A meda 100 e a vecchio são as mesmas empresas

Casos de assédio sexual precisam de atenção e cuidado no ambiente de trabalho. Como se configura e quais as medidas que podem ser adotadas pelas empresas para prevenir e coibir a prática?

Introdução

 O assédio sexual é normalmente associado a uma violência sofrida exclusivamente pelas pessoas do gênero feminino, quando na verdade, todos estamos sujeitos a isso. De acordo com as estatísticas, as mulheres são numericamente mais atingidas pelo problema em comparação aos homens.

A pesquisa feita pela consultoria de recrutamento executivo Talenses para a Revista Exame, com 3.215 entrevistados, revelou que 34% das mulheres já sofreram algum tipo de assédio sexual no ambiente de trabalho. Entre os homens esse percentual cai pela metade, mas o número ainda assim continua sendo bastante expressivo.[1]

Ainda, segundo pesquisa do DataFolha[2] de 2018, 23% das mulheres entrevistadas com idade entre 16 a 24 anos afirmam já terem sido vítimas de assédio sexual no ambiente de trabalho. Esses dados confirmam que 1 em 4 mulheres dessa faixa etária já sofreu com esse tipo de violência no ambiente de trabalho, além de comprovar que o assédio não se dissemina apenas após anos de experiência profissional.

É bem verdade que o debate sobre desigualdade de gênero e assédio está fortalecendo as mulheres, a ponto de as denúncias terem aumentado nos últimos anos. O Ministério Público do Trabalho aponta um crescimento significativo no número de denúncias[3], contudo, o fato dos casos estarem sendo notificados não significa que o problema esteja perto de ser solucionado.

Como já foi dito, os homens também passam por casos de assédio sexual no ambiente de trabalho, contudo, os numerosos casos que ocorrem contra as mulheres podem ser relacionados com alguns fatores, como a desigualdade no acesso a cargos de liderança, reforço de estereótipos sexualizados da figura feminina, associação de mulheres a cargos e posições vistos como de menor prestígio[4], culturas institucionais mais tradicionais que não criam mecanismos de denúncias, impunidade de agressores, permissividade institucional a casos de assédio, “gap” salarial e de oportunidades entre os gêneros, dentre outros.[5]

Realmente existem grupos mais vulneráveis a essas violências? A resposta é sim. Tanto é que a cartilha sobre o tema produzida pelo Senado Federal (pelo Comitê Permanente pela Promoção da Igualdade de Gênero e Raça)[6] reconhece uma maior vulnerabilidade da população LGBT+ e de mulheres negras quando o assunto é assédio sexual no ambiente de trabalho.

Por isso, esse debate está intrínseco às estruturas de poder e à questão de diversidade e inclusão nas organizações. Grupos que estão, por um motivo ou outro, alienados aos cargos de liderança possuem menor poder político e econômico e, por essa razão, encontram maior dificuldade em serem ouvidos e terem as violências contra si reconhecidas, prevenidas e combatidas.

A capacidade de uma executiva endereçar internamente um caso de assédio contra si é maior do que uma mulher vinda da periferia e que exerce a função de faxineira no escritório, apesar de ambas estarem sujeitas a esse tipo de violência. Compreender isso permite a adoção de estratégias de gestão de pessoas mais efetivas e que combatam o problema em diferentes camadas da mesma organização.

Assim como o artigo “Assédio Moral no Ambiente de Trabalho: Prevenção e Combate”, o objetivo deste é compreender um pouco a complexidade deste problema, infelizmente comum[7], pensando em alternativas de identificação, combate e prevenção.

Visando tornar a leitura fluída e informativa, este texto também foi dividido em perguntas frequentes sobre o tema. O conteúdo foi formulado pensando em informar pessoas que estão inseridas em situações de assédio sexual tentando também dialogar com empresas que tenham interesse em se adequar às melhores práticas do mercado para coibir e prevenir casos de assédio sexual no ambiente de trabalho.

Importante destacar que este tema, assim como o de assédio moral, não deve ser visto unicamente como um risco jurídico, financeiro e/ou reputacional às organizações. Como discutiremos adiante, trata-se de garantir direitos fundamentais como de personalidade, dignidade, integridade física, psíquica, sexual e moral, além de tantos outros.

O que é assédio sexual?

 O “assédio sexual” que escutamos cotidianamente (como no transporte público, na rua e em festas) é distinto daquele ocorrido no ambiente de trabalho, conforme explicaremos melhor a seguir. Apesar de possuírem características semelhantes, estas práticas fora do ambiente profissional são normalmente enquadradas como o crime de importunação sexual, previsto no Artigo 215-A do Código Penal. Alguns exemplos da importunação sexual são cantadas grosseiras, beijo roubado, toque desautorizado etc.[8]

Para o Direito (especialmente o Penal), quando o termo “assédio sexual” é usado, normalmente está se referindo à conduta ocorrida no ambiente de trabalho, por ter sido o nome dado ao crime do Artigo 216-A do Código Penal (que se aplica às condutas ocorridas especificamente na esfera do trabalho). Portanto, apesar dos outros casos ocorridos fora do ambiente profissional também serem popularmente conhecidos como assédio sexual, a estes não é aplicado o crime de assédio sexual, havendo outras tipificações penais e meios de buscar a responsabilização civil e criminal do agressor, a depender do caso concreto.

Saber diferenciar o que é assédio em cada situação é importante porque o contexto em que o caso está inserido é ímpar para identificar se houve ou não crime, assim como, entender a gravidade do ocorrido e quais mecanismos jurídicos são aplicáveis e proporcionais. O que é entendido como assédio em uma situação ou ambiente pode não ser entendido como tal em outras circunstâncias.

Pessoas se comportam de formas diversas a depender do ambiente em que se encontram. Uma forma fácil de entender isso é traçar um paralelo com adequação linguística entre os ambientes que transitamos, pois, a forma que nos comunicamos em cada ambiente é diferente, a depender do que é adequado e esperado. O que é aceitável ser dito entre amigos e familiares em uma festa não é necessariamente o que é apropriado para o ambiente profissional, durante uma reunião ou um evento do escritório.

É claro que existem determinadas condutas que são inaceitáveis independente do ambiente, como tocar em determinadas partes do corpo de uma pessoa sem o seu consentimento ou fazer investidas de cunho sexual, repetidamente, sem que o interesse seja recíproco.

De qualquer forma, é com base nesse mesmo senso crítico que colaboradores e gestores devem se guiar para identificar o que é ou não adequado e/ou passível de represália no ambiente profissional, levando-se em consideração, ainda, que cada pessoa tem uma personalidade e um parâmetro do que é aceitável ou não. É esse ponto, em especial, que costuma gerar controvérsias. Especialmente, por estarmos em um período de significativa transformação cultural e social. Algumas condutas que eram toleradas no passado hoje são vistas como impróprias, e por vezes, até ilícitas. 

Naturalmente, não é todo e qualquer ato ou comentário indelicado que será passível de responsabilização jurídica, mas, dada a natureza do ambiente profissional, alguns comportamentos toleráveis em outros locais (como em um bar) serão razão para medidas disciplinares quando ocorrerem dentro do ambiente de trabalho.

A caracterização do assédio sexual no Direito

Quando o assédio sexual ocorre no ambiente de trabalho, as esferas penal, civil e trabalhista podem ser mobilizadas para solucionar a questão, cada uma dentro de sua competência, de formas independentes. Isso significa que cada uma entenderá a conduta de maneira diferente, seguindo seus próprios requisitos, conforme explicaremos abaixo.

Os requisitos para a configuração do crime de assédio sexual são específicos e trazidos pelo Código Penal:

“Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.

Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.” (grifos nossos)

Quem cuida de relações no ambiente profissional é principalmente o Direito do Trabalho, contudo, em casos mais sérios, quando existe o cometimento de um crime (conforme requisitos do Art. 216-A transcrito acima), a instância penal pode ser acionada buscando a responsabilização do agressor.

Com base no Código Penal, existem dois pontos principais para que o assédio seja visto como um crime e não apenas passível de indenização por dano na esfera civil ou trabalhista, quais sejam: (i) que o ato tenha sido cometido por alguém de nível hierárquico superior à vítima; e (ii) “com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual”. Assim, ainda que não verificados os requisitos indicados, mas confirmada a conduta assediante, poderá se buscar a reparação na esfera civil ou trabalhista, sem que a esfera penal possa ser acionada.[9]

Nestes casos, é necessária a comprovação de dano moral (semelhante com o que ocorre com o assédio moral), conforme expõe o professor Amauri Mascaro Nascimento:

“O dano moral é o efeito que tem três principais causas ou motivos que levam à lesão do direito de proteção à dignidade da pessoa: a agressão moral, o assédio moral e o assédio sexual (…)”.[10]

Diferente do que ocorre normalmente com o assédio moral, para que o assédio sexual seja configurado não é necessária a repetição, pois um único evento assediante é passível de responsabilização (seja trabalhista, civil ou penal). Analisaremos como ocorre a responsabilização jurídica da empresa e do agressor mais adiante.

Assédio sexual, importunação sexual e estupro são condutas diferentes, inclusive representando crimes diferentes dentro do Código Penal.

O crime de importunação sexual, conforme já explicamos, se aplica para casos de assédio ocorridos nos mais diversos ambientes, prevalecendo a caracterização do crime de assédio sexual quando ocorre no ambiente de trabalho.  Ainda que não se admita a responsabilização do agressor pela prática do crime de assédio sexual, diante da ausência de preenchimento dos requisitos legais (hierarquia e intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual), é possível buscar a responsabilização penal do agressor, nestes casos, pelo crime de importunação sexual, conforme a opinião de alguns doutrinadores.

Por fim, vale lembrar que casos muito sérios de assédio podem chegar a ser configurados como estupro, quando se enquadram, conforme a definição trazida pelo Código Penal:

“Art. 213.  Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.”

Em casos de estupro tentado e consumado (assim como ocorre nos casos de assédio sexual), a empresa também pode ser acionada na esfera trabalhista, mesmo que o agressor tenha sido outro colaborador.

Assédio sexual para o Direito Internacional

Conforme já explicamos no nosso artigo sobre Assédio Moral no Ambiente de Trabalho, a Organização Internacional do Trabalho (“OIT”) já tratou deste assunto diversas vezes. Complementar a isso, foi lançada por eles a Convenção n° 190 sobre violência e assédio (Violence and Harassment Convention, ainda sem tradução oficial para o português)[11]. É um instrumento de Direito Internacional que orienta os países signatários sobre adoção de boas práticas e mecanismos de combate e prevenção de violência e assédio no ambiente do trabalho.

A norma reconhece a existência de grupos mais vulneráveis a casos de assédio, chegando a definir no artigo 1° o termo “gender-based violence and harassment”[12], que em tradução livre para português seria “violência e assédio com base em gênero”. A definição de “violência e assédio” trazida por este diploma, também traduzida livremente para o português é:

 “o termo ‘violência e assédio’ no mundo do trabalho refere-se a uma série de comportamentos e práticas inaceitáveis, ou ameaças, sejam uma ocorrência única ou repetida, que visem, resultem ou possam resultar em ameaças físicas, psicológicas, dano sexual ou econômico e inclui violência e assédio com base em gênero” [13] [14]

A Convenção nº 190 da OIT ainda precisa passar pelo procedimento de ratificação por parte dos países para que possa ser exigível como norma nos territórios nacionais. Nesse meio tempo, é um instrumento útil para compreendermos “em que pé estão” os debates a respeito deste tema, podendo ser utilizada como baliza para entrar em compliance com as melhores práticas desenvolvidas na atualidade.

Como ocorre o assédio sexual? Como é possível identificá-lo?

 Diferente do assédio moral, o assédio sexual possui definição desde 2001 pelo Código Penal. Apesar dos requisitos do crime não precisarem ser utilizados para o seu reconhecimento pelo Direito Trabalhista e Civil, a existência de uma definição auxilia a delimitar melhor a conduta.

Abaixo, apresentaremos uma lista de hipóteses que podem ser consideradas passíveis de indenização ou até criminalização por configurarem assédio sexual. Algumas delas, podem inclusive, configurar assédio moral e assédio sexual, simultaneamente. Vale destacar que esta lista não é exaustiva, mas pode ser usada como balizadora para identificar casos preocupantes que mereçam atenção dos gestores e empregadores[15]:

  • Brincadeiras vexatórias e/ou apelidos humilhantes de cunho sexual;
  • Indiretas e insinuações de cunho sexual, como convites inapropriados, mesmo que por meios digitais;
  • Tratamento de minorias com base em estereótipos, sexualizando ou constrangendo uma pessoa por sua orientação sexual, identidade de gênero[16], raça/grupo étnico[17] , dentre outras características pessoais;
  • Sugerir ou exigir que mulheres usem trajes como decotes ou roupas curtas com o intuito de buscar vantagens, como exigir que uma vendedora faça isso “para melhorar as vendas” ou “chamar a atenção dos clientes”;
  • Distinção de tratamento/discriminação motivada por características pessoais (como dar preferência ou tratar uma pessoa de forma diferente por atributos físicos;
  • Imposição de pegadinhas de caráter sexual, como simulação de atos sexuais como forma de humilhar a pessoa, mesmo que seja decorrente de uma “brincadeira”;
  • Conversas indesejadas ou exposição de assuntos sexuais indesejados;
  • “Passar cantada”, excesso de contato físico, ou atos de indiscrição em extensões do ambiente de trabalho (como happy hour, confraternizações etc.), sem o consentimento da pessoa;
  • Exigir favores sexuais em troca de promoção ou como chantagem para não demitir;
  • Usar características da pessoa como forma de tirar sarro ou envergonhá-la;
  • Fazer contato físico indesejado com teor sexual, mesmo com o intuito meramente de constranger (ex: encostar em partes íntimas, “beijo roubado”, encostar na parede, forçar atos sexuais, dentre outros). A depender de como for feito, pode configurar tentativa ou estupro consumado;

O consentimento deve sempre ser o balizador para identificar casos de assédio. Uma relação consensual entre pessoas que trabalham juntas não é necessariamente problemática (a não ser que as normas internas da empresa tenham previsões específicas sobre isso). Contudo, se ocorre uma investida, comentário, ato físico e/ou insinuações inapropriadas (repetitivas ou não) sem que sejam correspondidas pela outra parte, isso poderá ser entendido como assédio sexual, inclusive podendo ser cumulativo com o assédio moral e/ou outras condutas ilícitas.

Um ponto importante a ser considerado na dinâmica do assédio sexual é relativo ao poder coercitivo dentro de uma relação hierarquizada interferir na externalização do consentimento da pessoa de grau hierárquico inferior,[18] o que não se confunde com qualquer proibição quanto a existência de relacionamentos no ambiente de trabalho.

O problema se dá pela utilização indevida do poder conferido pela posição profissional dentro da empresa para se fazer avanços que constranjam ou coloquem um(a) trabalhador(a) em situação de vulnerabilidade / fragilidade no exercício do seu consentimento em razão do medo de represálias.

Assédio moral e sexual são a mesma coisa?

Diferente do que ocorre com o assédio sexual, o assédio moral não é um crime em si, apesar do agressor poder cometer crimes enquanto pratica assédio moral. Com base nisso, existe um projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional visando a criminalização do assédio moral, nas mesmas propostas do assédio sexual.

Apesar de o projeto já ter sido aprovado na Câmara dos Deputados e estar aguardando votação no Senado, muitos especialistas entendem que a delimitação da conduta não foi feita de forma adequada[19] [20] e que por isso, a criminalização não seria a melhor alternativa. Além disso, há questionamentos  sobre a eficácia de se combater a conduta com a mera criminalização de mais um ato.[21]

Em geral, existem duas formas principais do assédio moral ocorrer: (1) interpessoal e (2) institucional. O interpessoal, como o próprio nome sugere, é aquele que ocorre entre pessoas, já o segundo, assédio moral institucional, costuma ocorrer de forma mais complexa e está ligado à cultura institucional da organização, perpassando pelas suas estruturas e não dependendo apenas da má conduta pontual de um ou alguns colaboradores.

Algumas mudanças ocorreram com a Reforma Trabalhista, promovida pela Lei 13.467, de 13 de julho de 2017[22] e, embora ainda não tenha sido inserido um conceito de assédio moral na legislação brasileira, a Consolidação das Leis do Trabalho (“CLT”) passou a explorar de forma mais clara o tema quando regulamenta o dano de natureza extrapatrimonial. Falaremos com mais detalhes sobre as alterações à CLT, adiante.

O tema específico de assédio moral foi abordado com maior profundidade no nosso artigo “Assédio Moral no Ambiente de Trabalho: Prevenção e Combate”.

O que mudou quanto ao assédio sexual com a Reforma Trabalhista?

 Algumas mudanças ocorreram com a Reforma Trabalhista, promovida pela Lei 13.467, de 13 de julho de 2017[23] que impactam tanto o entendimento sobre assédio sexual como o de assédio moral (embora ainda não tenha sido inserido um conceito de assédio moral na legislação)[24]. O avanço principal na CLT foi que a norma passou a explorar de forma mais clara o tema quando regulamenta o dano de natureza extrapatrimonial:[25]

“Art. 223-B.  Causa dano de natureza extrapatrimonial a ação ou omissão que ofenda a esfera moral ou existencial da pessoa física ou jurídica as quais são as titulares exclusivas do direito à reparação.

 Art. 223-C.  A honra, a imagem, a intimidade, a liberdade de ação, a autoestima, a sexualidade, a saúde, o lazer e a integridade física são os bens juridicamente tutelados inerentes à pessoa física.                         

 (…)

 Art. 223-E.  São responsáveis pelo dano extrapatrimonial todos os que tenham colaborado para a ofensa ao bem jurídico tutelado, na proporção da ação ou da omissão.                    

 Art. 223-F.  A reparação por danos extrapatrimoniais pode ser pedida cumulativamente com a indenização por danos materiais decorrentes do mesmo ato lesivo.” (grifos nossos)[26]   

Os artigos acima transcritos, inseridos na CLT pela Reforma Trabalhista de 2017, demonstram que o tema dano moral e o assédio moral passaram a ser melhor delimitados na legislação. Além disso, foram criados critérios a serem analisados pelo juiz no momento de avaliar o dano e definir a reparação.[27]

O que provocou controvérsia, contudo, foi a criação de parâmetros para a reparação de danos de natureza extrapatrimonial[28], pois com a Reforma Trabalhista, as indenizações passaram a ser fixadas com base no último salário da vítima, gerando indenizações diferentes para indivíduos que foram assediados da mesma forma.

Essa reparação é a que ocorre dentro da esfera trabalhista que se aplica tanto para os casos de assédio moral, como também para os casos de assédio sexual.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (“OAB”) ajuizou no Supremo Tribunal Federal (“STF”) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (“ADI”) 6069 para questionar essa parametrização quanto à reparação por danos extrapatrimoniais decorrentes da relação de trabalho. Segundo a OAB, “os artigos 223-A e 223-G, parágrafos 1º e 2º, da CLT criaram uma espécie de tarifação para o pagamento de indenizações trabalhistas, o que pode gerar, por vezes, reparações injustas e desproporcionais se utilizado como base de fixação da indenização o último salário do ofendido”.[29]  O recurso ainda está pendente de julgamento, mas a questão deve ser solucionada dentro em breve.

Quais são as consequências práticas do assédio sexual na vida das pessoas e empresas?

 Abaixo, fizemos uma lista enxuta de algumas consequências para pessoas e empresas, em casos de culturas institucionais em que o assédio moral e / ou sexual ocorrem:

  • Aumento nos casos de adoecimento mental dos colaboradores, havendo uma relação com aumento de casos de depressão e ansiedade, e em situações extremas, podendo chegar a idealizações suicidas[30], conforme demonstram estudos[31]. A ausência de medidas para resolver a situação ou até o silêncio de colegas mediante o assédio também aparecem como causas que agravam o problema[32];
  • Aumento no absenteísmo, ou seja, muitas faltas, inclusive afastamentos pelo INSS. Algumas pesquisas mostram que transtornos mentais são a terceira maior causa de afastamento do trabalho, no Brasil[33];
  • Alta taxa de turnouver, ou seja, muita rotatividade dos profissionais que buscam outras oportunidades de trabalho em ambientes menos nocivos;
  • Impactos negativos na produtividade e perda de eficiência;
  • Má reputação no mercado por ser um local onde estas práticas ocorrem, podendo provocar a perda de talentos e clientes;
  • Cada vez é mais comum que empresas de grande porte busquem uma cadeia de fornecedores que tenham programas de responsabilidade social parecido com os seus. Essas análises de responsabilidade social, em algumas rodadas de concorrência podem ser usadas para desempate e em alguns casos é requisito para participação da rodada. A depender do caso e do setor, estar associado a uma marca conhecida por casos de assédio sexual pode ser fatal para uma empresa;
  • Comprometimento do trabalhador com a empresa é menor quando este não sente que existe um respeito mútuo ou que sua integridade física, moral e sexual não seja preservada;
  • Custos com processos judiciais e indenizações, além da possível responsabilização penal de colaboradores;
  • Impossibilidade de acessar algumas linhas de crédito para empresas que tenham casos de assédio sexual, já que determinados contratos de fomento possuem restrição para estas empresas. Alguns contratos do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), possuem restrições dessa natureza.

Como a empresa deve enfrentar a situação caso o assédio sexual ocorra?

 A forma de lidar com o assédio sexual costuma ser semelhante àquela adotada em caso de assédio moral. Isso inclui, principalmente, a implementação de práticas preventivas, ambientes de aprendizado coletivo, procedimentos de investigação e atenção à vítima. Caso uma empresa identifique, ou desconfie, de caso(s) de assédio, existem mecanismos para minimizar as consequências e enfrentar o problema. Isso é demonstrado de forma clara por Maria Ester de Freitas, Professora e Pesquisadora do Departamento de Administração Geral e Recursos Humanos da FGV-EAESP:[34]

“As organizações são intrinsecamente espaços de comportamento controlado e é do seu absoluto interesse coibir atitudes que possam prejudicar o seu melhor rendimento e a sua imagem.

 Os departamentos de recursos humanos deveriam considerar esse tipo de situação como um problema de sua jurisdição, buscando desenvolver políticas alternativas, encaminhando-as para discussão em todos os níveis organizacionais; a própria discussão já é uma forma de prevenir. Sem cair no descrédito que os excessos provocam, uma cultura organizacional pode incorporar – sem maiores traumas – as preocupações mais recentes da sociedade. Se a questão é de momento, ela é também de futuro, pois o contingente feminino tende a aumentar em todos os setores e em todos os níveis hierárquicos, além do reflexo direto de uma sociedade mais aberta, que tende a comportar diferentes arranjos amorosos; tudo isso eleva a possibilidade de que as organizações sejam, cada vez mais, um palco para esse tipo de ocorrência infeliz.”

Quando há permissividade de condutas impróprias dentro do ambiente profissional, dificilmente será possível coibi-las de forma eficiente, por uma questão de perpetuação de uma cultura institucional conivente que encobre e desmotiva que pessoas se exponham durante o processo de denúncia. É preciso que os colaboradores, gestores, profissionais de recursos humanos e sócios estejam cientes de que condutas assediantes não serão toleradas, havendo sanções, dando respaldo para aqueles que busquem noticiar o ocorrido.  

Vale, também, contar com formas graduais de disciplinar colaboradores que tenham comportamento inadequado. Isso permite uma proporcionalidade nas sanções, protegendo a empresa de eventuais processos judiciais por aqueles profissionais que venham a ser demitidos em razão de suas condutas impróprias.

É possível demonstrar (processualmente) que o colaborador vinha sendo advertido e gradualmente punido pelas práticas que não condiziam com os valores da empresa. Isso também ajuda a confortar a pessoa lesada, mostrando comprometimento da empresa com o seu bem-estar. Em casos graves de assédio comprovado é possível fazer a demissão por justa causa, sem que se faça uma gradação das sanções.

Provas são muito importantes para fundamentar a decisão da empresa (como relato da vítima, testemunhas, gravações etc.). Contudo, não são todos os casos que possuem provas contundentes, já que muitos agressores fazem isso em momentos que estão sozinhos com a vítima. Essa característica das violências de cunho sexual não podem ser um impeditivo para tomada de providências ou para dar encaminhamento às denúncias recebidas.  

Uma outra forma de abordar o tema e demonstrar preocupação com o assunto é desenvolver manuais internos de boas práticas, além de treinamentos e palestras. Isso permite maior transparência na gestão de recursos humanos, informando os colaboradores do que é esperado deles.

Ademais, em casos de assédio no ambiente de trabalho, ouvir a vítima e tratá-la com respeito é de extrema importância, porque o descrédito aprofunda a revitimização e pode aumentar os danos e os riscos para a empresa. Neste caso, o ideal é que a empresa esteja preparada para investigar a denúncia e, se constatada conduta inadequada de qualquer pessoa, tomar as medidas jurídicas necessárias, como, por exemplo, advertências, suspenção ou até dispensa por justa causa, a depender da gravidade do assédio identificado. Vale destacar, ainda, que tanto a intimidade das pessoas envolvidas, quanto o caso denunciado à empresa, devem ser tratados com sigilo para não potencializar as consequências.

Assédio moral e sexual são formas de violência que, infelizmente, não costumam ser levadas a sério. O fato de a vítima buscar ajuda já é desafiador por si só e, a depender do lugar, a denúncia pode torná-la ainda mais exposta perante outras pessoas, piorando, assim, as consequências do assédio. Com base nisso, vale notar que poucos são os colaboradores que se sujeitam a passar por essa situação sem que algo de fato tenha ocorrido, sendo mais comum que guardem para si qualquer forma de desconforto. Portanto, acreditar e apoiar quem pede ajuda é uma das tarefas iniciais da empresa que quer solucionar casos de assédio de forma responsável. 

Uma forma eficaz de abrir espaço para que a vítima descreva o ocorrido e seja dada oportunidade ao contraditório para o(s) acusado(s) é por meio da instauração de sindicância para apuração dos fatos. Para garantir a imparcialidade, muitas empresas preferem contratar profissionais externos para realizar esta atividade, apesar de ser possível estruturar uma sindicância interna com os profissionais da área de recursos humanos, jurídico e outros responsáveis pela gestão da organização.

Além de permitir a coleta de provas (que pode ser útil em caso de judicialização), a sindicância garante espaço para que todos os lados sejam ouvidos e decisões possam ser tomadas com base nos relatórios produzidos pelos profissionais responsáveis. É nesse momento que a versão da vítima é contraposta à do acusado, permitindo se chegar a uma versão mais próxima da realidade. Aqui também são ouvidas testemunhas, analisadas provas materiais, dentre outras diligências necessárias para a correta, justa e imparcial apuração dos fatos.

Por isso, a instauração de sindicâncias e a existência de mecanismos internos de denúncia sigilosa são formas recomendáveis de estruturar mecanismos de combate ao assédio moral e sexual nas organizações. As informações obtidas por meio destes mecanismos devem sempre ser analisadas para que melhorias sejam repensadas, visando a impedir a repetição dos problemas. É uma medida preventiva que deve ser continuamente reciclada e repensada, levando em conta a rotatividade de colaboradores e o aspecto dinâmico da cultura de cada empresa.

Em caso de envolvimento de autoridades policiais (como em processos penais) é importante que a empresa seja colaborativa com a investigação, estando assessorada por um(a) advogado(a). 

Como a empresa pode prevenir casos de assédio sexual?

 Os danos provocados tanto por assédio moral como sexual não conseguem ser desfeitos. Com base nesse raciocínio, a melhor alternativa sempre será a prevenção. Em alguns casos de assédio sexual, as consequências são gravíssimas, como o suicídio, conforme já mencionado.

É fundamental entender que violências de cunho sexual, em grande parte, ocorrem como consequência de relações de poder nocivas e não por desejo sexual. Se compreendermos a origem do problema fica mais fácil pensar em alternativas, principalmente no que se refere a buscar meios mais saudáveis das pessoas se relacionarem e lidarem com o poder que a elas é conferido no ambiente profissional.

Abaixo, fizemos uma lista de medidas preventivas que podem ser tomadas institucionalmente:

  • Para que seja consultado o clima da organização e identificados focos ou possíveis riscos, existem meios de analisar as condições de convívio dos colaboradores, como pesquisas, questionários, dinâmicas dentre outros. Essa coleta de dados permite a criação de um “raio-x” da cultura institucional daquela organização.
  • Criar canais de denúncia (com a possibilidade de denúncias anônimas) para que ocorrências sejam reportadas e cheguem ao conhecimento dos responsáveis pela organização. O ideal é ter um comitê responsável pelo recebimento e análise dessas informações, podendo ser composto pelos profissionais de RH ou até serviços externos especializados. Sem um canal seguro, as pessoas acabam tendo que lidar sozinhas com as eventuais situações de constrangimento, podendo gerar um efeito de “bola de neve”.
  • Com base nos diagnósticos do clima e cultura organizacional, é possível adotar estratégias direcionadas e personalizadas para cada empresa. Exemplos: adotar manuais de boas práticas, códigos de ética e conduta, treinamentos para gestores e líderes, palestrar temáticas, atividades e comitês relacionadas a diversidade, dentre outros.
    • Apesar de úteis, estes documentos não geram efeitos se implementados isoladamente, sem qualquer treinamento ou mecanismo de sensibilização. É com base nisso que os treinamentos e programas de diversidade e inclusão devem ocorrer de forma periódica. É muito comum que a intolerância e o assédio sejam advindos da ignorância.
    • Criar a oportunidade das pessoas se conscientizarem de seus preconceitos e hábitos nocivos pode trazer resultados positivos para a organização e para os colaboradores. Há pessoas que não se dão conta dos efeitos que seu comportamento tem nos outros e espaços de aprendizado coletivo permitem aprimoramento humano e melhora do clima.
  • A criação de comitês de diversidade visando a coletivização de demandas de minorias também pode auxiliar a organização a se atentar a práticas discriminatórias internalizadas, mas que são sentidas por grupos minoritários, como é o caso de assédio sexual com mulheres, que por vezes não são tão representadas em cargos de gestão. O assédio não é exclusividade de grupos minoritários, contudo, como existe uma maior incidência com estas pessoas, grupos de afinidade ajudam a projetar melhor as ideais e demandas desta natureza.
  • O exemplo é uma ótima forma de aprendizado, por isso, se uma organização tem pessoas em cargos elevados que praticam assédio é muito provável que isso acabe afetando os outros níveis hierárquicos. É positivo que as pessoas se espelhem em boas práticas, sem que pareça que o assédio é algo institucionalmente tolerado ou que comportamento assediante faz parte do perfil de pessoas que têm sucesso na organização.
  • Buscar paridade e diversidade em cargos de liderança. Se apenas pessoas com as mesmas características ocuparem altos cargos, a visão deles é a que prevalecerá sobre a organização. Isso faz com que práticas nocivas que não as afetam permanecerão despercebidas pela organização.[35]
  • É comum que os colaboradores sejam analisados pelo desempenho exclusivo de suas atividades profissionais, contudo, incluir nesta análise avaliações de comportamento e convívio social ajuda a passar a mensagem de que o crescimento profissional também dependerá da capacidade de conviver de forma saudável e respeitosa com os outros.

A empresa demonstrará de fato que é vigilante com questões relacionadas ao ambiente do trabalho e, sobretudo, em relação ao assédio, quando coibir que colaboradores consigam se beneficiar profissionalmente e crescer na empresa às custas de comportamentos inadequados ou sabotadores a outros. Pode ser que, em curto prazo, pareça razoável promover e incentivar uma pessoa tecnicamente boa com comportamento sabidamente assediador, mas em médio e longo prazo esse indivíduo pode prejudicar o rendimento de outros e até causar riscos para a organização, sejam eles jurídicos, financeiros e até mesmo risco reputacional em larga escala.

Como ocorre a responsabilização jurídica do agressor e da empresa?

 Havendo o assédio sexual, a vítima poderá buscar a responsabilização diretamente do agressor. No âmbito trabalhista, a empresa responde pelos atos praticados pelos empregados, incluindo casos de assédios, nos quais se confirmar o dano sofrido, enseja o pagamento de indenização pela empresa à vítima. A fundamentação legal destes processos normalmente é feita com base nas seguintes normas:

  • Artigo 5° inciso, X da Constituição Federal;
  • Artigos 186, 187, 932, inciso III, e 933 do Código Civil;
  • Artigos 482 e 483 e todo o título II-A (Artigos 223-A a 223-G) da CLT; e/ou
  • Artigo 216-A do Código Penal.

Contudo, a depender do caso concreto, é possível que, além do assédio sexual, o agressor tenha incorrido em assédio moral e/ou em crimes como: importunação sexual[36], estupro[37], calúnia[38], difamação[39], injúria[40] e por vezes até injúria racial[41] e/ou racismo[42].

O colaborador que sofreu – ou estiver sofrendo – assédio e conseguir comprovar o dano em juízo, também poderá fazer o pedido de rescisão indireta, solicitando o pagamento da integralidade das verbas rescisórias mesmo que ele/ela que tenha pedido demissão em razão disso.

A empresa que tiver que arcar com custos indenizatórios em razão de assédio cometido por parte de um de seus colaboradores também poderá entrar com uma ação de regresso contra o próprio assediador, pedindo, judicialmente, que sejam restituídos os valores gastos pela empresa em razão dos atos de assédio praticados contra outro colaborador.

Além disso, pode ocorrer o envolvimento do Ministério Público do Trabalho (“MPT”) na questão, caso chegue até o seu conhecimento o problema, por meio de denúncia, por exemplo. Cabe ao MPT promover a Ação Civil Pública no âmbito da Justiça do Trabalho para defender interesses coletivos quando estes são desrespeitados. O MPT também exerce um papel na resolução administrativa (extrajudicial) de conflitos, da seguinte forma:

“podendo instaurar inquéritos civis e outros procedimentos administrativos; notificar as partes envolvidas para que compareçam a audiências, forneçam documentos e outras informações necessárias; firmar termo de ajuste de conduta, visando à regularização das condutas.”[43]

Conclusão

 Nas palavras da Professora e Pesquisadora Maria Ester de Freitas:

“Confunde-se assédio sexual com modismo. A prática não é nova, a novidade é a busca de discussão, de punição, de criminalização. À medida que as sociedades se democratizam, os indivíduos, aliados ao maior acesso à informação, ficam mais conscientes de seu papel enquanto cidadãos, tornando mais difícil a convivência com práticas repressivas e autoritárias. O direito de recorrer de uma decisão ou prática injusta, ou considerada injusta, é garantido em quase todas as sociedades modernas.” [44]

A percepção do que é ou não tolerável socialmente muda ao longo do tempo conforme a história e a cultura. O Direito e as pessoas devem acompanhar esse movimento para poderem viver em harmonia. Isso é observável de forma clara se olhamos para o passado e analisamos a quantidade de condutas que deixamos de praticar como sociedade por entendermos estas formas impróprias de tratarmos uns aos outros.

A prevenção e o enfrentamento ao assédio são tarefas contínuas dentro de uma organização, especialmente pelo fato de o quadro de colaboradores estar em constante transformação. É normal que conflitos ocorram no decorrer das atividades de uma empresa, contudo, alguns casos podem deixar de ser conflitos pontuais, brincadeiras, “cantadas” e configurar assédio.

Ignorar estes casos pode resultar em responsabilização e indenizações severas à empresa, além de, em casos extremos, colocar a saúde e a vida dos colaboradores em risco.

Revisoras:

/ Yara Cristina Leal Girasole Costa

/ Marcella Lange Del Vecchio

Projeto Gráfico:

/ Laura Wolff Bandeira Klink

NOTAS E REFERÊNCIAS:

Notas

[1] MEIRELLES, Alexa. 1 a cada 5 profissionais sofreu assédio no ambiente de trabalho. Veja relatos. 11 jul 2019. Disponível em: https://exame.abril.com.br/carreira/1-a-cada-5-profissionais-sofreu-assedio-sexual-no-trabalho-veja-relatos/ . Acesso em: 05 jan 2020.

[2]DATAFOLHA INSTITUTO DE PESQUISAS. 42% das mulheres brasileiras já sofreram assédio sexual. Disponível em: https://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2018/01/1949701-42-das-mulheres-ja-sofreram-assedio-sexual.shtml . Acesso em: 05 jan 2020.

[3] ALMEIDA, Cássia; CAVALCANTI, Glauce e BATISTA, Henrique Gomes. Assédio no trabalho dificulta ascensão de mulheres nas empresas. 14 jan. 2018. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/assedio-no-trabalho-dificulta-ascensao-de-mulheres-nas-empresas-22285265#ixzz63J06RFFlstest.  Acesso em: 05 jan 2020.

[4] Muito se fala sobre a entrada das mulheres no mercado de trabalho formal como um acontecimento recente. Por mais que isso seja parcialmente verdade, é primordial o reconhecimento de que isso não ocorreu da mesma forma para todas no Brasil. Pelo histórico escravocrata, quando falamos da entrada feminina no mercado de trabalho formal trata-se do escopo de mulheres brancas e de classe média/alta, já que trabalhadoras pobres e negras sempre existiram, principalmente em funções associadas à vida doméstica (seja como pessoas escravizadas seja como livres/libertas visando subsistência) e não por empoderamento. Estas relações de poder e trabalho tornaram a exploração sexual destas mulheres “legítima” por décadas, já que o estupro de pessoas escravizadas era cotidiano e o passado escravocrata brasileiro tem pouco mais de 100 anos. Conforme explica a Professora e Pesquisadora da da FGV-EAESP, Maria Ester de Freitas: “Quando retrocedemos um pouco mais no passado, e especialmente no passado escravagista brasileiro, encontraremos o senhor, dono não apenas do trabalho mas também do corpo e alma de sua serva”. In FREITAS, Maria Ester de. Assédio moral e assédio sexual: faces do poder perverso nas organizações. Revista de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas. Volume 41, n. 02, 2001. Disponível em https://www.fgv.br/rae/artigos/revista-rae-vol-41-num-2-ano-2001-nid-46224/. Acesso em: 05 jan 2020.

[5] A discrepância no acesso a oportunidades afeta algumas mulheres ainda mais que outras, como é o caso de mulheres negras, mulheres travestis e transexuais, mulheres lésbicas e bissexuais, mulheres deficientes, mulheres pobres e assim por diante. Isso se dá porque as barreiras a elas impostas em razão de desigualdade de gênero acabam sendo aliadas a outras como o racismo, a LGBT+fobia, classismo, capacitismo… São nessas circunstâncias que muitos dos casos de assédio moral podem coincidir com casos de assédio sexual.

[6] SENADO FEDERAL. Assédio Moral e Sexual no Trabalho. Biênio de 2017 – 2019. Disponível em https://www12.senado.leg.br/institucional/procuradoria/proc-publicacoes/cartilha-assedio-moral-e-sexual-no-trabalho Acesso em 15 jan 2020

[7] BARIFOUSE, Rafael. Metade dos brasileiros já sofreu assédio no trabalho, aponta pesquisa. 15 jun de 2015. Disponível em https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/06/150610_assedio_trabalho_pesquisa_rb Acesso em: 20 jan 2020.

[8] BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Artigo 215-A. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm .

[9] O Projeto de Lei do Senado n° 287, de 2018, de autoria da Senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB/AM) visa alterar o Código Penal para excluir a exigência da condição de superior hierárquico para a configuração do crime de assédio sexual. Também prevê causas de aumento de pena pelo concurso de 2 ou mais pessoas e pela condição de autoridade sobre a vítima. O projeto ainda está em tramitação. In SENADO FEDERAL. Projeto de Lei do Senado n° 287, de 2018.  Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para dispor sobre o crime de assédio sexual. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/133617. Acesso em 15 jan 2020.

[10] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. Editora LTr São Paulo. 31ª Edição, 2005. Página 135.

[11] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção nº 190, de 2019. Disponível em  https://www.ilo.org/dyn/normlex/en/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_ILO_CODE:C190  Acesso em: 23 set 2019.  

[12] Ibidem, “1. For the purpose of this Convention: (…) (b) the term ‘gender-based violence and harassment’ means violence and harassment directed at persons because of their sex or gender, or affecting persons of a particular sex or gender disproportionately, and includes sexual harassment.”

[13] Ibidem. Artigo 1º (A).

[14] Importante salientar que a OIT neste documento não diferencia assédio moral e assédio sexual. Além disso, engloba na mesma definição atos que sejam pontuais, portanto, não precisando da reiteração, conforme foi construída a definição de assédio moral no Brasil feita pela jurisprudência e doutrina.

[15] Vale lembrar que apenas a análise do caso concreto por um(a) advogado(a) é que permitirá uma avaliação segura de como configurar a conduta.

[16] Fazer comentários de cunho sexual, assim como perguntas indiscretas para pessoas trangêneras, podendo caracterizar o crime de transfobia, a depender do caso. Pessoas trans são aquelas que não vivenciam e não se identificam com a identidade de gênero que foi atribuída a ela no nascimento, independente de alterações corporais, como pessoas travestis, transexuais. Para maiores informações sobre este tema, acesse o nosso “Guia para retificação do registro civil de pessoas não-cisgêneras”.

[17] Mulheres pardas e negras costumam ser maiores vítimas pela fetichização e hiperssexualização de seus corpos que ocorre, principalmente, durante o carnaval. Casos assim podem não só caracterizar assédio sexual e moral como injúria racial ou até racismo. PRADO, Carolina; CUNHA, Simone. Mais vulneráveis ao acesso, mulheres negras contam casos de preconceito. 20 nov 2018. Disponível em: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2018/11/20/mais-vulneraveis-ao-assedio-mulheres-negras-contam-casos-de-preconceito.htm . Acesso em: 20 jan 2020.

[18] A dinâmica de poder nestas relações pode trazer constrangimento ou até medo por parte da pessoa com cargo hierárquico inferior, temendo alguma represália ou consequência profissional caso negue investidas ou avanços de seu superior hierárquico. Quando uma parte não tem poder sobre a outra, externalizar a vontade costuma ser menos comprometedor por ter menos em jogo.

[19] SARINGER, Giuliana. Advogados veem falta de clareza em PL que criminaliza assédio moral. 14 mar 2019. Disponível em https://noticias.r7.com/economia/advogados-veem-falta-de-clareza-em-pl-que-criminaliza-assedio-moral-15032019 Acesso em 23 set 2019.

[20] MARIMON, João Antonio. PL 4.742/01 e a criminalização do assédio moral. 13 abr 2019. Disponível em  https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/pl-4-742-01-e-a-criminalizacao-do-assedio-moral-13042019 Acesso em 23 set 2019.

[21]HENCSEY, Antonio Carlos. O que esperar da lei que criminaliza o assédio moral no trabalho? 16 abr 2019. Disponível em https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/o-que-esperar-da-lei-que-criminaliza-o-assedio-moral-no-trabalho/           Acesso em 23 set 2019.

[22]  BRASIL. Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.492, de 1º de maio de 1943, e as Leis nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Disponível em:  https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm  Acesso em 23 set 2019.

[23] Ibidem.

[24] Por isso, é com base na construção doutrinária e jurisprudencial que é possível identificar se uma prática pode ser considerada, ou não, assédio moral passível de indenização.

[25] Apesar de ter esclarecido as hipóteses de dano extrapatrimonial, a norma limitou ao que está listado nesse trecho da lei o que é passível de reparação, conforme explica o Art. 223-A., que diz: “Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título.” (grifos nossos).  

[26] BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Artigos 223-B, 223-C, 223-E e 223-F. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm  Acesso em 23 set 2019

[27] Ibidem. “Art. 223-G.  Ao apreciar o pedido, o juízo considerará:

I – a natureza do bem jurídico tutelado;

II – a intensidade do sofrimento ou da humilhação;

III – a possibilidade de superação física ou psicológica;

IV – os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão;

V – a extensão e a duração dos efeitos da ofensa

VI – as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral;

VII – o grau de dolo ou culpa;

VIII – a ocorrência de retratação espontânea;

IX – o esforço efetivo para minimizar a ofensa;

X – o perdão, tácito ou expresso;

XI – a situação social e econômica das partes envolvidas;

XII – o grau de publicidade da ofensa.”

[28] Ibidem. “Art. 223-G.  Ao apreciar o pedido, o juízo considerará: (…)

§1° Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:

I – ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido;

II – ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;

III – ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido;

IV – ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.

(…)

§3° Na reincidência entre partes idênticas, o juízo poderá elevar ao dobro o valor da indenização.”

[29] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. OAB questiona limitação de valores de indenizações por danos morais nas relações de trabalho.  15 fev 2019. Disponível em:  https://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=403531  Acesso em 23 set 2019.

[30] MOTHÉ, Claudia Brum. Suicídio e trabalho: setembro amarelo. 18 set 2018. Disponível em  https://emporiododireito.com.br/leitura/suicidio-e-trabalho-setembro-amarelo. Acesso em: 25 jan 2020.

[31] FRIBORG, Maria K; HANSEN, Jørgen V; ALDRICH, Per T; FOLKER, Anna P; KJÆR, Susie; NIELSEN, Maj Britt; RUGULIES, Reiner; MADSEN, Ida E. H. Workplace sexual hasrassment and depressive symptoms: a cross-sectional multilevel analysis comparing harassment from clientes or customers to harassament from other employees amongst 7603 employees from 1041 organizations. 27 set 2017. Disponível em  https://bmcpublichealth.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12889-017-4669-x. Acesso em: 25 jan 2020.

[32] SANTOS, Marcelo Augusto Finazzi; SIQUEIRA, Marcus Vinícius Soares. Considerações sobre trabalho e suicídio: um estudo de caso. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional. Volume 36, n. 123, São Paulo, jan/jun 2011. Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0303-76572011000100007. Acesso em: 25 jan 2020.

[33] CHAGAS, Paulo Victor. Transtornos mentais são terceira maior causa de afastamento do trabalho. 26 abr 2017 Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-04/transtornos-mentais-sao-terceira-maior-causa-de-afastamento-do-trabalho  Acesso em 23 set 2019.

[34] FREITAS, Maria Ester de. Assédio moral e assédio sexual: faces do poder perverso nas organizações. Revista de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas. Volume 41, n. 02, 2001. Disponível em https://www.fgv.br/rae/artigos/revista-rae-vol-41-num-2-ano-2001-nid-46224/. Acesso em: 25 jan 2020.

[35] Neste sentido, estudos vêm demonstrando um vínculo cada vez maior entre desempenho financeiro e diversidade das equipes dentro de uma empresa. Um destes estudos foi promovido pela McKinsey & Company em 2014 e em 2017, e mostram que empresas com composição variada de gênero, étnica e cultural nas equipes e nos cargos de liderança possuem performance financeira superior às demais. HUNT, Vivian; YEE, Lareina; PRINCE, Sara; DIXON-FYLE, Sundiatu. A diversidade como alavanca de performance. Jan 2018. Disponível em: https://www.mckinsey.com/br/our-insights/delivering-through-diversity Acesso em 23 set 2019.

[36] BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Artigo 215-A. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm . Acesso em: 25 jan 2020.

[37] Ibidem. Artigo 213.

[38] Ibidem. Artigo 138.

[39] Ibidem. Artigo 139.

[40] Ibidem. Artigo 140.

[41] Ibidem. Artigo 140, §3º.

[42] BRASIL. Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou cor. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm  Acesso em 23 set 2019.

[43] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Assédio Sexual no trabalho é tema de nova cartilha da OIT e do MPT. 21 jun 2017. Disponível em https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_559573/lang–pt/index.htm . Acesso em: 25 jan 2020.

[44]FREITAS, Maria Ester de. Assédio sexual: a proposta perversa. Revista de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas. Volume 36, n. 03, 1996. Disponível em https://www.fgv.br/rae/artigos/revista-rae-vol-36-num-3-ano-1996-nid-45038/ . Acesso em: 25 jan 2020.  

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