Tico e teco: defensores da lei filme

Se a regra em Hollywood é, hoje mais do que em qualquer outra época em razão da Guerra do Streaming, reaproveitar propriedades antigas, refazer filmes e séries e inundar o mercado com continuações, reboots e spin-offs, com isso apagando qualquer traço de originalidade do que é oferecido, é sempre bom ver quando algo assim é feito com coração e espírito e, mais ainda, doses cavalares de sarcasmo e ironia. E isso é particularmente inesperado – e bem-vindo – quando o produto é da Disney e quando os protagonistas são os adoráveis esquilinhos Tico e Teco em um soft-reboot/continuação da série animada Tico e Teco: Defensores da Lei, que foi ao ar entre 1989 e 1990, que acaba sendo, na verdade, o mais próximo que um dia chegaremos do inimitável Uma Cilada para Roger Rabbit.

Em termos de filmes que misturam animação com atores reais, a obra-prima oitentista de Robert Zemeckis continua reinando suprema, até porque ela consegue transcender essa categorização, mas o primeiro longa-metragem estrelado por Tico e  Teco (respectivamente John Mulaney e Andy Samberg fazendo vozes normais e não moduladas, uma escolha acertada da produção para não criar paralelos com aquela outra franquia de esquilos que mistura animação e live-action) é uma bela exploração autoconsciente de uma indústria que vive refazendo tudo e enxertando “referências” a torto e a direito, mesmo em prejuízo da história macro, para agradar os fãs de todas as idades que, mais do que gostar disso, exigem isso e, ironicamente, do jeito que eles acham que tem que ser, fazendo biquinho e batendo o pezinho quando não veem nas telinhas e telonas aquilo que imaginaram em seus devaneios… Tico e Teco: Defensores da Lei consegue ao mesmo tempo abrir os olhos daqueles que estiverem dispostos a enxergar e ser uma aventura divertida por seus próprios méritos.

E o trunfo do longa que começou sua gestação ainda em 2014, passando por diversas modificações até Akiva Schaffer entrar na produção em 2019, é usar a mesmice de forma criativa. Roger Rabbit é, inegavelmente, a inspiração principal – assim com o carinho pela série oitentista, não podemos esquecer – mas o que realmente move a obra é um roteiro criativo escrito por Dan Gregor e Doug Mand que reúne os dois esquilos amigos depois de eles se separarem quando Teco causa o cancelamento da série original para desvendarem o sequestro de Montinho, ou Monte, apelidos de Monterey Jack (Eric Bana), que lutava contra seu vício em queijo fedorento (a abordagem sobre vício, o que inclui um passeio pela versão Tico e Teco de antros de ópio retratados em diversos filmes clássicos como Era Uma Vez na América). Mas a linha narrativa de investigação, a desculpa perfeita para trazer de volta os dois ex-amigos, forma apenas os alicerces da obra, que está muito mais preocupada com as críticas que faz.

Afinal, chega a ser fantástico que os manda-chuvas da Disney tenham deixado passar a principal gag corrente do longa, a que determina que Teco, para tentar manter-se relevante, passou por “cirurgia plástica de CGI” para atualizar seu visual, que cria o Vale da Estranheza por ele contracenar com Tico ainda em 2D e animação tradicional (feita pelo computador, tenho certeza, mas vocês entenderam). Não é a Casa do Camundongo que ganha rios de dinheiro fazendo exatamente isso? Afinal, o que é O Rei Leão de 2019 senão o filme original com “visual atualizado” para uma geração que, ao mesmo tempo que gosta de reclamar que americano faz remake de filme não americano porque “americanos não gostam de ler legendas”, aceita, quer e adora que CGI substitua animação clássica. Jogada de gênio só aí por toda a ironia e sarcasmo da coisa toda e palmas para a Disney por engolir a piada.

Mas o que falar do próprio Vale da Estranheza, que ganha uma mais do que sensacional abordagem depois que Tico e Teco, localizando o vendedor de queijos fedorentos na linda, colorida e frondosa Main Street do parque DisneyWorld, são levados justamente para lá, onde animações que criam aquela barreira intransponível que impede o mergulho na história – e sim, O Expresso Polar é corretamente citado como o exemplo máximo disso, o que é duplamente hilário, por também ser de Zemeckis em sua fase cinematográfica em que ele se perdeu nesse caminho tenebroso -, de forma a descobrir quem é o grande vilão? Claro que entre Teco em CGI e Vale da Estranheza, há o mais do que esperado dilúvio de referências, mas mesmo elas vêm com duplo objetivo pelo menos, o famoso bate a assopra, algo que é notável quando percebemos que a produção fez das tripas coração para trazer as vozes originais de personagens clássicos para o longa e até mesmo um dos profissionais responsáveis pela animação de Roger Rabbit, nos brevíssimos segundos em que ele aparece (porque, claro, ele aparece).

Tico e Teco: Defensores da Lei acerta no alvo quase todas as vezes que atira e ele atira sem dó, nem piedade. Seu problema está na “barriga” que o roteiro deixa criar lá pela marca da metade da projeção, mas que Schaeffer faz de tudo para compensar visualmente. Não que a linha narrativa mestra seja fora desse mundo, pois definitivamente não é o caso e não porque haja coragem e vontade de se mergulhar a fundo na transgressão, já que se percebe alguns freios puxados aqui e ali, inclusive em participação especial tornada célebre por vazamentos internéticos propositais de um certo personagem azul em sua versão menos do que ideal, por assim dizer, mas o longa, quando observado abaixo de sua superfície óbvia, repleta de cameos para fazer fã apontar o dedo para a televisão a cada 15 segundos, consegue triunfar como aventura nostálgica inteligente que faz das pontas famosas (e outras nem tanto) e de sua própria premissa algo que merece destaque diante da mesmice repetidora que a fábrica hollywoodiana solta porque vende mais (ou será que vende mais porque ela solta esse tipo de produto?). O inesquecível coelho branco que contracenou com Bob Hoskins e Christopher Lloyd certamente a-p-p-p-rovaria!

Tico e Teco: Defensores da Lei (Chip ‘n Dale: Rescue Rangers – EUA, 20 de maio de 2022)
Direção: Akiva Schaffer
Roteiro: Dan Gregor, Doug Mand
Elenco: John Mulaney, Mason Blomberg, Andy Samberg, Juliet Donenfeld, KiKi Layne, Will Arnett, Eric Bana, Flula Borg, Dennis Haysbert, Keegan-Michael Key, Tress MacNeille, Seth Rogen, J. K. Simmons, Tim Robinson, Chris Parnell, Da’Vone McDonald, Corey Burton, Jeff Bennett, Liz Cackowski, Rachel Bloom, Steven Curtis Chapman, Charles Fleischer, David Tennant, Alan Oppenheimer
Duração: 97 min.

Ritter Fan

Aprendi a fazer cara feia com Marion Cobretti, a dar cano nas pessoas com John Matrix e me apaixonei por Stephanie Zinone, ainda que Emmeline Lestrange e Lisa tenham sido fortes concorrentes. Comecei a lutar inspirado em Daniel-San e a pilotar aviões de cabeça para baixo com Maverick. Vim pelado do futuro para matar Sarah Connor, alimento Gizmo religiosamente antes da meia-noite e volta e meia tenho que ir ao Bairro Proibido para livrá-lo de demônios. Sou ex-tira, ex-blade-runner, ex-assassino, mas, às vezes, volto às minhas antigas atividades, mando um "yippe ki-yay m@th&rf%ck&r" e pego a Ferrari do pai do Cameron ou o V8 Interceptor do louco do Max para dar uma volta por Ridgemont High com Jessica Rabbit.

Quando vai lançar o filme Tico e Teco?

20 de maio de 2022 (EUA)Tico e Teco: Defensores da Lei / Data de lançamentonull

Onde passa Tico e Teco?

Na produção, os amigos estão vivendo em Los Angeles, entre humanos e animações.

Quem é mais velho Tico e Teco?

Tico ironicamente foi confirmado como o mais novo dos esquilos, com ele assumindo o papel do irmão mais velho. Tico é o líder da agência Conexão Salva-Ação.

QUAL É O Tico e Teco?

Os irmãos têm personalidades bem diferentes: Tico é o mais inteligente e esperto. É ele que tem a maioria das ideias e elabora planos mirabolantes; já Teco é mais ingênuo, confuso e atrapalhado.

Postagens relacionadas

Toplist

Última postagem

Tag