenda (2006, 2008, 2011, 2014) s�o exemplares. Nessa vertente, a interdisciplinaridade � entendida como “uma colabora��o ou troca entre praticantes de diferentes disciplinas, de modo que tais disciplinas manteriam uma rela��o de reciprocidade, de mutualidade ou, melhor dizendo, um regime de copropriedade, de intera��o que ir� possibilitar o di�logo entre os interessados” (Fazenda, 2011, p. 162). Trata-se, portanto, de um registro no mundo social, entendendo a interdisciplinaridade enquanto atitude dos praticantes diante do conhecimento.

Tem-se, assim, uma dupla dimens�o do conceito: cognitiva e racionalista, ligada ao conhecimento, na primeira dimens�o; volitiva e atitudinal, ligado ao conhecedor, na segunda.

2.2. Os Diferentes N�veis da Quest�o

A percep��o das limita��es de uma abordagem epistemol�gica n�o aponta de imediato os caminhos para a sua supera��o. Dos tateamentos te�ricos �s explora��es pr�ticas nos estudos de novos problemas (ou na rean�lise dos antigos), diferentes abordagens foram se delineando. A reflex�o sobre essas m�ltiplas tentativas construiu uma nomenclatura que apenas apresentamos aqui. Seguimos as ideias de Fazenda (2011), que as adaptou de propostas de Japiassu (1976, 1990). Para a autora, podemos pensar as diferentes tentativas ou abordagens que buscam superar o disciplinar em n�veis de integra��o e complexidade:

  • O primeiro n�vel seria o multidisciplinar, no qual as diversas disciplinas se encontram lado a lado, mas n�o dialogam, n�o se “conhecem”. As contribui��es integradas para o conhecimento de um objeto ou fen�meno s�o epis�dicas e acidentais;

  • No n�vel seguinte, o pluridisciplinar, as disciplinas trocam experi�ncias e metodologias, embora n�o criem conhecimento fora de si pr�prias. Trata-se mais de apropria��o (de experi�ncias e m�todos) do que di�logo;

  • O terceiro n�vel - o da interdisciplinaridade, no qual nos instalamos neste artigo - � o n�vel de integra��o sistem�tica, no qual se estabelece o j� mencionado “regime de copropriedade” entre as disciplinas, no qual os conte�dos transitam entre as fronteiras disciplinares. Do ponto de vista da apropria��o pedag�gica da interdisciplinaridade, que nos interessa aqui, esse � tamb�m o n�vel no qual a atitude de abertura para o outro se imp�e, na qual se exercita a confronta��o de vis�es de mundo, linguagens, procedimentos, pontos de vista e conhecimentos. Mas, principalmente, na qual se exercita a escuta e a espera;

  • O quarto n�vel, da transdisciplinaridade, aparece como fus�o de disciplinas e desaparecimento de fronteiras. Trata-se muito mais de um sonho do que de uma realidade e, na cr�tica de Gusdorf (2003), um sonho perigoso, por embutir uma ideia de transcend�ncia, de inst�ncia cient�fica superior que, por seu car�ter impositivo, negaria a pr�pria condi��o do di�logo.

2.3. Interdisciplinaridade e Pr�tica Pedag�gica

Considerando essas quest�es, pensar o processo interdisciplinar a partir da perspectiva educativa envolve analisar tamb�m o professor, sua forma��o e o contexto em que atua, uma vez que, em um projeto interdisciplinar, a dimens�o da experi�ncia � um fator essencial.

A interdisciplinaridade, no contexto deste estudo, situa-se na perspectiva do curr�culo e da escola, ou seja, na dimens�o das aprendizagens dos alunos e nos mecanismos de ensino do professor. Sob essa perspectiva, assumimos aqui as dimens�es cr�ticas e p�s-cr�ticas do curr�culo, que v�o al�m de procedimentos, t�cnicas e m�todos, como j� apontavam Moreira e Silva (1995).

Outro aspecto importante neste estudo diz respeito �s discuss�es acerca da posi��o de centralidade que alunos e professores ocupam (ou deveriam ocupar) nos curr�culos e nas pr�ticas educativas. Para a interdisciplinaridade, � preciso um movimento de reciprocidade, aberto � atividade investigativa, que oriente as atividades realizadas na escola, ou seja, um curr�culo constru�do sob a perspectiva da pr�tica.

Estas quest�es est�o muito al�m de uma reflex�o sobre curr�culo e interdisciplinaridade a partir apenas da organiza��o por disciplinas. Extrapolar esta perspectiva exige a transforma��o das rela��es pedag�gicas existentes na escola, a partir da conscientiza��o de sua fun��o social, das rela��es de poder que nela coexistem, da reflex�o na pr�tica, sobre a pr�tica e pela pr�tica, e de processos formativos que considerem a complexidade de rela��es existentes na escola.

Nesse sentido, o professor n�o � mero espectador do curr�culo, ele � ator protagonista nesta trama, por isso deve refletir tamb�m sobre como age e sob quais aspectos sua pr�tica est� alicer�ada. Seu papel � fundamental no processo de aprendizagem, no entanto, n�o mais como aquele que det�m o poder do conhecimento, mas como mediador, aquele que ajuda o aluno a se guiar durante o processo de aprendizagem. � quem faz as perguntas, quem instiga e mobiliza, quem exerce o papel de tutor. Quando o professor se comporta assim, o aluno se sente mais confort�vel em buscar respostas para as suas d�vidas e compor suas descobertas.

Para realizar um trabalho interdisciplinar, a rela��o entre professor, aluno, escola e fam�lia precisa estar permeada pelo di�logo, atividade fundante do processo de constru��o do conhecimento, no sentido do que preconiza Arroyo (2011): as escolas e seus curr�culos precisam estar “mais abertas � d�vida e �s indaga��es que v�m do real, das viv�ncias que os pr�prios educandos e educadores carregam, al�m de fazer das salas de aula laborat�rios de di�logos entre conhecimentos” (p. 37).

3. Metodologia

Este texto apresenta os resultados de uma investiga��o qualitativa, em que participaram oito professores de uma escola de Ensino Fundamental de uma cidade do Vale do Para�ba Paulista - Brasil, que tem uma proposta de curr�culo orientado a projetos, e que foram indicados pela diretora da escola como aqueles que s�o reconhecidos por possu�rem pr�ticas interdisciplinares. A participa��o dos docentes foi volunt�ria e autorizada pelo Comit� de �tica em Pesquisa da Universidade de Taubat� sob o protocolo 1.324.547, de novembro de 2015.

Como instrumentos para a coleta de dados foram utilizados: (i) recolha documental do Projeto Pol�tico-Pedag�gico da escola; (ii) entrevistas individuais com os professores; e (iii) observa��o da rotina da escola e das pr�ticas dos professores entrevistados.

O Projeto Pol�tico-Pedag�gico foi analisado considerando a hist�ria da escola, sua organiza��o curricular e orienta��o para a interdisciplinaridade. A observa��o foi realizada em um per�odo de tr�s meses, tr�s vezes na semana, com uma varia��o di�ria de entre tr�s e seis horas. O roteiro de observa��o foi elaborado considerando: (i) o espa�o escolar (sua divis�o, disposi��o de mobili�rio, materiais e organiza��o); (ii) a pr�tica pedag�gica (as metodologias utilizadas, a proposi��o de atividades individuais e em grupo e os recursos utilizados); (iii) a rela��o professor-aluno (como se apresenta e se h� elementos nela da atitude interdisciplinar proposta por Fazenda (2001, 2008)); e (iv) a rela��o aluno-aluno (como acontecem as intera��es entre os alunos e se h� resist�ncia por parte deles).

As entrevistas foram elaboradas a partir de um roteiro semiestruturado, agendadas considerando a disponibilidade dos professores e realizadas presencialmente na escola. Foram gravadas em m�dia digital, transcritas e tratadas inicialmente pelo software IRaMuTeQ (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires). Este software realiza uma an�lise textual do corpus proposto, dividindo, inicialmente, esse corpus em segmentos de texto menores (cerca de 35-40 palavras cada) para, em seguida, agrupar esses segmentos de texto em classes segundo o grau de associa��o entre eles. Essa associa��o � feita por meio de uma an�lise de coocorr�ncia de palavras nos v�rios segmentos. Formalmente, o software utiliza uma Classifica��o Hier�rquica Descendente (CHD) para constituir um conjunto de classes distintas a partir das quais se faz uma an�lise de conte�do do texto (Camargo & Justo, 2013). Observe-se que o software n�o cria classes de indiv�duos, mas classes de “falas” dos indiv�duos, ou seja, das tem�ticas presentes em todas as respostas das entrevistas.

Os resultados foram triangulados, considerando as proposi��es de Minayo et al. (2005), e analisados a partir da t�cnica da an�lise de conte�do, proposta por Bardin (2011). Neste texto aprofundaremos os resultados de uma classe tem�tica espec�fica, advinda das entrevistas, referente ao tema “Interdisciplinaridade e Pr�ticas Pedag�gicas”, que representou 30,6% da fala total desses professores. Nesta discuss�o � considerada a triangula��o entre os elementos do Projeto Pol�tico-Pedag�gico da escola, os aspectos detectados na observa��o participante e o referencial te�rico que orienta a Teoria da Interdisciplinaridade.

4. Resultados e Discuss�o

4.1. Caracteriza��o dos Professores e da Escola

Dos oito professores participantes deste estudo, cinco s�o homens e tr�s s�o mulheres, com tempo de doc�ncia que varia entre dois e quinze anos. Quanto � forma��o inicial, todos possuem licenciatura em sua �rea de atua��o na escola. Dois, dos oito professores, possuem forma��o em outra �rea de conhecimento, al�m da doc�ncia: um � tamb�m designer digital e outro engenheiro, ambos atuando na �rea. Cinco docentes atuam exclusivamente com estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental, uma docente atua exclusivamente nos anos iniciais e dois docentes atuam em ambos os segmentos. Cabe destacar que uma professora - a professora 8 - � tamb�m diretora da escola.

A escola, fundada em 1977 como lar assistencial para crian�as em situa��o de vulnerabilidade social, foi at� ao ano de 2017 a �nica escola do bairro trabalhando com o Ensino Fundamental. Atualmente � mantida por professores, alunos, ex-alunos, pais, pais de ex-alunos e comunidade em geral, subsidiada pelo trabalho volunt�rio, oferta de servi�os � comunidade, como aluguel do pr�dio e parceria de palestras e viv�ncias para os alunos da prefeitura, al�m da mensalidade que alguns pais pagam e doa��es. Em seu Projeto Pol�tico-Pedag�gico existe uma explicita��o sobre a import�ncia de a escola realizar um trabalho interdisciplinar em todos os n�veis de ensino, a partir da elabora��o de projetos coletivos de trabalho. Para Fazenda (2006), este � o primeiro movimento para a realiza��o de pr�ticas interdisciplinares: o planejamento no coletivo da escola, explicitado em sua organiza��o curricular.

Como segundo elemento para a realiza��o de uma pr�tica interdisciplinar, de acordo com Fazenda (2008), est� a compreens�o que os docentes possuem de interdisciplinaridade e como eles conseguem express�-la, tanto a partir das quest�es epistemol�gicas quanto a partir da reflex�o sobre a pr�pria pr�tica. J� o terceiro elemento, est� na pr�tica interdisciplinar em si, que ocorre no cotidiano da sala de aula e da escola. De acordo com Fazenda (2014), estes �ltimos s�o os mais dif�ceis de se alcan�ar, uma vez que se desenvolvem a partir de um aprofundamento te�rico e do exerc�cio de uma pr�tica refletida. Ao mesmo tempo, h� uma tend�ncia de distanciamento entre o que o docente diz e o que realmente se realiza na sala de aula. No caso dessa pesquisa, apresentam-se a seguir os resultados advindos das falas dos professores em rela��o �s pr�ticas observadas na escola, a fim de compreender tais dimens�es.

4.2. A Interdisciplinaridade Percebida Pelos Docentes

As reflex�es dos docentes sobre interdisciplinaridade e pr�ticas pedag�gicas s�o compostas pelo agrupamento de 30,6% das falas totais dos professores nas entrevistas. A Figura 1 apresenta uma lista com as primeiras 25 palavras que comp�em este tema, que foi gerada automaticamente pelo IRaMuTeQ e ordenada em fun��o de uma m�trica estat�stica (., qui-quadrado), que mede a for�a de associa��o da palavra com a classe. O tamanho da fonte utilizada nas palavras procura representar essa m�trica.

As palavras originam-se dos segmentos de textos, constituintes da pr�pria fala dos professores (que s�o o corpus textual analisado). O software apresenta estes segmentos de texto em duas ou tr�s linhas, nas quais destaca o que foi dito e por qual entrevistado.


Figura 1
Sequ�ncia de Palavras
Dados das entrevistas

Os segmentos aqui analisados se inter-relacionam e serviram de base para a constru��o do mapa conceitual expresso na Figura 2. Partindo, portanto, da palavra inicial “aluno”, palavra primeira da lista, mapearam-se as rela��es existentes com outras palavras (professor, trabalho, autonomia, etc.), dentro de contextos espec�ficos, que s�o dados pelos segmentos de texto. Nesse sentido, a constru��o do mapa conceitual � feita buscando as inter-rela��es entre as palavras e os sentidos indicados nos contextos.


Figura 2
Mapa Conceitual
Dados das entrevistas

A partir do mapa conceitual verificou-se que os professores tratam de dois temas importantes para compreender a rela��o entre interdisciplinaridade e pr�ticas pedag�gicas: (i) a interdisciplinaridade e o conhecimento em redes; e (ii) a constru��o da autonomia e o trabalho do professor. Essas tem�ticas s�o discutidas na sequ�ncia.

4.2.1. A Interdisciplinaridade e o Conhecimento Em Redes

Os professores discorreram sobre uma compreens�o do conceito de interdisciplinaridade, associando-o a met�foras como “teia”, “ponte” e “links”, apontando para uma rela��o entre conte�dos e �reas a partir da efetiva��o de projetos, afirmando ser um ideal de trabalho educativo e apresentando uma diferencia��o entre os seus n�veis.

Quanto ao conceito de interdisciplinaridade, os docentes sinalizaram uma compreens�o voltada mais para o campo pr�tico do curr�culo, como pode ser observado nas narrativas dos professores 3, 7 e 8.

A interdisciplinaridade �, na verdade, ainda focada nas disciplinas. Ent�o, o que n�s entendemos e normalmente as escolas entendem por interdisciplinaridade � voc� tratar dos mesmos temas em diferentes conte�dos. (Entrevista - Professora 8)

Cabe ao professor que conhece os ramos de conhecimento, juntamente com o aluno e a curiosidade dele, ir explorando essa interdisciplinaridade que j� existe no conhecimento, em tudo o que est� a� fora: no computador, numa bola de futebol, em tudo. Qualquer coisa tem interdisciplinaridade. (Entrevista - Professor 3)

Poder trabalhar com as outras disciplinas um conte�do que permeasse essas outras disciplinas - n�o necessariamente duas, podem ser v�rias ao mesmo tempo - e poder desenvolver um tema �nico que desse possibilidade para todo mundo trabalhar. (Entrevista - Professor 7)

A professora 8 entende que a interpreta��o que a escola tem da interdisciplinaridade ainda � uma vis�o fragmentada, uma vez que quando se fala em interdisciplinaridade continuamos focados nas disciplinas, o que, de certa forma, tamb�m � apontado pelo professor 7 quando associa o trabalho interdisciplinar com uma atividade tem�tica. O professor 3 apresenta esta mesma proposi��o ao dizer que as coisas n�o existem isoladas, em uma �nica ci�ncia ou forma de conhecimento. A ci�ncia fragmentou o conhecimento com vistas � superespecializa��o, o que foi importante em diversas frentes de atua��o. Quando a escola passou a seguir este modelo, a complexidade dos aspectos formativos passou a ser desconsiderada em detrimento de resultados fragmentados.

Por outro lado, o professor 3 apresenta uma reflex�o importante sobre a interdisciplinaridade: uma forma de busca pelo conhecimento como ele � de fato, compreendendo suas conex�es internas e com outros campos. Isso tamb�m � abordado pela professora 2 e pelo professor 4, que afirmam que a interdisciplinaridade seria a forma ideal de trabalho na educa��o, a partir da constru��o de pontes entre disciplinas e de links entre interesses de aprendizagem de professores e alunos:

Isso seria, para mim, a forma ideal de trabalhar em todas as escolas. A interdisciplinaridade � justamente isso. A interdisciplinaridade eu entendo como a forma mais significativa de se trabalhar na educa��o, que � quando o estudante tem um interesse em qualquer �rea e a� o professor consegue linkar esse interesse fazendo uma ponte entre todas as disciplinas (...). Eu entendo interdisciplinaridade como uma teia que vai se completando (...). O trabalho com projetos, por exemplo, � um diferencial grande. (Entrevista - Professora 2)

S�o todos trabalhando juntos e o professor n�o � o foco da aten��o, s�o eles [os alunos]. Para mim, interdisciplinaridade � a gente falar de um determinado assunto sem o foco espec�fico de uma ci�ncia espec�fica. (Entrevista - Professor 4)

Quando se trabalha de forma interdisciplinar, o professor consegue enxergar o interesse do aluno e criar “links” que facilitem o entendimento dos conte�dos. Esses “links” s�o como pontes que ligam os conte�dos de disciplinas (com uma teia) que antes pareciam t�o antag�nicas, justamente pelo hist�rico de fragmenta��o do saber na ci�ncia e na educa��o.

Do ponto de vista conceitual, as narrativas dos professores s�o muito pr�ximas do que � abordado nos estudos de Fazenda (2006), no que diz respeito a uma compreens�o tem�tica da interdisciplinaridade, associando-a ao uso de met�foras, como ponte ou teia. Muitas vezes, se observa um discurso docente sobre isso “descolado” da a��o educativa, o que n�o aconteceu com o grupo de docentes pesquisado.

Durante a etapa de observa��o, verificou-se a exist�ncia de um grande espa�o verde no entorno da escola que foi, inclusive, reflorestado a partir de atividades educativas realizadas pelos docentes em parceria com os estudantes e com a comunidade. Este espa�o propicia experi�ncias significativas que exaltam a rela��o com o meio ambiente e desenvolvem o respeito pela natureza e pelos animais. No entanto, fazer parte de uma escola que se localiza em meio � mata n�o traz por si s� essa rela��o significativa com a natureza, � preciso que os agentes envolvidos nesse processo expressem uma a��o educativa que oriente para a import�ncia do envolvimento pr�tico e dessa rela��o produtiva com o material natural presente ali.

Uma dessas a��es tem�ticas observadas foi a “Trilha Ambiental” realizada na mata, no entorno da escola. Os alunos v�o para a mata acompanhados do professor, que faz a media��o do olhar atento para o que est� acontecendo ao redor. A experi�ncia que os alunos adquirem nessas trilhas � extremamente significativa. Por l� eles observam animais, diversas esp�cies de plantas e o riacho que fica nas imedia��es da escola. O roteiro da trilha depende do planejamento de aula do professor, levando em considera��o a esta��o do ano e a temperatura, exaltando o que pode ser observado nessa �poca do ano. As trilhas podem ser feitas em �pocas frias, passando pela experi�ncia de sentir a neblina enquanto caminham por entre as �rvores, como tamb�m podem ser feitas em um dia de sol, permitindo que as crian�as se deitem na grama ou entrem para se banhar na cachoeira.

Outro aspecto mencionado pelos docentes foi a associa��o da pr�tica interdisciplinar � constru��o de projetos com os alunos. Para eles, ao se ter a clareza do qu�o importante � conhecer o papel dos estudantes no processo de aprendizagem, h� um movimento de transi��o entre inter e transdisciplinaridade, ainda que estes conceitos n�o estejam expressos de forma t�o clara nas narrativas dos professores. Estas quest�es podem ser observadas nas falas dos professores 1, 2 e 8, destacadas a seguir.

Acho que o diferencial da escola � esse: vai um pouco al�m da interdisciplinaridade. Pelo que eu estudei, “inter”, interdisciplinar, � quando uma coisa se cruza com a outra. Elas se cruzam em algum ponto. Quando voc� tem a transdisciplinaridade, � uma coisa que atravessa a outra, ela permeia a outra, ent�o ela � um pouco mais al�m do que um ponto. (Entrevista - Professor 1)

O principal eu acho que � a interdisciplinaridade e a liberdade que os alunos t�m de optarem por algumas �reas espec�ficas do ensino que em outras escolas n�o � poss�vel. O trabalho com projetos, por exemplo, � um diferencial grande. (Entrevista - Professora 2)

projetos, inclusive individuais, que envolvam todas as disciplinas, que � a melhor forma de globaliza��o do ensino: a busca da interdisciplinaridade, de eles entenderem que o ensino � uma coisa s�, que a aprendizagem e o conhecimento na verdade s�o uma coisa s�. A gente ainda trabalha mais com a perspectiva interdisciplinar do que transdisciplinar. Acho que o ideal � que a gente conseguisse o transdisciplinar, mas eu acho que a gente n�o est� preparado pra fazer isso, porque a nossa cabe�a � muito disciplinar. � muito dif�cil para o professor fazer isso; n�o que seja dif�cil para o aluno, necessariamente, mas o professor tem dificuldade. (Entrevista - Professor 8)

O professor 1 entende que h� pr�ticas interdisciplinares na escola e argumenta que acredita que o trabalho feito ali vai al�m da interdisciplinaridade. Em sua fala, � poss�vel observar uma compreens�o da interdisciplinaridade pr�xima ao conceito de pluri ou multidisciplinaridade, como o “cruzamento de disciplinas”. No entanto, ao observar o projeto da “Trilha Ambiental”, por exemplo, percebem-se elementos constituintes da inter e da transdisciplinaridade, ainda que os professores 1 e 8 tenham apresentado posicionamentos diferentes sobre qual delas acontece na escola.

As professoras 2 e 8 acreditam que os projetos ainda sejam a melhor forma de realizar a interdisciplinaridade na escola, por meio dos quais os alunos participam das etapas de constru��o e de efetiva��o das pr�ticas, o que n�o � comum em escolas que n�o trabalham nessa abordagem. No entanto, chamam a aten��o para o fato de que a forma��o disciplinar do professor ainda � um limitador para que ele realize uma pr�tica interdisciplinar. Seria um equ�voco pensar na interdisciplinaridade como algo simples de se aplicar. Ao contr�rio: o professor precisa conduzir o aluno nessa forma de pensar mais complexa, o que s� � poss�vel a partir de um constante trabalho de forma��o, tanto para o professor quanto para o aluno, formados, ao longo dos anos, em pr�ticas disciplinares e fragmentadas. Ou seja, � preciso criar um processo de forma��o cont�nua na escola para que o grupo de professores possa refletir sobre os princ�pios conceituais e metodol�gicos que orientam as a��es no �mbito da interdisciplinaridade.

Sobre isso, durante o per�odo de observa��o, verificaram-se v�rios atendimentos individualizados realizados pela diretora da escola - professora 8 - com alguns docentes para orient�-los quanto � condu��o das atividades realizadas na escola. Ela foi bastante acolhedora e estava predisposta a receber esta pesquisa. Feliz em mostrar o trabalho da escola, orgulhosa pelo que j� conquistaram, mas com um olhar al�m do presente. P�de-se perceber uma grande disposi��o para a constru��o de um futuro de sucesso para a escola. Apesar de estar ali desde o in�cio, em nenhum momento demonstrou a sensa��o de “trabalho cumprido”. Em suas falas evidenciou incerteza e inquieta��o sobre o trabalho que vem sendo feito, sempre querendo aprimorar, ponderar e reformular para acertar. Demonstrou-se segura e disposta a aprender e ensinar com todos � sua volta. Ela ensina pelo exemplo e � muito bem reconhecida por seus pares. N�o tem medo de mostrar as fraquezas da escola e demonstra disposi��o para aprimorar o trabalho da institui��o. Isso pode ser observado na narrativa da professora 5:

O meu incentivo principal s�o os alunos. � ver que eles est�o aprendendo, a cada sondagem que eu dou, ver que eles foram bem, que eles conseguiram absorver o conte�do. E o principal desse objetivo � estar do lado da diretora, aprender, tentando aprender tudo que ela passa, ensinando. Porque s� quem convive com a diretora sabe o quanto isso � motivante. Ela d� for�a para a gente, o jeito que ela explica, o jeito que ela fala, a maneira de conduzir uma aula. (Entrevista - Professora 5)

Nesse sentido, verificou-se que os docentes compreendem a interdisciplinaridade como um conhecimento constru�do em redes. Eles expressam isso a partir de met�foras, entendendo-a como “teia”, “ponte” e “links”. H� uma diverg�ncia quanto � compreens�o da pr�tica interdisciplinar na escola: ora compreendida como interdisciplinar, ora como transdisciplinar, o que Fazenda (2008) tamb�m aponta como comum nas narrativas de docentes em seu estudo. Foi poss�vel observar dois elementos importantes quanto � pr�tica interdisciplinar na escola: um projeto em desenvolvimento (“Trilha Ambiental”) e o posicionamento formativo � interdisciplinaridade, liderado pela gestora da escola. Al�m disso, os docentes tamb�m apontaram como importantes para a efetiva��o de um trabalho interdisciplinar a constru��o da autonomia pelos alunos e o trabalho do professor, como discutido a seguir.

4.2.2. A Constru��o Da Autonomia e o Trabalho Do Professor

Outro eixo mencionado pelos professores nas entrevistas e observado na escola diz respeito aos processos de constru��o da autonomia e do trabalho docente para a efetiva��o das pr�ticas interdisciplinares, o que, como menciona o professor 4, n�o se faz a partir de uma f�rmula pronta:

Eu acredito que � uma pr�tica que a gente ainda n�o tem uma f�rmula pronta, a gente est� se descobrindo. Na verdade, � um trabalho di�rio. (Entrevista - Professor 4)

O caminho encontrado pela escola para realizar pr�ticas interdisciplinares foi o de planejar suas a��es pensando no processo de desenvolvimento integral dos alunos, o que envolve desenvolver a autonomia e, evidentemente, reflete no trabalho docente. O professor auxilia o aluno a ser protagonista sem deix�-lo totalmente sozinho, pois desenvolver a autonomia n�o � algo simples, � algo que deve ser constru�do. A rela��o professor-aluno e aluno-aluno acaba se destacando juntamente com os conte�dos curriculares, que saem de um lugar de exclusivo destaque na escola para caminhar ao lado de outros conte�dos igualmente importantes, como pode ser observado nas narrativas dos professores 1, 3 e 5:

A fun��o do professor � conseguir ajudar e n�o atrapalhar os alunos no desenvolvimento cognitivo e nas capacidades de cada um. Eu acredito nisso. Como educador, eu percebo que isso � fundamental pra gente dar conta das pessoas, porque s�o pessoas, n�o s�o coisas. Se voc� tem dez alunos, s�o dez opini�es diferentes. Se voc� tem cem alunos, s�o cem opini�es diferentes. (Entrevista - Professor 1)

A gente est� conseguindo fazer com o que o aluno n�o tenha medo de errar, que ele possa buscar o conhecimento livremente, e isso � muito importante. (Entrevista - Professor 3)

Ent�o, tudo isso � um aprendizado muito grande. O que eu vejo aqui que faz toda a diferen�a � que n�s todos que estamos aqui, unidos num ideal, o nosso maior prop�sito s�o as crian�as, o aprendizado das crian�as. Voc� v� cada um dando o m�ximo de si para que tudo corra bem porque o nosso objetivo s�o as crian�as, o melhor de n�s pelas crian�as. (Entrevista - Professora 5)

Um exemplo do que os professores 1, 3 e 5 mencionaram foi uma observa��o realizada na escola. Durante a aula de Matem�tica e ap�s estudar o conte�do proposto, uma aluna perguntou ao professor se poderia se dedicar a leitura de um livro, pois a Matem�tica durante tanto tempo a teria cansado. Ele disse que sim e afirmou que n�o h� porque n�o permitir, pois j� estava pr�ximo ao intervalo e os exerc�cios realmente eram cansativos. Tal liberdade nas formas de aprender e ensinar chamam a aten��o de quem est� acostumado a uma escola com hor�rios e lugares muito bem estabelecidos, na qual qualquer mudan�a de percurso � vista como desestrutura��o e encarada como um erro.

H� de se pensar em uma escola do di�logo, onde todos s�o conhecidos, n�o em sua individualidade, mas em sua unicidade. Uma escola em que cada aluno seja percebido e respeitado em sua maneira de pensar e expressar seus desejos e, neles, suas potencialidades. (Jos�, 2011, p. 92)

Os professores 2, 6, 7 e 8, por sua vez, apresentam uma reflex�o sobre a autonomia e o trabalho docente como elementos estruturantes da atividade educativa, o que muito se assemelha aos estudos de Fazenda (2006, 2008) e de Souza et al. (2020) sobre as pr�ticas interdisciplinares.

Ent�o, os professores est�o a fim mesmo de inovar, de aprender junto com as crian�as, sempre aceitando os desafios do que � ser educador. (Entrevista - Professora 2)

Porque eu vou te contar: se fosse f�cil todo mundo ia s� fazendo, porque faz 20 e tantos anos que eu escuto, que eu ou�o gente que vem aqui em semin�rio, falando e tal. (Entrevista - Professor 6)

N�o � t�o simples voc� imaginar uma escola onde os alunos t�m autonomia, onde o conte�do, ou o interesse, ou o projeto permeia tudo, sem voc� conseguir desvencilhar totalmente da aula ou totalmente de um livro. (Entrevista - Professor 7)

O que eu vejo como um diferencial principal [da escola], o que chama mais a aten��o � a “educa��o para os valores”: � o que a gente percebe que os pais buscam e que os alunos que j� sa�ram tamb�m, � o que eles fazem refer�ncia � escola. O aluno tem uma import�ncia central no processo pedag�gico. E a import�ncia dele n�o � s� no ensino intelectual, mas tamb�m como uma pessoa que tem sentimentos, emo��es, que tem necessidades f�sicas, que pensa tamb�m. (Entrevista - Professor 8)

O movimento de organizar o curr�culo de outras formas, privilegiando o desenvolvimento da autonomia, se configura um movimento “vivo”, no sentido de se questionar qual sociedade buscam construir, quais saberes devem ser priorizados e qual mundo buscam para si e para todos.

No ano de 2013 a escola adotou o trabalho com os N�cleos de Autonomia, como disposto no Projeto Pol�tico-Pedag�gico. Os alunos s�o divididos de acordo com o grau de autonomia e aprendizagem que apresentam. Quando ingressam na escola, independentemente de sua idade, todos est�o no n�vel Inicia��o. Conforme v�o demonstrando sua capacidade, v�o sendo direcionados aos demais grupos. O Quadro 1 apresenta a descri��o do que caracteriza cada um dos N�cleos de Autonomia:


Quadro 1:
N�cleos de Autonomia
Projeto Pol�tico-Pedag�gico da escola

Essa metodologia foi adotada pela escola, pois os professores perceberam que ela tinha sua pr�pria forma de agir e de ensinar a autonomia. Nos momentos observados no espa�o escolar, incluindo os intervalos e a hora do lanche coletivo, percebeu-se que os docentes buscam se relacionar de igual para igual com os alunos mais velhos, que j� apresentam uma maior autonomia nas atividades, como � o caso dos alunos dos anos finais do Ensino Fundamental.

J� nos anos iniciais, foram observadas algumas resist�ncias por parte de alguns alunos que haviam acabado de chegar na escola, surgindo a necessidade de os professores ficarem reafirmando os objetivos e ideais da escola. Os professores entendem que os alunos que s�o transferidos, ao longo do Ensino Fundamental, de outras escolas que n�o possibilitam experi�ncias com a autonomia, precisam de interven��es constantes para aprender a aprender nesta proposta. Durante a observa��o p�de-se ouvir alguns professores dizendo: “Olha, voc�s n�o entenderam ainda que aqui n�s trabalhamos em equipe, que todos n�s respeitamos e ajudamos o outro? Cad� o respeito?”.

Essa experi�ncia � desenvolvida com os alunos na realiza��o de projetos entre diferentes disciplinas. Eles aprendem a construir seu pr�prio plano de estudos, elaborado quinzenalmente, a partir de uma planilha organizada pelos professores, com prazos, mas os alunos possuem a liberdade de permanecer mais tempo em cada conte�do, dependendo do seu grau de dificuldade.

Al�m da condu��o das aulas e dos projetos com os alunos, os professores desempenham o papel de tutoria nos anos finais do Ensino Fundamental. Cada professor � respons�vel por acompanhar um grupo de alunos, individualmente, e ajud�-los na organiza��o dos estudos, no direcionamento das atividades dos projetos e na rela��o com as fam�lias. Esta atividade permite que o docente possua uma vis�o mais ampliada do curr�culo da escola e da organiza��o do trabalho pedag�gico, uma vez que, acompanhando o desenvolvimento dos alunos, consegue olhar “para al�m de sua disciplina”. Al�m disso, permite que o docente tamb�m amplie sua vis�o sobre o desenvolvimento do aluno, para al�m do que ele poderia acompanhar em uma din�mica de escola em que o feedback fosse apenas em rela��o �s suas aulas.

Este modo de organizar o trabalho do professor permite uma apropria��o pedag�gica da interdisciplinaridade, ou seja, o professor desenvolve uma atitude de abertura para o outro - para o aluno e para outros professores - por meio do confronto entre diferentes vis�es de mundo, pontos de vista, ritmos de aprendizagem e procedimentos de trabalho. � nesta a��o que o docente tem a oportunidade de exercitar a escuta e a espera e de promover este exerc�cio em seus alunos. Este movimento pode ser observado nas narrativas dos professores 1, 3 e 8:

Como a gente trabalha de uma maneira totalmente diferente, eu fico dispon�vel para trabalhar junto com os alunos nos projetos que eles est�o desenvolvendo. (Entrevista - Professor 1)

Eu sou um “tirador” de d�vidas, de tudo, de todas as disciplinas. Quando a gente n�o sabe, estuda junto com o aluno, e quando ele tem d�vida, ele consulta o especialista. (Entrevista - Professor 3)

O trabalho com tutoria � muito exigente. O tutor � aquele que acompanha o dia a dia do aluno, v� se ele est� correspondendo, se ele est� estudando mesmo, se ele est� aprendendo, o que faz a rela��o com a fam�lia tamb�m. Ele acompanha o aluno. Eu acho que a proximidade com o aluno � muito grande e fica muito claro para o aluno que o professor � algu�m que tamb�m est� aprendendo. Acho que isso � o maior ganho; � buscar uma educa��o que fa�a mais sentido. (Entrevista - Professor 8)

Observa-se um discurso dos professores apontando que eles est�o dispon�veis para trabalhar junto com os alunos, tirar d�vidas e pesquisar de forma colaborativa e pr�xima. Durante a observa��o realizada na escola, verificou-se um grande movimento de alunos trabalhando em duplas, trios e/ou pequenos grupos no p�tio interno, nos corredores e na sala dos professores, que ora eram assistidos de perto por diferentes professores, ora se deslocavam para alguma sala para perguntar algo para algum docente, movimento que aconteceu, inclusive, aquando da realiza��o de uma das entrevistas.

Observou-se que o trabalho com projetos permite uma maior autonomia do aluno e o professor assume o papel de trabalhar junto dele, orientando e conduzindo as d�vidas, muito mais do que mostrando respostas prontas. Em uma proposta interdisciplinar, como salienta Fazenda (2014), o processo de ensino precisa estar orientado muito mais para as perguntas do que para as respostas, para o trabalho em parceria e de abertura ao outro. Essa metodologia do trabalho docente exige muito mais dedica��o e estudo por parte do professor, que precisa se desprender de cren�as acerca de sua profiss�o, como sejam: (a) o professor deve saber muito mais do que o aluno; (b) o professor deve estar pronto para esclarecer qualquer quest�o sem titubear; (c) o professor n�o pode errar, pois ele � a fonte inesgot�vel de saber; e (d) sem o professor o aluno n�o consegue caminhar.

Nas falas dos professores entrevistados percebemos que, ao se optar pelo trabalho interdisciplinar, � preciso exercer a categoria da humildade, proposta por Fazenda (2007), em que o professor reconhece que seu saber � limitado, o que n�o � ruim, pelo contr�rio: potencializa oportunidades de o professor continuar se desenvolvendo em sua profiss�o e aprendendo de forma colaborativa com o grupo de alunos. Ao mesmo tempo, quando esse posicionamento � evidenciado ao aluno, ele tamb�m se sente confort�vel em perguntar, sem medo de mostrar que n�o sabe.

� uma ideologia mesmo e a busca por uma escola diferente, que talvez nem seja isso que a gente esteja fazendo no momento. Alguma coisa um pouco mais avan�ada, com mais liberdade dos alunos, maior autonomia por parte dos alunos e bastante participa��o dos pais, tamb�m. Uma escola mais interativa. Talvez quem esteja aqui agora esteja buscando essa escola ideal. (Entrevista - Professor 7)

Ent�o, eu acho que quando voc� parte do pressuposto de que voc� quer formar um ser humano, voc� come�a a perceber que educa��o compartimentada n�o forma ser humano, ela forma mercado de trabalho. E a�, com certeza, voc� sai dessa coisa compartimentada e come�a a buscar alternativas, e uma das alternativas � trabalhar as disciplinas, seja inter ou transdisciplinar. Penso que seria isso, a postura mesmo do que voc� quer com educa��o. Se voc� quer uma educa��o para o mercado, para fazer o vestibular. Ou se voc� quer uma educa��o que crie seres humanos �ntegros e felizes. Independentemente, se ele vai ser gari ou o pr�mio Nobel de alguma coisa, que ele seja pleno, que tenha consci�ncia. (Entrevista - Professor 1)

Os segmentos da fala do professor 7 demonstram um olhar cr�tico sobre a sua realidade. Ele acredita que o que move os professores nesta escola � de fato uma ideologia, uma busca por algo diferente, e que talvez ainda n�o tenham encontrado a f�rmula perfeita, mas est�o caminhando. Nesse sentido, estas quest�es se aproximam da afirma��o de que as pr�ticas interdisciplinares n�o s�o receitas fechadas, mas s�o pr�ticas em constru��o, que est�o em processo e, por isso, carregam consigo a dimens�o da incerteza.

O professor 1, por sua vez, acredita em um ensino voltado para a �tica, considerando que o aluno � uma pessoa em forma��o e que necessita de situa��es educativas que possibilitem o seu desenvolvimento integral.

Estas narrativas, assim como a observa��o da escola, demonstraram a exist�ncia de um trabalho intenso, por parte da escola, na busca por uma valoriza��o da rela��o entre professor e aluno, juntamente com a rela��o de ambos com o conhecimento. As falas dos professores demonstraram a import�ncia do entendimento da unicidade do aluno e do trabalho minucioso do professor enquanto profissional respons�vel por conhecer e ajud�-lo em seu processo de busca pelo conhecimento. Nesse sentido, a constru��o de uma autonomia gradativa, levando em conta o momento de transi��o do entendimento dos conhecimentos isolados para o entendimento do conhecimento de forma interdisciplinar permite uma complexa articula��o na constru��o de redes de saber.

5. Considera��es Finais

A pr�tica pedag�gica interdisciplinar � um exerc�cio e uma viv�ncia pr�prios da escola, de alunos e de professores. O estudo aqui apresentado procurou identificar esse exerc�cio em uma escola de Ensino Fundamental que tem uma proposta de curr�culo orientado a projetos.

Partiu-se de uma pesquisa ampla, utilizando-se entrevistas, observa��o e an�lise do Projeto Pol�tico-Pedag�gico da escola, centrada na tem�tica da interdisciplinaridade e de como os professores percebem esse tema em suas pr�ticas. As an�lises mostraram que as rela��es entre interdisciplinaridade e pr�ticas pedag�gicas s�o constru�das pelos professores considerando os eixos tem�ticos: (i) a interdisciplinaridade e o conhecimento em redes; e (ii) a constru��o da autonomia e o trabalho do professor.

Fazenda (2008) e Salvador (2006). Ainda neste eixo, os professores revelam a necessidade de explicar o que fazem � comunidade, questionados e questionando-se sobre o “porqu�” da organiza��o curricular e das pr�ticas, atitude t�pica de uma proposta interdisciplinar.O primeiro eixo explicita uma percep��o dos professores alinhada com as ideias de constru��o de pontes ou links entre diversos conhecimentos, conforme propostas de

Arroyo, 2011; Sacrist�n, 2000). Ao mesmo tempo, associa as quest�es de interdisciplinaridade a uma das finalidades fundamentais da escola - a constru��o da autonomia. Trata-se, assim, de uma pr�tica que nega os aspectos de submiss�o e de desumaniza��o na escola e que, ao contr�rio, se orienta para a autonomia e para a avalia��o cr�tica, e que seja aberta � atividade investigativa.O segundo eixo, o das rela��es aluno-professor, desloca a perspectiva do conhecimento (primeiro eixo) para a rela��o: � a busca de uma transforma��o das rela��es de poder tradicionais na escola: do professor que domina o conhecimento e o transmite ao aluno para um professor mediador do conhecimento e consciente da fun��o social da escola (

Analisando as falas dos professores, o Projeto Pol�tico-Pedag�gico e os dados da observa��o participante, observamos que a interdisciplinaridade, para os professores, est� intimamente relacionada ao aluno e �s formas de se aprender e ensinar na escola. Quando se fala em interdisciplinaridade, os professores a relacionam com palavras como ‘sentido’ e ‘autonomia’, centralizando-as na palavra ‘aluno’, colocando-o como objetivo principal da escola. Nesse sentido, parece-nos que o trabalho interdisciplinar est� diretamente ligado ao aluno e para o aluno e promove uma compreens�o mais ampliada do conhecimento e dos processos educativos. Essa compreens�o reverbera, inevitavelmente, sobre como o docente compreende seu papel e sua pr�tica.

Em uma perspectiva interdisciplinar, o professor n�o � o detentor do conhecimento. Ele tamb�m aprende com os alunos. Por isso, o professor precisa estar dispon�vel para trabalhar junto com o aluno, ajudando a desenvolver sua autonomia por meio de projetos de pesquisa. Nesse sentido, foi poss�vel compreender que a rela��o entre interdisciplinaridade e pr�ticas pedag�gicas encontra repercuss�o em um movimento de constante constru��o, traduzido pela palavra ‘busca’: busca por uma escola diferente; busca por uma escola ideal; permitir que os alunos busquem o conhecimento livremente; busca da autonomia dos alunos; busca de respeito �s diferen�as; busca por interdisciplinaridade.

O que percebemos de mais significativo e que se mostrou evidente nas falas dos docentes, nas pr�ticas observadas e nos documentos disponibilizados pela escola � uma cren�a imensur�vel na mudan�a da educa��o e em como essa mudan�a pode interferir na melhoria do mundo. E, em meio a isso, a proposta de interdisciplinaridade desta escola vem se mostrando a esses profissionais como uma sa�da, ainda em constru��o, para reorganizar suas pr�ticas, para construir uma nova escola, para formar alunos a partir de uma perspectiva integral e para contribuir com uma mudan�a no mundo.

Quais são os desafios da interdisciplinaridade?

Os desafios da interdisciplinaridade se fazem notar quando o ensino volta com uma proposição de novos objetivos, de uma nova pedagogia. Para que isso se efetive é necessária a eliminação das barreiras entre as disciplinas, mas também entre as pessoas.

Quais são os principais obstáculos para a efetivação da interdisciplinaridade na escola?

Dentre os obstáculos a serem vencidos para a implantação da interdisciplinaridade nas salas de aula podemos destacar a formação muito específica dos docentes, que não são preparados nas universidades para trabalhar de modo interdisciplinar, a distância entre as linguagens, perspectivas e métodos das disciplinas de ...

Quais são os desafios dificuldades problemas para que a interdisciplinaridade não seja ainda uma prática concreta nas escolas?

Os autores observaram que os maiores problemas do trabalho interdisciplinar na escola são: a falta de tempo para planejamento coletivo, as dificuldades em compatibilizar os horários dos docentes para esse planejamento e a diversidade de formação dos professores.

Quais os problemas que podemos encontrar no desenvolvimento de projetos interdisciplinares?

Os 5 erros comuns na criação de um projeto interdisciplinar.
1) Falta de Planejamento: o pior dos erros. ... .
2) Não saber trabalhar com a interdisciplinaridade. ... .
3) Não saber abordar conteúdo pedagógico e social em um mesmo projeto. ... .
4) Não saber avaliar o projeto. ... .
5) Não ter a interação do aluno no projeto..

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