O que e a Declaração dos direitos das crianças?

Hoje, crianças e adolescentes são reconhecidas como sujeitos de direito, ou seja, assim como os adultos, têm direitos e garantias fundamentais que devem ser asseguradas e exercidas em nome próprio. Porém, nem sempre foi assim e esse reconhecimento é fruto de um longo percurso histórico impulsionado por movimentos e marcos legais nacionais e internacionais, como a Convenção Sobre os Direitos da Criança, que completa 31 anos em 2020.

Adotada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 20 de novembro de 1989, a Convenção reconhece como criança todo indivíduo com menos de 18 anos de idade. E confere a esta população, em todo o mundo, pela primeira vez, todos os direitos até então reservados aos adultos, inclusive os inscritos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948.

O documento também determina que estes direitos devem ser exercidos sem nenhum tipo de discriminação, de raça, cor, sexo, origem, religião, posição econômica ou deficiência física; e que todas as ações relativas à criança devem considerar primordialmente seu melhor interesse.

Para celebrar o aniversário desse marco na defesa dos direitos das crianças, listamos seis coisas fundamentais que todo mundo precisa saber sobre a Convenção Sobre os Direitos da Criança. Confira:

1. É o instrumento de direitos humanos mais aceito na história universal

Quase todos os países do mundo assinaram o compromisso de fazer valer os direitos inscritos na Convenção Sobre os Direitos da Criança. O tratado foi ratificado por 196 países e é o instrumento de direitos humanos mais aceito na história, apenas os Estados Unidos não se comprometeram a segui-lo. Os países signatários têm de apresentar, periodicamente, relatórios sobre as medidas adotadas para tornar efetivos os direitos reconhecidos na Convenção e sobre os progressos alcançados.

2. O Brasil foi um dos primeiros países a ratificar a Convenção Sobre os Direitos da Criança em 1990

No final da década de 1980, com a redemocratização pós-ditadura militar, foi estabelecido  no Brasil um novo olhar sobre os direitos de crianças e adolescentes. A nova Constituição Federal de 1988 estabeleceu, no artigo 227, a doutrina da proteção integral; a responsabilidade compartilhada entre família, Estado e sociedade de garantir os direitos dessa população; e o reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos de direito. A partir de então, diversas leis que instituem políticas direcionadas à infância e adolescência foram criadas no país, como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em julho de 1990, uma das primeiras legislações do mundo completamente sintonizadas com a Convenção. Impulsionado por esses avanços legais e pelo debate internacional a respeito dos direitos de crianças e adolescentes, o país ratificou, em 24 de setembro de 1990, a Convenção Sobre os Direitos da Criança, reafirmando o compromisso brasileiro com os direitos desta população.

3. O Brasil participou da construção da Convenção

Em 1978, o primeiro projeto da Convenção Sobre os Direitos da Criança foi formalmente apresentado à Comissão de Direitos Humanos da ONU pelo governo polonês, porém, a proposta inicial recebeu muitas críticas por não tratar, dentre outras coisas, de uma série de direitos. Assim, para a construção do segundo projeto do tratado, a Comissão decidiu criar um Grupo de Trabalho (GT), que se reuniu uma vez por ano entre 1980 e 1987 e em duas ocasiões em 1988.

Nos encontros, houve uma participação constante de representantes brasileiros em todas as sessões a partir de 1981. Segundo a diplomata Marília Sardenberg, que participou das discussões do GT representando o Brasil, em entrevista sobre os 30 anos do marco, a principal contribuição do Brasil foi “buscar evitar que concepções e padrões de países ricos e desenvolvidos viessem impor políticas, valores e programas incompatíveis com nossas capacidades e recursos, na área dos direitos das crianças”.

4. Principais conquistas do tratado
Em 54 artigos, a Convenção traz diversas conquistas para os direitos de crianças e adolescentes e apresenta avanços fundamentados nos princípios da não discriminação, do melhor interesse das crianças, do direito à vida, à sobrevivência e ao desenvolvimento, e do respeito às opiniões das crianças. Complementarmente, o tratado também dispõe de protocolos facultativos – ou seja, que os países signatários da Convenção decidem se querem adotar ou não – que são usados para aprofundar questões apresentadas no documento original ou para abordar novas preocupações. São três protocolos, dois foram adotados em 2000: um aumenta a proteção das crianças contra o envolvimento em conflitos armados e outro recomenda a criminalização da venda de crianças, da exploração sexual e da pornografia infantil; o terceiro foi adotado pela Convenção em 2014, e permite que  crianças apresentem reclamações de violações dos seus direitos diretamente ao Comitê dos Direitos da Criança, que é responsável por monitorar a aplicação das disposições do tratado. O Brasil é signatário deste terceiro. Em 2019,  adolescentes de doze países apresentaram ao Comitê uma denúncia contra cinco países que estão se omitindo ou agindo deliberadamente de modo contrário ao que se comprometeram a fazer para frear as mudanças climáticas no Acordo de Paris. Na ocasião, o Brasil foi representado por Catarina Lorenzo, de 12 anos.

5. Principais avanços brasileiros desde a ratificação da Convenção Sobre os Direitos da Criança

No Brasil, os principais avanços dos direitos de crianças e adolescentes foram frutos da soma do novo olhar estabelecido desde o final da década de 1980, com a promulgação da nova Constituição, a instituição de políticas públicas para a infância e a adolescência e a assinatura de tratados internacionais como a Convenção. Os indicadores mostram que esses impactos puderam ser sentidos nas áreas de educação, saúde, proteção social e várias outras: a taxa média de analfabetismo entre crianças e adolescentes de 10 a 18 anos caiu 88,8%; a evasão escolar, de adolescentes de 15 a 17 anos, caiu quase 50%; entre 1990 e 2012, a taxa de mortalidade infantil, de crianças de até 1 ano de idade, caiu 75% no Brasil; de 1992 a 2013, o número de crianças de 5 a 15 anos em situação de trabalho infantil caiu 76%; e, de 1994 a 2014, número total de pessoas subalimentadas sofreu redução de 84,7%.

6. Principais desafios brasileiros para a efetiva implementação da Convenção Sobre os Direitos da Criança

As desigualdades sociais persistem apesar dos avanços e dos direitos assegurados. Milhões de crianças e adolescentes continuam privados de direitos fundamentais e expostos a diferentes formas de violência e exploração. Ainda, novos desafios se apresentam, como a crise climática e a poluição do ar – responsável pela morte de pelo menos 633 crianças menores de cinco anos a cada ano no Brasil.
Os dados mostram, também, que ainda temos um longo caminho a trilhar até a efetiva implementação de todos os direitos assegurados às crianças pela Convenção. Em 2016, a mortalidade infantil no país, depois de 26 anos em queda, voltou a subir; em média, duas crianças de até 5 anos ainda morrem por dia no Brasil em razão de diarreia, que poderia ser  evitada com acesso à água potável, medidas de higiene e saneamento básico; crianças e adolescentes são a maioria das vítimas de estupro no país; e, entre 1980 e 2014, mais de 200 mil crianças e adolescentes brasileiras foram assassinados no país, a violência é maior contra pessoas negras – em 2014 morreram 195,3% a mais em comparação a pessoas brancas.

Em 2015, o Comitê dos Direitos da Criança apresentou ao Brasil uma série de recomendações para efetiva implementação da Convenção, relembrando que a criança não é apenas o futuro, mas também o presente. Dentre as recomendações, indica: garantir a alocação de recursos para crianças de grupos vulneráveis, como indígenas, afrodescendentes e crianças com deficiência, e proteger esses recursos de cortes em situações de crise econômica; melhorar o sistema de coleta de dados, especialmente sobre a questão da violência contra crianças e adolescentes; e o estabelecimento de um mecanismo independente específico para monitorar os direitos das crianças e realizar atividades de acompanhamento e verificação para vítimas.