Quanto à eficácia espacial da lei penal a luz do princípio da territorialidade?

Resumo:   A legislação penal brasileira em muito avançou nas últimas décadas. Persistem, porém, dificuldades de aplicação da mesma em cenário internacional, justificadas pela complexa tarefa de identificação dos elementos por ela tuteláveis. A litigância ora excessiva ora negligente evoca os princípios de territorialidade e de extraterritorialidade da lei penal brasileira, cuja análise se faz imperativa a fim de compreender os desafios para a eficácia da sentença estrangeira. Outra questão a ser endereçada para positivar a definição de alternativas convenientes para a problemática éa possível inconstitucionalidade de alguns tratados e convenções ratificados pelo Estado, como o Tratado de Roma, por exemplo. 

Palavras-chave: Direito Penal Internacional; Territorialidade; Extraterritorialidade.

Abstract: Brazilian criminal law has presented noticeable improvements in the last decades. However, some difficulties regarding its applicability in the internacional scenario remain, due to the complex task of identifying the suitable elements for legally protection. The litigation, sometimes excessive sometimes negligent, raises the principles of territoriality and extraterritoriality upon discussion, whose analysis is imperative in order to understand the challenges concerning the effectiveness of foreign sentences. Furthermore, the possible unconstitutionality of some treaties and conventions signed by Brazilian State is another issue to be addressed, such as the Treaty of Rome, for example. 

Keywords: International Criminal Law; Territoriality; Extraterritoriality.

Résumé: Le Droit pénal brésilien a beaucoup amélioréau cours des dernières décennies. Cependant, il reste encore des difficultés en lui appliquant au contexte international, justifiés par la complexitéde la tâche didentifier les éléments qui peuvent être par elle légalement protégés. Le litige parfois négligeant, parfois excessif évoque les principes de territorialitéet de extraterritorialitéde la loi pénale brésilienne, dont l'analyse est impératif pour comprendre les défis à l'efficacitédes sentences étrangères. En outre, l’éventuelle inconstitutionnalitéde certains traités et conventions ratifiés par l’État brésilien cest une question tellement importante pour aider la définition de solutions pratiques au problème posé, comme le Traitéde Rome, par exemple.  

Mots-clés: Droit pénal international; Territorialité; Extraterritorialité.

 

1. Metodologia 

            A fim de atingir os objetivos esperados, utilizou-se o método de revisão bibliográfica, analisando textos, artigos e quaisquer outros meios científicos relacionados com o tema. Através de uma leitura minuciosa, definiu-se a bibliografia a ser efetivamente utilizada, que culminou no apanhado referencial acadêmico informado ao final deste trabalho.   

2 . Introdução 

            Um dos elementos basilares no estudo da Teoria Geral do Estado éa compreensão da soberania estatal, manifesta interna e externamente entre os Estados, que não exercem qualquer relação de subserviência entre si (AMORIM, 2001, p. 133). No exercício pleno daquela, restringe-se, num primeiro momento, a jurisdição de um Estado a seus limites territoriais, fato que dialoga com outro fundamento do Direito Internacional Público  de que o Estado soberano tem jurisdição geral e exclusiva. A generalidade do poder jurisdicional diz respeito àpluralidade de competências exercidas pelo Estado em seu limite territorial, de caráter legislativo, administrativo e jurídico. A exclusividade garante, por sua vez, que, o Estado não enfrentaráconcorrência ao gozar de suas prerrogativas jurisdicionais (REZEK, 1998, p. 161). 

            Não obstante, por vezes temáticas são afetas àordem jurídica de vários países e, quando violadas, demandam uma repressão conjunta e eficaz a fim de mitigar o problema, garantindo que as medidas alcancem os fatos ocorridos fora dos limites territoriais da jurisdição estatal.  Especificadamente no que se refere a criminalidade transnacional, a coexistência harmoniosa dos Estados soberanos faz-se primordial para punir as condutas que atentem contra a ordem jurídica dos países. Os limites territoriais internacionais são delimitados, prioritariamente, através das normas internas e dos tratados internacionais dos quais os países sejam signatários (GARCIA, 2007, p. 64-65). Acerca dos tratados, Vera Martia Barrera Jatahy compreende: forma poderosa de manifestação do incessante esforço dos Estados soberanos no sentido de adequar o direito ao movimento de integração político-econômica da sociedade internacional globalizada(JATAHY, 2003, p. 21). 

            As  normas aplicáveis aos delitos que afetem a ordem jurídica de mais de um Estado compõem o direito penal internacional, que deve ter sua diferença em relação ao direito internacional penal claramente demarcada. Aquele disciplina o âmbito interno do direito, versado acerca da competência externa dos juízes do país, por exemplo. Segundo JoséFrederido Marques, trata-se do "conjunto de regras relativas àdesignação da lei penal aplicável no espaço, quando háelemento estrangeiro, tratando-se, pois, de direito para a aplicação do direito, ou superdireito’”. (MARQUES, 2000, p. 87). 

        O direito internacional penal, por sua vez, integra o direito internacional público, atento aos crimes internacionais, sumariamente, conceito magistralmente explicado por Valério de Oliveira Mazzuoli:

O direito penal internacional éo ramo do direito interno (direito penal) relativo às relações com os ordenamentos jurídicos estrangeiros e com a jurisdição estrangeira, competente para determinar a competência dos órgãos internos para a repressão de delitos na órbita internacional, em oposição ao chamado direito internacional penal, no qual a precedência do adjetivo ‘internacional’induz tratar-se de um ramo do direito internacional concernente àtipificação internacional de delitos por meios de tratados, ao estabelecimento de cortes penais internacionais e àconseqüente responsabilidade penal dos indivíduos frente ao Direito Internacional Público. (MAZZUOLI, 2005, p. 19)

            Entende-se. portanto, a partir do exposto acima, que o alcance da jurisdição penal brasileira énecessariamente atrelado àprópria extensão espacial das leis penais.  

3. Os princípios do direito penal internacional 

            A fim de definir os limites territoriais da jurisdição, o direito penal internacional vale-se de cinco princípios consagrados pela doutrina e aceitos majoritariamente pelos ordenamentos alienígenas, (GARCIA, 2007, p. 67-68), a saber: (a) princípio da territorialidade, (b) princípio da personalidade[1], (c) princípio da proteção jurídica necessária[2], (d) princípio da universalidade[3], (e) princípio da representação[4].  

            Analisemos mais minuciosamente o princípio da territorialidade.  

3.1 Princípio da Territorialidade  

            Édireito nato do Estado soberano o exercício da punição dos infratores penais dentro dos limites de seu território, fundamentado, segundo Cezar Roberto Bittencourt, justamente pela soberania política do Estado (BITENCOURT, 2006, p. 224)Postulado básico tanto do direito internacional penal quanto do direito penal internacional, éa formalização do entendimento de que o direito punitivo émelhor conduzido pelos órgãos jurisdicionais da área que teve sua ordem perturbada. Na seara do princípio de territorialidade, faz-se imperioso reconhecer que a nacionalidade do agente, da vítima e do titular do bem jurídico lesado são irrelevantes (JESUS, 1998, p. 120). 

4. A questão territorial 

4.1 A territorialidade e o Código Penal brasileiro 

            A multiplicidade de ordenamentos jurídicos existentes não permite com que a problemática da aplicação da lei penal no espaço seja analisada a partir de uma perspectiva, exclusivamente, tampouco de um único princípio do direito penal internacional. Ao contrário, vigora nos diversos códigos penais vigentes um complexo conjunto de regras e normas que, ancorados pelo princípio de territorialidade e complementados pelos demais princípio supracitados, buscam regulamentar os limites jurisdicionais em sua área de atuação. 

            O Código Penal pátrio consagra a hegemonia do princípio da territorialidade através do artigo 5o[5] . Contudo, a lei penal brasileira pode deixar de ser aplicada em casos específicos de convenções, tratados ou acordos ratificados pelo Governo Brasileiro, ensejando-se, assim, a extraterritorialidade na aplicação da lei penal no espaço (GARCIA, 2007, p. 77). Uma vez identificada, a justiça brasileira éconsiderada incompetente para apreciar o caso (MARQUES, 2000, p. 128). 

            Entre os desdobramentos advindos do estabelecimento de normas para o direito internacional público, reguladas a partir das Convenções de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961 e pela Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1967, destaca-se as imunidades diplomáticas como perfeito exemplo da extraterritorialidade da lei penal brasileira (GARCIA, 2007, p. 78). Desde esses encontros, definiu-se uma exceção àregra geral de que todas as pessoas presentes no território nacional submetem-se àsua jurisdição, isentando os chefes de Estado e o copo diplomático de tal, garantindo-lhes inviolabilidade pessoal e de habitação (MARQUES, 2000, p. 128). 

            Por deterem garantias diferenciadas em razão das funções que desempenha, os chefes de Estado e os membros do corpo diplomático também não podem ser constrangidos a prestar testemunho em qualquer tribunal do país em que estiverem (ACCIOLY, 1953, p. 251). Além disso, as embaixadas e demais sedes diplomáticas[6], ainda que sabidamente não compreendidas como extensão de território estrangeiro, revestem-se de inviolabilidade para proteger os agentes que nela atuam, ainda que não estejam no exercício de suas incumbências. Os locais consulares, em contrapartida, por sediarem  atividades administrativas, reservam sua inviolabilidade apenas durante sua utilização funcional por parte dos agentes que látrabalham.  

            Apesar de grande parte da doutrina endossar essa prática, ela écriticada por grandes nomes do direito internacional público, consoante ao pensamento de Rezek (1998) segundo o qual uma norma internacional assecuratória de imunidade afronta a lei fundamental da Constituição do Brasil de prestação jurisdicional. Ele argumenta:  

Quando o constituinte brasileiro promete a todos a tutela judiciária, ele o faz na presunção de que a parte demandada, o réu, o causador da lesão que se pretende ver reparada, seja um jurisdicionado, vale dizer, alguém sujeito àação do Judiciário local. O constituinte brasileiro não tem autoridade para fazer promessas àcusta de soberanias estrangeiras. Numa palavra: regras sobre a sensível, eminente e igualitária relação entre soberanias sóse produzem no plano internacional, e mediante o consentimento das partes. Tais regras não podem ser ditadas unilateralmente por uma Constituinte nacional. (REZEK, 1998, p. 174-175)

            Não entrando no mérito da declaração, Noronha rebate que não se trata evidentemente de privilégio àpessoa física do representante estrangeiro, mas de acatamento àsoberania da nação que ele representa(REZEK, 1998, p. 175-175),o que invalidaria a clamada ofensa ao princípio constitucional de igualdade[7]. Assim, acompanhamos a doutrina majoritária, no entendimento de que a isenção de jurisdição éconferida aos agentes diplomáticos e chefes de Estado estrangeiro em virtude do cargo que desempenham e da relevância de suas atribuições para seu país de origem e para a comunidade internacional.  

            A título explicativo, a imunidade de jurisdição recai sobre os diplomatas de carreira (do embaixador ao terceiro secretário), sobre os agentes técnico-administrativos, como tradutores e contabilistas, provenientes do Estado e não recrutados no local (REZEK, 1998, p. 168)estendendo-se ainda à família de cada agente, contanto que vivam em sua dependência e estejam devidamente incluídos na lista diplomática[8].Isentos também da jurisdição penal do país são os agentes ou representantes dos Estados em organismos internacionais determinados, a saber: Organização das Nações Unidas - ONU; Organização dos Estados Americanos - OEA, etc[9].

            Pormenorizada a problemática da extraterritorialidade, discutamos agora a ultraterritorialidade, também admitida no Código Penal brasileira. Enquanto aquela limita o direito de punir do Estado em seu próprio território, esta amplia-no, diferença pontuada com maestria por JoséFrederico Marques (2000):a ultraterritoriedade éuma exceção ànorma de que o Estado somente pode punir os crimes havidos em seu território; a extraterritorialidade, uma exceção ao preceito de que o Estado pode punir todos os crimes praticados em seu território. 

            Analisados os aspectos anteriormente discutidos neste trabalho, entende-se, consoante àdoutrina majoritária, que o Código Penal brasileiro adota uma territorialidade flexibilizada do princípio fundamental da territorialidade pela extraterritorialidade e pela ultraterritorialidade, pelas razões supracitadas. 

4.2 Território por extensão na aplicação da lei penal no espaço 

            O estudo preciso da eficácia da lei penal no espaço exige que se adote a concepção jurídica de território nacional, muito mais abrangente do que a definição do termo em sentido estrito. No entendimento jurídico, o território nacional estende-se para as embarcações e aeronaves, principalmente, conforme claramente exposto no artigo 5°do Código Penal: 

Consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar.

            Além disso, estáprevisto que a lei brasileira se aplica também: 

Aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil.

            Analisando-se o artigo acima transcrito, fica evidente que o respeito àsoberania estatal étamanho que, se o comandante ou o responsável por uma embarcação pública se recusar a entregar algum criminoso às autoridades locais, estas não poderão intervir, exceto valendo-se da extradição (GARCIA, 2007, p. 94).  Principalmente por estarem a serviço do Estado ou por pertencerem ao próprio Estado, as embarcações  de natureza pública representam por si sóa autoridade e a soberania do seu país, o que da razão ao fato de que, não importando onde estejam,  sempre estarão submetidas unicamente ao império do Estado a que pertencem (ACCIOLY, 1953, p. 233). 

            Quanto a embarcações e aeronaves particulares, o código claramente diz que estas não possuem representatividade alguma da soberania do seu país de registro ou bandeira, portanto não são extensão territorial do seu Estado (ACCIOLY, 1953, p. 233). Dessa forma, embarcações ou aeronaves que estiverem em domínio estrangeiro serão sujeitas àjurisdição do Estado em cujo território se encontram; e quando em alto-mar, estarão sob a lei penal do país de sua bandeira. Fala-se aqui do princípio do pavilhão ou da bandeira, que estende, em uma ficção, o território do Estado em embarcações particulares (DEMO, 2005, p. 92). Éimportante, contudo, frisar que a prática internacional gerou um modus vivendi (MARQUES, 2007, p. 120), que acabou sendo positivado posteriormente no artigo 27 da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982: mesmo no cenário de uma embarcação privada em território marítimo estrangeiro, a autoridade local poderá conhecer os crimes ali cometidos somente quando cumprir certos requisitos expressos no artigo. De outra forma, a princípio, o Estado costeiro não tem total liberdade de tomar medidas a bordo de uma embarcação privada estrangeira em seu mar territorial.  

4.3 Ultraterritorialidade da lei penal 

            Temática jábastante explorada ao longo deste trabalho, sabe-se que a a limitação territorial éum aspecto de suma importância para jurisdição, principalmente ao resguarda a soberania dos Estados definindo como impedimento primordial que se exerça poder coercitivo sobre o território estrangeiro (MARQUES, 2007, p. 134).Entretanto, um Estado ainda pode, desde que estando sobre as suas demarcas territoriais, aplicar sua jurisdição penal aos delitos cometidos no estrangeiro, a menos que previamente proibido por algum regimento do direito internacional. 

            RenéGarraud (1926) esclarece que ainda que a lei penal seja elaborada para os limites de seu território enquanto área de execução, ela pode atingir ainda as infrações perpetradas em território estrangeiro, possibilidade que se depreende da própria interpretação conferida ao princípio da soberania dos Estados. Partindo-se da premissa de que todo Estado ésoberano, uma vez que tenha interesse em punir, nos seus limites territoriais conduta não ali executada com o objetivo de salvaguardar a ordem pública de sua nação, é-lhe permitido e encorajado fazê-lo. 

            Tal prática éna legislação penal brasileira denominada de ultraterritorialidade, atualmente regrada pelo artigo 7o do Código Penal. Nesses casos, não éo princípio da territorialidade que torna o delito transnacionalmente praticado passível de punição nacional, mas os outros que igualmente direcionam o direito penal internacional, a saber: princípio real, da nacionalidade, da justiça penal universal e da representação (MARQUES, 2007, p. 135), jácitados anteriormente nesta obra.  

5. Concorrência de jurisdições 

            Identifica-se no direito penal internacional embate ou concorrência de jurisdições quando, considerado o princípio de soberania dos Estados, os interesses, colocados num plano comparativo, se chocam, uma vez que a matéria inserida no seio da sociedade internacional reúne elementos litigiosos e portanto vinculantes a mais de um sistema jurídico potencialmente apto para julgá-la (JATAHY, 2003, p. 9). 

            No direito penal internacional, as diferentes jurisdições que eventualmente se interessarem na punição de uma mesma conduta ilícita recebem, ao contrário do que acontece no direito internacional privado, tratamento diferenciado. Para este, apenas um país pode exercer sua jurisdição sobre o fato, excluido-se os demais do exercício punitivo; para aquele, entretanto, háníveis diferentes de poder punitivo, exercendo-o um Estado primordial e os outros subsidiariamente. Pontes de Miranda(2000) assim classifica essa diferenciação das searas pública e privada:  

Num sóplano discriminam-se as competências legislativas de direito privado, exclusivas umas das outras e insuperponíveis. As de direito penal escalam-se, são degraus, a umas se desce quando a anterior falhou.

            Logo, épossível dizer que não háum conflito de jurisdições, mas uma concorrência, com prioridades distintas, sem exclusão de quaisquer dos interessados no poder punitivo, conforme as regras e princípios vigentes no direito penal internacional, que apontarão qual país, frente a um embate pelo desempenho da jurisdição nacional, teráprioridade na aplicação da lei, além das consequências da primeira sentença a ser proferida - isto é, pelo Estado que tiver prioridade na aplicação da lei - para a segunda.  

            No impasse acima descrito, distinguem-se dois elementos: a jurisdição principal ou preponderante, a ser exercida de maneira independente, sem considerar eventual sentença anterior; a jurisdição secundária ou subsidiária, pode ser desempenhada respeitando-se a decisão do país que detém a jurisdição principal, ou de forma autônoma, caso este tenha sido omisso (MARQUES, 2007, p. 153). 

6. Aplicação da lei processual penal brasileira no espaço 

            Ao julgar e deliberar sobre uma conduta ilícita, o magistrado deve imperiosamente aplicar o processo penal brasileiro, em que vigora o princípio territorial exclusivo ou absoluto, implicando na imposição, via de regra, da lex fiori[10]aos processos e julgamentos realizados em território nacional, inclusive nas hipóteses de ultraterritorialidade da lei penal (GARCIA, 2007, p. 168).Antônio Cintra esclarece ainda mais nosso entendimento, explicando: 

O juiz de um Estado soluciona as pretensões punitivas exclusivamente de acordo com a norma penal pátria; ou, em outras palavras, a jurisdição penal tem limites que correspondem precisamente aos de aplicação da própria norma penal material. (TOURINHO FILHO, 2003, p. 136).

            Valendo-se os órgãos jurisdicionais do Processo Penal na resolução de suas lides e tendo em vista que integram a parte jurídica do Poder Soberano, não podem exercer seu poder punitivo além de sua soberania (TOURINHO FILHO, 2003, p. 136).As exceções, descritas por Ernst Beling, compreendem (a) um território nullius[11], (b) situação em que háconsentimento por parte do país onde o ato processual seráperpetrado e (c) territórios em situação de guerra (BELING, 1945, p. 12).  

        Ao determinar se houve ou não incidência de regras processuais penais brasileiras, não se reflete acerca da nacionalidade do infrator, vítima ou bem jurídico lesado, tampouco acerca da área em que o crime for cometido (território nacional ou estrangeiro) e se o ato ilícito éde menor potencial ofensivo ou atentatório àcomunidade internacional. Analisa-se, somente, se a lei penal pátria seráaplicada.  

            Éfundamental lembrar-se de que nem toda controvérsia penal seráresolvida por dispositivos populares do Código de Processo Penal. Sobre o TEMAS,  Fernando da Costa Tourinho observa: 

O Processo Penal, forma compositiva de litígios penais, continua sendo disciplinado pelas normas estabelecidas no Código de Processo Penal, que éa principal fonte de nosso direito processual penal. Ao seu lado, contudo, complementando-o, háessas leis extravagantes, alterando, modificando ou dispondo de maneira especial a respeito do processo e julgamento. (TOURINHO FILHO, 2003, p. 156). 

7. O Estatuto de Roma e suas aparentes conflitos com a Constituição Federal do Brasil 

            O Estatuto de Roma, que estabelece o Tribunal Penal Internacional, foi aprovado em julho de 1998 pela Conferência Diplomática dos Plenipotenciários promovida, em Roma. O grande objetivo de tal estatuto éclaro: promover a investigação, julgamento e punição de indivíduos acusados de cometerem os chamados crimes graves contra a humanidade que sejam de competência do Tribunal Internacional; sendo todo esse trabalho guiado pelo objetivo maior do mesmo tribunal: a proteção dos Direitos Humanos (PRIZON, 2008, p. 51-52).   

            Épreciso entendê-lo, como bem explicitado jáanteriormente e ressaltado por Andréde Carvalho Ramos (259), como um instrumento legal que transcende um mero apanhado de regras materiais e processuais relativos àCorte Internacional Criminal, havendo, de fato, uma preocupação legítima em salvaguardar os direitos inalienáveis do homem, garantindo proteção, sobretudo, às vítimas dos crimes considerados de maior gravidade na história da humanidade, buscando ainda evitar que as atrocidades perpetradas no passado sucedam-se novamente. Essas características podem ser evidenciadas jáno preâmbulo do Estatuto, transcrito a seguir: 

Os Estados Partes no presente Estatuto.

        Conscientes de que todos os povos estão unidos por laços comuns e de que suas culturas foram construídas sobre uma herança que partilham, e preocupados com o fato deste delicado mosaico poder vir a quebrar-se a qualquer instante; Tendo presente que, no decurso deste século, milhões de crianças, homens e mulheres têm sido vítimas de atrocidades inimagináveis que chocam profundamente a consciência da humanidade; Reconhecendo que crimes de uma tal gravidade constituem uma ameaça à paz, à segurança e ao bem-estar da humanidade; Afirmando que os crimes de maior gravidade, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto, não devem ficar impunes e que a sua repressão deve ser efetivamente assegurada através da adoção de medidas em nível nacional e do reforço da cooperação internacional; Decididos a por fim à impunidade dos autores desses crimes e a contribuir assim para a prevenção de tais crimes; Relembrando que é dever de cada Estado exercer a respectiva jurisdição penal sobre os responsáveis por crimes internacionais; Reafirmando os Objetivos e Princípios consignados na Carta das Nações Unidas e, em particular, que todos os Estados se devem abster de recorrer à ameaça ou ao uso da força, contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado, ou de atuar por qualquer outra forma incompatível com os Objetivos das Nações Unidas; Salientando, a este propósito, que nada no presente Estatuto deverá ser entendido como autorizando qualquer Estado Parte a intervir em um conflito armado ou nos assuntos internos de qualquer Estado; Determinados em perseguir este objetivo e no interesse das gerações presentes e vindouras, a criar um Tribunal Penal Internacional com caráter permanente e independente, no âmbito do sistema das Nações Unidas, e com jurisdição sobre os crimes de maior gravidade que afetem a comunidade internacional no seu conjunto; Sublinhando que o Tribunal Penal Internacional, criado pelo presente Estatuto, será complementar às jurisdições penais nacionais; Decididos a garantir o respeito duradouro pela efetivação da justiça internacional. (referenciar o preambulo do estatuto)

            Quanto àcompetência do tribunal, ele funciona com jurisdição sob os Estados signatários do estatuto e com atribuição de responsabilidade penal internacional individual. De fato, existe aqui uma relação de complementariedade entre a jurisdição do tribunal e a dos Estados; e também existe uma lista determinada de crimes que são de competência do tribunal (PRIZON, 2008, p. 85).  

            O Brasil participou, dentre muitos outros países, da elaboração efetiva do Estatuto de Roma, porém existem algumas questões que aparentemente estariam em conflito com a Constituição Federal de 1988, que são a situação da prisão perpétua, o caso da extradição e da entrega, dentre outros (PRIZON, 2008, p. 97). Nos ateremos aqui às questões de discussão mais contundentes. Pode-se dizer que tais discussões existem principalmente pelo fato de que a legislação internacional em responsabilidade penal individual ainda émuito recente, e portanto ainda carente de certo polimento.  

7.1 Aspectos Iniciais 

            Originalmente, de acordo com a Constituinte de 1988, é papel do Presidente da República[12] e do Congresso Nacional formalizar tratados, convenções e atos internacionais. E ainda, de acordo com o entendimento da doutrina brasileira, os tratados e convenções de Direitos Humanos (como, em extensão, é o caso do Estatuto de Roma), tem por objetivo proteger a garantir tais direitos, além de dizê-los. Por essa razão foi estabelecido no artigo 5o da Constituição a não exclusão de outros direitos e garantias decorrentes de regimes, princípios, ou tratados internacionais adotados e integrados ao ordenamento jurídico (PRIZON, 2008, p. 100).

            O que nos leva ao sistema brasileiro de incorporação de Tratados Internacionais, de caráter misto, em que os tratados de direitos humanos tem sua incorporação automática ao ordenamento, enquanto os demais passam pela incorporação legislativa para serem inseridos (PIOVESAN, 2007, p. 88). Apesar da posição divergente do Supremo Tribunal Federal, a corrente defendida supracitada é a consolidada.

7.2 A entrega de nacionais

            Na elaboração do Estatuto de Roma foi criado o instituto do surrender, que vai significar a apresentação de um sujeito ao Tribunal Internacional para ser julgado. Por ser semelhante à extradição, foi importante definir o surrender, para que os dois termos não se confundissem, já que não são a mesma coisa. O artigo 102 do estatuto estabelece como “entrega” a entrega de um sujeito por um Estado ao Tribunal; enquanto por “extradição” a entrega de um indivíduo de um Estado a outro a pedido do segundo (PRIZON, 2008, p. 105).

            A delegação brasileira apresentou algumas preocupações no seu voto quanto ao instituto do surrender (JARDIM, 2000, p. 31), que se mostraram posteriormente infundados já que tal instituto, como já provado, não se trata do antigo instituto da extradição, que envolveria a submissão de um estado à sentença penal de uma outra jurisdição soberana. Trata-se aqui de fato da entrega, em que um Estado transfere um indivíduo a uma jurisdição internacional que ele mesmo auxiliou a construir. Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros (2000) acrescenta ainda:

“É essencial para que se garanta a efetiva administração da Justiça Penal Internacional que esta tenha a faculdade de determinar que os acusados da prática dos crimes reprimidos pelo Estatuto sejam colocados à disposição do Tribunal. Seria inútil o esforço de criar o Tribunal Penal Internacional caso não se conferisse ao mesmo o poder de determinar que os acusados sejam compelidos a comparecer em juízo. O Estatuto de Roma fixou um regime de cooperação entre os Estados- partes e o Tribunal Penal Internacional, fundamental para a viabilidade e o êxito da instituição. (...) Integra este dever de cooperação a obrigação de prender e entregar os acusados ao Tribunal”.

7.3 A pena de prisão perpétua

            No decorrer das reuniões de elaboração do estatuto, a pena de prisão perpétua foi algo de muitas discussões pela razão de que alguns países (como Brasil e Portugal[13]) não possuírem tal pena em seu regime interno, e ainda, a proíbe. Porém, apesar das divergências tal pena foi mantida principalmente por uma razão estratégica política diante dos Estados que queriam o estabelecimento da pena de morte (STEINER, 2000, p. 35-36). Esta foi extremamente rechaçada e buscou-se então um certo equilíbrio entre os interesses dos países componentes da conferência (KREB, 2000, p. 128). E, ainda na tentativa dessa conciliação, a prisão perpétua ficou reservada para os casos de extrema gravidade e poderá ainda ser revista depois de vinte e cinco anos de cumprimento (PRIZON, 2008, p. 110).

            O problema real vai acontecer no confronto entre o estabelecimento da pena de prisão perpétua com o artigo 5o da Constituição Federal, que claramente proíbe a aplicação de penas perpétuas. Devemos aqui ter em mente que quando um Estado ratifica um tratado internacional, ele vai precisar adequar a sua legislação interna ao que foi convencionado. O que não significa adotar regras contrárias à sua jurisdição, ou seja, o Brasil não precisa necessariamente adotar a pena de morte apenas pela razão de ter ratificado o Estatuto de Roma. Inclusive tal modificação é impossível já que as garantias fundamentais do artigo 5o são protegidos pelo artigo 60, da Constituição Federal, como cláusula pétrea (PRIZON, 2008, p. 112).

            Além disso, o estatuto fala de criminosos que não foram julgados em seus Estados. E no caso do julgamento no próprio Estado, este vai usufruir das suas próprias leis internas, enquanto no cenário de entrega do criminoso ao tribunal, valerá  regra internacional formuladas pelas diversas delegações que trabalharam em 1998. Sobre o tema, Artur de Brito Gueiros Souza (2004) diz:

“(...) nossa doutrina, em sua maioria, fixou entendimento de que a ratificação do Estatuto não incidiria em inconstitucionalidade em face da norma da Constituição que proíbe ‘penas de caráter perpétuo’. Isso porque, os autores assinalam, a ordem constitucional encontra-se voltada para o direito interno, não podendo, nesse sentido, ser projetada para a ordem internacional. Desta forma, o conflito entre esses dispositivos seria ‘aparente’, até porque ambos os diplomas visam reforçar o princípio da dignidade humana – o Estatuto, com a ameaça de punição aos autores de graves atrocidades; e a Constituição Federal, restringindo a esfera de poder da legislação penal interna, nos crimes comuns”.

            E apesar de todos os esforços para minimizar as tensões e atender aos interesses de todos os Estados signatários, sendo considerada a pena de prisão perpétua um atraso à formação de um sistema internacional verdadeiramente humanitário (PRIZON, 2008, p. 114), o Brasil, juntamente com outros países, movem esforços para a retirada de tal pena do estatuto.

7.4 As imunidades em geral

            As imunidades e privilégios dadas pelo ordenamento brasileiro ao Presidente da República, aos Ministros de Estado, Deputados e Senadores não são válidas para o Tribunal Penal Internacional. Tais imunidades foram criadas para proteger o governo de um Estado em razão do valor que existe nesse indivíduo. Porém, é fato que um indivíduo eleito para a função, praticando ações destoantes do seu cargo, não poderá simplesmente usar a imunidade como escudo contra a punição (PRIZON, 2008, p. 116). É também fato que tal indivíduo foi eleito para praticar ações direcionadas ao bem da comunidade em geral, e por isso, em casos de crimes graves contra a humanidade, não será aceita a imunização desses sujeitos.

            No cenário internacional, essa questão se torna ainda mais complexa pela existência de diversas situações políticas e econômicas nos países: esperar que lideres eleitos sejam punidos internamente é praticamente utópico. Além disso, um dos princípios que regem o Tribunal Penal Internacional trata justamente da irrelevância das funções, presente no artigo 27, tendo como alvo principalmente os que possuem patentes militares (PRIZON, 2008, p. 117). Em suma, essa sistemática, tem a função de, como tem todo o Estatuto de Roma, assegurar o direito da vítima à justiça de fato e da vitória real dos Direitos Humanos.

7.5 A soberania

            A criação do Tribunal Penal Internacional e sua peculiaridade da responsabilização penal individual trouxe uma mudança muito importante no paradigma da soberania. Antes das duas grandes Guerras Mundiais, a soberania era tida como absoluto, indivisível e ilimitado; porém as próprias guerras mudaram essa ideia. Tais eventos deram a muitos pensadores do período a noção de que a soberania deve necessariamente ter barreiras com vistas a proteger os Direitos Humanos (PIOVESAN, 2007, p. 119).

            Essa mudança de pensamento trouxe reflexo também nas Constituições dos países: elas passaram a se pautar nos direitos e garantias individuais, a se preocupar com a dignidade humana, a democracia e consequentemente com a chamada soberania popular. O Brasil é um destaque nesse tema: a Constituinte de 1988 frisa o compromisso do Estado Brasileiro tanto na ordem interna quanto na internacional com os valores e princípios nela contidos. Sobre a questão, diz Flávia Piovesan (2007, p. 40-41):

A partir do momento em que o Brasil se propõe a fundamentar suas relações com base na prevalência dos direitos humanos, está ao mesmo tempo reconhecendo a existência de limites e condicionamentos à noção de soberania estatal. Isto é, a soberania do Estado brasileiro fica submetida a regras jurídicas, tendo como parâmetro obrigatório a prevalência dos direitos humanos. Rompe-se com a concepção tradicional de soberania estatal absoluta, reforçando o processo de flexibilização e relativização, em prol da proteção dos direitos humanos. Este processo é condizente com as exigências do Estado Democrático de Direito constitucionalmente pretendido.

8. O direito penal brasileiro e o Tribunal Penal Internacional

            Para devidamente compreendermos a relação entre o direito penal do Brasil e o TPI, fez-se necessária uma análise atenta do Estatuto de Roma, destrinchado no tópico anterior. Sua publicação, de caráter jurídico de convenção internacional para os direitos humanos, funda o Tribunal Penal Internacional. Épreciso entendê-lo, como bem explicitado jáanteriormente e ressaltado por Andréde Carvalho Ramos (2013, p. 253-256)trata-se de um instrumento legal que transcende um mero apanhado de regras materiais e processuais relativos àCorte Internacional Criminal, havendo, de fato, uma preocupação legítima em salvaguardar os direitos inalienáveis do homem, garantindo proteção, sobretudo, às vítimas dos crimes considerados de maior gravidade na história da humanidade, buscando ainda evitar que as atrocidades perpetradas no passado sucedam-se novamente. 

            No que tange à realidade brasileira, a Constituição Federal de 1988 indicou um verdadeiro ponto de inflexão na história do nosso ordenamento jurídico, representando um marco decisivo e sem precedentes na democracia, além de um grande avanço na positivarão de direitos e garantia fundamentais, inseridos de forma pormenorizada no texto do documento (BASTOS, 2002). 

            Em seu artigo 4o , por exemplo, fica definido que as relações internacionais serão regidas pelos princípios: (a) independência nacional; (b) prevalência dos direitos humanos; (c) autodeterminação dos povos; (d) não-intervenção; (e) igualdade entre os povos; (f) defesa da paz; (g) solução pacífica dos conflitos; (h) repúdio ao terrorismo e ao racismo; (i) cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; (j) concessão de asilo político[14] 

            Acerca desse caráter inovador da Constituição de 1988, Flávia Piosevan (2007) comenta: 

Ao romper com a sistemática das Cartas anteriores, a Constituição de 1988, ineditamente, consagra o primado do respeito aos direitos humanos, como paradigma propugnado para a ordem internacional, sendo que esse princípio invoca a abertura da ordem jurídica interna ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos.     

            Paralelamente a esse novo movimento em direção àprevalência dos direitos humanos, observa-se certa relativização do conceito de soberania (KELSEN, 1945, p. 1079),que favorece em larga medida a ratificação de diversos tratados internacionais, como o próprio Estatuto de Roma. Faz-se necessário mencionar que as disposições contidas nos tratados internacionais de direitos humanos têm valor vinculante constitucional, desde que observadas as formalidade exigidas para tanto, sendo que as demais convenções têm caráter supralegal, conforme disposto no artigo 5o, §2o, da Constituição Federal. 

8.1 Eficácia interna das decisões e sentenças proferidas pelo Tribunal Penal Internacional  

            Questão extremamente afeta àtemática discutida neste trabalho éa necessidade de se homologar as decisões emitidas pelo Tribunal Penal Internacional a fim de que tenham validade no direito interno brasileiro. Segundo Valério Mazzuoli (2006)os tribunais internacionais não se vinculam àsoberania de nenhum Estado, exercendo jurisdição sobre Ele próprio.  

            Em razão disso, não háde se fazer uso do termo sentença estrangeira para se referir às decisões proferidas pelo Tribunal Penal Internacional, pois trata-se de uma terminologia utilizada para o direito estrangeiro.  

            Detendo, como jáexpresso, jurisdição própria, conclui-se que o Superior Tribunal de Justiça não tem competência constitucional para homologar as sentenças proferidas pelo Tribunal Penal Internacional. Suas decisões têm caráter vinculante obrigatório e não dependem de autorização para serem aplicadas, o que não  as torna, contudo, autoaplicáveis, pois, a fim de que sejam colocadas em prática, precisam estar em conformidade com os mecanismos internos disponíveis em seus ordenamentos jurídicos (BUENO, 2014). 

9. Conclusão  

            Durante a execução deste trabalho, foi construído um panorama minucioso e detalhado da eficácia da lei penal brasileira no cenário internacional. Pontuou-se as principais características da jurisdição moderna e os elementos que a compreendem, considerando os princípios fundamentais que norteiam a atuação jurisdicional para cada ponto abordado, como os princípios de territorialidade, extraterritorialidade, ultraterritorialidade e demais princípios candentes aos temas abordados ao longo da pesquisa.  

            Analisou-se também, ainda nas primeiras páginas deste trabalho, a questão da soberania Estatal e como esse tópico dialoga com a jurisdição penal da lei no espaço, principalmente no que se refere às regras de direito penal internacional de cada país. Foi abordado, nesse ponto, a distinção fundamental existente entre o direito penal internacional e o direito internacional penal, cuja compreensão se faz essencial para mitigar a errônea e por vezes frequente atribuição de tarefas àseara jurídica incompetente para tanto.  

            Discutiu-se cautelosamente a incidência da jurisdição penal nos casos de delito transnacional, estudo do qual depreendemos que o princípio de territorialidade tem primazia sobre os demais, pois reflete a soberania do Estado e o monopólio do direito punitivo dentro de seus limites territoriais, rejeitando influências externas. No Brasil, contudo, observou-se que ocorre certa flexibilização deste princípio, o que justifica as imunidade diplomáticas, por exemplo.  

            Buscou-se delimitar com precisão os limites espaciais do território brasileiro, destacando as especificidades da lei penal para as embarcações e aeronaves, inclusive, além de endereçar também a acepção jurídica de território, bem mais ampla do que o entendimento do termo em sentido estrito.  

            Disciplinada a amplitude de aplicação da jurisdição penal brasileira pelo critério territorial, seguimos para uma análise segundo o ordenamento jurídico pátrio. Épossível, no Brasil, a extraterritorialidade, limitando o jus puniendi do Estado frente a delitos cometidos em seu território, e também a ultraterritorialidade, manifesta nos casos em que a jurisdição brasileira alcance fatos típicos fora de seus limites territoriais. A ultraterritorialidade da lei penal foi tópico bastante pormenorizado neste trabalho. 

            Uma vez adotada a teoria da ubiquidade, abre-se margem para a concorrência de jurisdições, tópico também bastante discutido aqui. Abordamos ainda a aplicação da lei processual penal brasileira no espaço, consubstanciada no direito material pátrio, previsto no Código de Processo Penal e na legislação extravagante. 

            Outro aspecto importante a ser relembrado do texto éo estabelecimento de paralelos interessantes relativos ao Direito Comparado, que favoreceram o entendimento da aplicação da lei penal no espaço global e, a partir da jurisprudência jáconsolidada, dirimir a reprodução sistemática de erros de litígio e de sentença. 

            Ao final da execução do plano de tarefas do qual resultou este trabalho, acreditamos ter atingido, de modo geral, nossas expectativas iniciais pois conseguimos, através da exploração de critérios normativos e doutrinários, esclarecer os limites espaciais da aplicação da lei penal brasileira. 

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Notas:

[1] O princípio da nacionalidade ou da personalidade diz que o indivíduo estará sempre acompanhado do direito punitivo proveniente do seu Estado de Origem e consequentemente devendo obediência às leis desse Estado mesmo que fora dele.

[2] Existem bens jurídicos que são especiais ao Estado, e, por refletirem os interesses da própria coletividade organizada, a ameaça a tais bens permite, na ótica do princípio real ou da proteção judicial necessária, que a jurisdição penal do Estado que é titular do bem jurídico lesado, ou ameaçado, atinge fatos praticados além do seu território. 

[3] O princípio da justiça penal universal ou princípio da universalidade está marcado na noção de o crime ser um mal universal e que, portanto, todos os Estados tem interesse em reprimir essa prática e proteger seus bens jurídicos da lesão provocada pela infração penal. 

[4] O princípio da representação apregoa que a lei do Estado em que está registrada a aeronave ou embarcação, ou de acordo com sua bandeira, incidirá sobre os crimes praticados a bordo quando houver deficiência legislativa ou desinteresse do Estado que deveria reprimir tal crime e não o faz.

[5] Art. 5º - Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984).

[6] Sedes de organismos internacionais, residência oficial e particular, além de veículos utilizados. 

[7] Art. 5°, caput, da CF/88.

[8] Art. 298, do Código de Bustamante. Gozam de igual isenção os representantes diplomáticos dos Estados contratantes, em cada um dos demais, assim como os seus empregados estrangeiros, e as pessoas da família dos primeiros, que vivam em sua companhia.

[9] Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, de 1946; Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Agências Especializadas das Nações Unidades, de 1947.

[10] Se trata da lei do foro. É a lei do país ou do lugar da jurisdição perante a qual se intenta ou deve ser intentada a ação judiciária.

[11] Em uma tradução livre, se trata da terra de ninguém, terra vazia, desolada.

[12] Como expresso no art. 84, inciso VIII da CF/88.

[13] Constituição Brasileira art. 5°, XLVII, “b”; Constituição da República Portuguesa, art. 30, §1°.

[14] Constituição Brasileira, artigo 4.

O que é territorialidade da lei penal?

O princípio da territorialidade indica que o Estado, em cujo território foi cometido o crime é o competente para julgar o delinquente e aplicar a respectiva sanção.

Qual o princípio da lei penal no espaço?

Princípio da universalidade ou cosmopolita A lei penal deve ser aplicada a todos, onde quer que estejam. Isso é viabilizado através da cooperação entre estados, permitindo a punição do agente por qualquer Estado para crimes que forem objeto de tratados e convenções internacionais.

Quais os princípios relacionados a eficácia da lei no espaço?

No que se refere aos fundamentos da Lei Penal no espaço, devemos estudar cinco princípios, quais sejam: a territorialidade, nacionalidade, proteção da competência real, competência universal e a representação (Questão 194).

Quanto à aplicação da lei penal no espaço é correto afirmar?

Quanto à aplicação da lei penal brasileira no espaço, é correto afirmar: I. O princípio da universalidade, preconizado no artigo 7º, II, a, do CP não obsta a concessão da extradição ao Estado no qual ocorreram as práticas delituosas.

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