O que o imperador fez para administrar o conflito entre conservadores e liberais?

Artigo publicado na edi��o n� 30 de abril de 2008.

Crise partid�ria e labirinto pol�tico no Brasil Imp�rio


Antonio Marcelo Jackson F. da Silva

O per�odo que vai de 1864 a 1868 conviveu com guerras distintas. No primeiro grupo de �guerras� estariam os conflitos com a Argentina, Uruguai e Paraguai, ou seja, com a pol�tica externa do Brasil, e que apenas citaremos quando se fizer necess�rio � dada � dist�ncia em rela��o ao tema a ser exposto; j� no segundo grupo � que efetivamente nos interessa � est�o as �guerras� intestinas que os liberais travavam desde, pelo menos, 1862. Neste aspecto, a fragmenta��o que o Partido Liberal experimentava refletia nos gabinetes que, em tese, deveriam servir de baluarte �s propostas desse grupo pol�tico. J� no Primeiro Gabinete Zacarias (1862) a divis�o ficara n�tida com a queda do mesmo em apenas tr�s dias por voto de desconfian�a[*1]; e a seq�ela foi o surgimento da Liga (denominada em 27 de maio do mesmo ano de Partido Progressista) reunindo alguns liberais e dissidentes do Partido Conservador.

Lamentavelmente, o problema n�o se restringia a isso. O fazer pol�tica de certas lideran�as liberais tamb�m oferecia algum empecilho a qualquer chance de se apresentar e de se concretizar certas reformas. Esse era o caso de Zacarias de G�es e Vasconcellos que, segundo Joaquim Nabuco,

[era] met�dico em toda a sua vida, minucioso como um burocrata em cada tra�o de pena, chamando tudo e todos a contas com a r�gua do pedagogo constitucional, ele foi o mais implac�vel, e tamb�m o mais autorizado censor que a nossa tribuna parlamentar conheceu. Sua exist�ncia pol�tica pode ser comparada � do religioso a quem s�o vedadas as amizades pessoais e que se deve dedicar todo � sua Ordem, obedecer s� � sua regra.[*2]

E assim agindo, levando a ferro e fogo os princ�pios constitucionais, Zacarias acabava por abdicar de qualquer pretens�o as a��es mais contundentes como, por exemplo, uma reforma ampla nas estruturas do Estado. Tanto � que, ao liderar o grupo dos progressistas, postava-se como radicalmente contra qualquer mudan�a no sistema eleitoral � pela ado��o de elei��es diretas e universais � ou na Constitui��o[*3], e provocava em Tavares Bastos � uma das principais lideran�as do Partido �, tempos depois (em uma reuni�o na casa de Bastos onde se procurava curar todas as feridas que separavam os dois grupos liberais), o seguinte coment�rio: �o progressismo subsiste. Com ele, nada se far�.[*4]

Tal quest�o aparecia nitidamente no pr�prio programa do grupo:

a �nfase principal do programa, refletindo as preocupa��es do magistrado Nabuco [Nabuco de Ara�jo, um dos principais l�deres progressistas], estava em problemas de organiza��o e processos judici�rios. Nabuco percebia, com outros conservadores, que o rigor da Lei de 1841 j� se tornara desnecess�rio e que ela deveria ser reformada no sentido de separar as fun��es judiciais das policiais e de dar maior autonomia e profissionaliza��o aos magistrados. Segundo ele, estas reformas proporcionariam maiores garantia e prote��o aos direitos individuais. O programa repetia tamb�m as velhas demandas liberais por maior descentraliza��o, mas sem sugerir mudan�as importantes no sistema pol�tico.[*5]

Isso explica boa parte das diverg�ncias internas dos liberais. Por um lado os chamados hist�ricos, fi�is defensores das reformas e do entendimento que o modelo pol�tico brasileiro naufragaria caso medidas urgentes n�o fossem tomadas; por outro, os progressistas, que transitavam aleatoriamente entre certos princ�pios liberais e certas teses conservadoras, entendendo que qualquer medida a ser tomada n�o poderia ferir os ditames expressos nas leis adotadas desde a independ�ncia, ou seja, antes de se reformar o modelo, era necess�rio conceber outras maneiras de se interpretar a legisla��o.

Somando-se a isso, a pura e simples exist�ncia do Poder Moderador j� causava uma s�rie de transtornos na elite pol�tica brasileira. Particularmente, a d�cada de 1860 acabou por ver, ou acreditar que via, a materializa��o de boa parte desses temores. Em 1865, um panfleto publicado de forma an�nima (posteriormente, descobriu-se que era de autoria de Sousa Carvalho), tinha como t�tulo O Imperialismo e a Reforma e introduzia no Brasil a express�o que doravante seria um sin�nimo de �governo pessoal�, ou seja, a interfer�ncia abusiva do Imperador nos destinos pol�ticos do pa�s[*6]. Essa discuss�o, que, para o bem da verdade n�o era privil�gio das elites brasileiras, tinha como cerne se saber se o rei reina e n�o governa[*7] ou se o rei reina e governa. Para Jos� de Alencar, por exemplo,

nas Cartas de Erasmo, publicadas em 1866, o que se quer � que exer�a, enfim, o imperador, as atribui��es que lhe competem, isto �, tanto as do Poder Moderador, a ele delegado privativamente, como as de Chefe do Executivo e primeiro representante da na��o. Todas se acham estatu�das, ali�s, na constitui��o do Imp�rio e s�o esposadas pela f�rmula de Itabora�: o rei reina, governa e administra. O que est� longe de ser autorizado pela constitui��o � a f�rmula de Thiers, segundo a qual o rei �reina e n�o governa.

Em outras palavras, em termos constitucionais, n�o poderia haver nenhum constrangimento a qualquer a��o de Pedro II no sentido de alterar o jogo pol�tico ou, como ocorrera em diversas ocasi�es, derrubar a C�mara e convocar novas elei��es, ou seja, transformar-se � ou ter o poder de se transformar � no �nico eleitor, de fato, em todo o territ�rio; o �nico em condi��es de ditar e/ou influenciar diretamente o jogo pol�tico. Esse modelo, que Tavares Bastos lutava a todo custo para alterar e que n�o podia contar com o aux�lio da ala progressista, produzia toda a sorte de contradi��es no pa�s, principalmente naquela d�cada de 1860 em que o monarca passara a ter uma atitude mais incisiva nos des�gnios da na��o[*8]:

contradi��o entre o princ�pio moderno da soberania popular e o da san��o divina; entre um sistema nominalmente representativo e a car�ncia de verdadeira representa��o; entre um regime de natureza aristocr�tica e a inexist�ncia de aristocracias tradicionais; entre um liberalismo formal e a falta de aut�ntica democracia; finalmente entre uma carta outorgada, de cunho acentuadamente mon�rquico, e uma constitui��o n�o escrita que pende para o parlamentarismo.[*9]

E, com o Terceiro Gabinete Zacarias, a contar de agosto de 1866, essas contradi��es foram agravadas pela divis�o dos liberais. O labirinto pol�tico, portanto, ganhara tons nebulosos.

A crise que se instaura no Terceiro Gabinete, para o bem da verdade, tivera in�cio logo no primeiro momento. A ascens�o de Zacarias fora poss�vel por uma diferen�a de apenas tr�s votos (3 de agosto de 1866) e a mo��o de desconfian�a no ano seguinte que por muito pouco quase n�o o derruba partira de um liberal hist�rico, Franco de Almeida, o que configurava n�o apenas a �m� vontade geral� do grupo hist�rico � nas palavras de S�rgio Buarque de Holanda[*10] � como tamb�m indicava que, provavelmente, o maior desafio do progressista Zacarias estaria nas hostes de seu pr�prio partido. E a divis�o era tamanha que mesmo a vit�ria liberal nas elei��es municipais em 1867 pouco ou nada aplacou o cisma entre os grupos.

Esta oposi��o dom�stica se confirmaria como o grande desafio em virtude da retra��o que sofrera o Partido Conservador � �poca: quase entrincheirados na prov�ncia do Rio de Janeiro, e contando t�o somente com a �lideran�a puritana�, conforme Raymundo Faoro, os conservadores viam com toda a parcim�nia qualquer possibilidade de assumirem o governo (se a crise entre os Liberais fosse ampliada) por receio disto ocorrer por meio de uma a��o absolutamente parcial do Poder Moderador ou mesmo do Conselho de Estado[*11]; somando-se ao fato de terem que administrar o �nus da Guerra do Paraguai que j� se arrastava por um tempo maior do que fora publicamente assumido no in�cio[*12]. Por essa raz�o, com os conservadores recolhidos em seu canto, a �nica oposi��o que efetivamente ocorria, tinha sua origem dentro do pr�prio grupo liberal.[*13]

Contudo, essa divis�o do Partido de Tavares Bastos e Zacarias de G�es n�o se restringia apenas a estes dois segmentos. Observando com mais acuidade, os liberais, desde a forma��o do partido no in�cio do Segundo Reinado, j� se apresentavam em correntes distintas. De um lado, havia o grupo que acabaria se autodenominando hist�rico, defensor das reformas no Estado com o fim de se programar todas as reivindica��es defendidas pelo partido. Era, portanto, aquele que procuraria sustentar a todo o custo as bandeiras partid�rias e que tinha dentro de seus quadros, entre outros, Tavares Bastos e Jos� Ant�nio Saraiva. De outro lado, um grupo mais radical, em parte seguidores de certos princ�pios defendidos na Revolu��o Praieira, de 1848 em Pernambuco, e que, atrav�s de uma pr�tica mais jacobina, defendia que as reformas necess�rias deveriam ser implementadas de qualquer maneira, independentemente do custo pol�tico que isso pudesse gerar. Desse, faziam parte Limpo de Abre u e Sousa Carvalho[*14]. Por fim, os chamados progressistas, fruto de uma coaliz�o entre conservadores dissidentes e liberais moderados, acreditavam nas reformas, por�m, sem abrir m�o dos princ�pios constitucionais e do modelo adotado, ou seja, todas as teses n�o poderiam passar dos limites determinados pela Carta de 1824. Neste grupo estavam Zacarias de G�es e Vasconcellos e Nabuco de Ara�jo.

Nestes termos, o Partido Liberal apenas se apresentava coeso em quest�es razoavelmente pontuais, como nas elei��es ou no enfrentamento mais abrupto ao Partido Conservador.

De outro lado, o pr�prio Partido Conservador, quando observado mais de perto, tamb�m apresentava fissuras, ainda que n�o necessariamente de uma forma t�o marcante quanto os liberais. De uma parte, havia o segmento mais autorit�rio, defensor intransigente da ordem estabelecida e do modelo mon�rquico brasileiro, e que possu�a no Visconde de Uruguai e no Bar�o de Cotegipe seu paradigma; de outra, um grupo mais moderado, defensor de um equil�brio entre os diversos setores pol�ticos, como, por exemplo, o direito das minorias, tendo o Marqu�s de Paran� e Jos� de Alencar como seus ide�logos.

Reunindo propostas e a��es, escritos e pr�ticas, a elite pol�tica brasileira n�o possu�a a homogeneidade que tantas das vezes poder�amos crer, independentemente da forma��o intelectual que possu�am. De certa forma e at� mesmo em virtude dessa fragmenta��o, os arranjos pol�ticos eram inst�veis em boa parte das vezes, transformando as decis�es em movimentos pendulares, de idas e vindas � como fora o caso do sistema eleitoral �, ou ent�o as retardando por um tempo desnecess�rio � como no exemplo do C�digo Civil. Assim tamb�m a interfer�ncia de Pedro II no parlamento via Poder Moderador apresentava-se de forma mais acintosa do que a ideal em virtude dessa fragmenta��o, ou seja, com a conseq�ente fragilidade dos partidos, a a��o do monarca tornava-se um mal necess�rio � m�quina administrativa e pol�tica do pa�s.

N�o se quer dizer, com isso, que a atua��o do Imperador tenha sido aceit�vel em todo o per�odo ou, de outra maneira, que o modelo pol�tico fosse correto. O problema � que, frente a uma fragmenta��o partid�ria nos termos apresentados acima, o equil�brio somente poderia brotar por meio da a��o do monarca, fazendo com que fosse constitu�do o labirinto em que todos seriam aprisionados. E o pr�prio Pedro II reconheceria, em diversos momentos, essa dificuldade: �haja elei��es como elas devem ser, e o Brasil ter� certo o futuro e o monarca dias serenos�[*15] . Em outras palavras, fosse entendida como um "mal necess�rio" ou como parte corrente do jogo pol�tico, o fato � que essa interven��o do Imperador produzia mal estar em todos os atores.

Evidentemente, cabe a pergunta de se saber o porqu�, ent�o, de nenhuma medida ser tomada para se resolver o problema. A resposta reside na pr�pria fragmenta��o. Qualquer um dos grupos � e n�o estamos falando aqui de partidos � que assumisse o poder procuraria sedimentar-se e, para isso, tanto na ascens�o ao governo quanto na sua manuten��o, necessitaria do apoio de Pedro II. A "constru��o da ordem", para usarmos a conhecida express�o de Jos� Murilo de Carvalho, era tamb�m a "constru��o da desordem", pois o modelo que fornecia os alicerces para a manuten��o do Imp�rio era o mesmo que ro�a, pouco a pouco, as suas bases.

Frente a isso, dois pontos ganham maior relevo. O primeiro, a conhecida doutrina Alves Branco, do Visconde de Caravelas, que defendia o princ�pio de que o funcion�rio p�blico devia total fidelidade ao governo � ou antes, ao grupo pol�tico que estava no poder. Em fun��o da presen�a marcante de funcion�rios p�blicos no parlamento, a doutrina tornava-se grave quando pensamos que essa "fidelidade" n�o estaria vinculada nem mesmo ao partido, mas sim, ao grupo que assumira o poder, tornando a dan�a das cadeiras no funcionalismo um ritual muito mais esquizofr�nico do que se pode imaginar. Nesse sentido, Tavares Bastos defendia a necessidade de se profissionalizar o funcion�rio do Estado, n�o apenas para combater diretamente a doutrina Alves Branco (pois, desvincularia o empregado do grupo pol�tico vigente ao mesmo tempo em que daria autonomia a este quando, por acaso, atuasse dentro do parlamento), mas tamb�m, ofereceria uma modesta chance de se ate nuar o mal que esta fragmenta��o pol�tica causava na administra��o p�blica. Em outras palavras, Bastos procurava criar as condi��es necess�rias para se separar a esfera pol�tica da administrativa, enquanto o Visconde de Caravelas as reunia sem nenhum pudor. Segundo S�rgio Buarque de Holanda, este foi um dos principais fatores que distanciavam o Brasil de outros pa�ses � �poca, pois, ainda que o problema aparecesse em pa�ses como a Fran�a e os Estados Unidos, o mesmo era minimizado pela exist�ncia de uma classe m�dia forte ou por uma trajet�ria hist�rica que defendia a autonomia dessa burocracia � e n�o era esse o caso do Brasil.

O segundo ponto a ganhar relevo neste quadro � o C�digo do Processo Criminal. Ainda que tenha auxiliado na paz imperial, principalmente nos anos saquaremas, esse c�digo complementava o r�gido controle que o grupo no poder poderia usufruir caso sentisse a necessidade � e quase sempre sentiam. Segundo Raymundo Faoro,

a lei de interpreta��o, ao retirar das prov�ncias suas atribui��es autonomistas, recebeu o complemento necess�rio como legisla��o do ano seguinte. O poder central atrela as influ�ncias locais, armadas com a pol�cia e a justi�a, ao comando de seus agentes. Criou, no munic�pio da corte e em cada prov�ncia, um chefe de pol�cia, com delegados e subdelegados a ele subordinados, nomeados pelo imperador e pelos presidentes. (...) As autoridades locais n�o desaparecem, sen�o que se atrelam ao poder central, isto �, ao partido que ocupa o minist�rio.[*16]

Esta observa��o torna-se fundamental quando lembramos o grau de interfer�ncia desta f�rmula nas elei��es. Pris�es, julgamentos, convoca��es para se fazer parte da Guarda Nacional, tudo poderia ser feito no intuito de se impedir que o grupo � ou grupos � de oposi��o participasse(m) do pleito. Da� a viol�ncia ser uma das principais caracter�sticas eleitorais no Brasil Imp�rio. Da�, concomitantemente, a observa��o de Tavares Bastos ao lamentar que tanto o Partido Conservador quanto o Partido Liberal bebiam na mesma fonte: a "aus�ncia de uma moral", que tanto este autor lastimava.

Assim dito, o quadro estava formado. A fragmenta��o pol�tica permitia a interfer�ncia marcante do monarca, exigia a fidelidade do funcionalismo e deixava toda a parte judici�ria ao sabor dos ventos do poder. Atento a tudo isto, Tavares Bastos percebia que toda esta pr�xis desaguaria, inevitavelmente, na derrocada absoluta:

o que � incompreens�vel (...) � que o governo de um pa�s livre se fa�a fora dos partidos. Alimentar partidos interm�dios que embaracem os partidos leg�timos, n�o � s� uma ilus�o, � um perigo. A hist�ria contempor�nea dos pa�ses constitucionais mostra que esse sistema de governo ou � derrubado sempre que se substituem aos partidos reais os partidos te�ricos ou oficiais. Com efeito, n�o h� meio termo: ou o governo do autocrata com o vigor, o prest�gio, a ast�cia e a perseveran�a do napoleonismo, ou o governo francamente representativo e constitucional. No primeiro caso a responsabilidade pertence inteira ao pr�ncipe que � o chefe de um partido; no segundo caso, a realeza est� fora e acima das paix�es pol�ticas, e s�o os chefes de partido que assumem a responsabilidade. (...) Cumpre saber a lei em que vivemos.[*17]

Decerto que todos, ou quase todos, sabiam o que deveria ser feito. O problema era como faz�-lo frente a um cen�rio em que o fiel da balan�a era justamente aquele que, em tese, deveria manter-se alheio ao jogo pol�tico: o Imperador. Assim, como pe�as de um jogo em que todos sairiam perdendo, os movimentos continuaram, convivendo com a expectativa de que a qualquer momento o castelo de cartas poderia ruir, e, neste sentido, a Guerra do Paraguai tornou-se o piv� daquilo que j� se esperava.

Bem antes de seu in�cio, o conflito na regi�o do Prata j� se apresentava como favas contadas. Em 1862, Tavares Bastos atentava para o problema:

qual o estado das rela��es entre o governo imperial e o da rep�blica do Paraguai.
(...) qual o estado dos ajustes entre o imp�rio e a rep�blica acerca da demarca��o dos respectivos limites.
(...) qual o estado das fortifica��es e meios de defesa aparelhados pelo governo imperial nas prov�ncias do Mato Grosso, de S�o Paulo e do Paran�, e no rio da Prata, para o caso de romperem as hostilidades entre o Brasil e o Paraguai.[*18]

Em outras palavras, era �bvio para boa parte das pessoas que, mais cedo ou mais tarde, explodiria uma guerra. Todavia, em virtude da conjuntura pol�tica, nenhuma a��o mais contundente fora tomada no sentido de se precaver em rela��o ao conflito, e � mais uma vez Tavares Bastos quem descreve o desenrolar prov�vel dos acontecimentos:

n�o vacilo acerca do resultado de uma luta entre o Brasil e o Paraguai. A natureza do terreno, a organiza��o da rep�blica, a vida pouco fixa de seus habitantes, os recursos do interior, haviam de prolongar por muito tempo a guerra que desgra�adamente rebentasse entre os dois pa�ses; mas a facilidade que temos em armar-nos, os recursos e o cr�dito que dispomos dar-nos-iam por fim a vit�ria.[*19]

Sem acrescentarmos uma �nica linha, a Guerra do Paraguai desenrolou-se exatamente como ele havia previsto. Contudo, um fator acabou refletindo na pol�tica interna do Brasil. Como a alian�a entre Brasil, Argentina e Uruguai esbarrou inicialmente no dilema de se saber quem comandaria o conjunto das tropas, a vantagem inicial do Paraguai foi um tanto al�m do que se esperava, e assim, em car�ter de urg�ncia, em 1867 o Gabinete solicitou ao Marqu�s de Caxias que assumisse a lideran�a das for�as: j� famoso como comandante militar, era certo que resolveria a quest�o de forma mais r�pida. Entretanto, um outro problema foi criado com isso e possu�a uma natureza pol�tica: Caxias era um quadro nato do Partido Conservador e fora chamado por um gabinete liberal.

Em seu primeiro lance como comandante, o Marqu�s afirmou que, se tivesse o acr�scimo de 10 mil homens nas tropas, mais suprimentos e muni��es, daria cabo da guerra em pouco tempo. Isto desaguou num aumento consider�vel nos pedidos de empr�stimos do Brasil no exterior e a convoca��o maci�a de homens para a guerra: ambas as medidas absolutamente antip�ticas e perigosas.

Contudo, como os resultados esperados n�o ocorriam, as cr�ticas paulatinamente foram surgindo: inicialmente, em jornais da corte; depois, em outros peri�dicos e, por fim, dos pr�prios ministros. Descontente com a situa��o, Caxias envia no primeiro semestre de 1868 um comunicado solicitando sua exonera��o do comando, e a crise foi imediata. Brotara a d�vida se seria melhor � ou menos prejudicial � a demiss�o do militar ou queda do gabinete. Se a op��o fosse a primeira, corria-se o risco do confronto com o Paraguai enveredar por um caminho sem fim; se a escolha fosse a segunda, desmoralizava-se um gabinete que, para o bem ou para o mal, representava a ascens�o do movimento liberal (ainda que fragmentado) ao longo da d�cada de 1860. Perante tal dilema, Pedro II solicita ao Conselho de Estado uma decis�o. Em duas reuni�es, o Conselho nada decide, sendo que, na �ltima, o voto de Nabuco de Ara�jo provoca celeuma. Em seu parecer, o conselheiro afirma que a queda do gabinete � desacons elh�vel em virtude da crise pol�tica que poderia ser gerada com tal medida; contudo, tamb�m n�o concorda com a demiss�o de Caxias, ou antes, entende que a perman�ncia de um ou outro seria gratuita[*20]. Por fim, o conselho adota uma solu��o tangencial: defenderia a perman�ncia do Gabinete, muito mais por princ�pios do que por convic��o, e sugeriria aos ministros um voto de confian�a p�blica ao comandante das tropas.

Esta solu��o muito pouco agradou a Pedro II. Ainda que n�o tivesse apreendido a posi��o de Caxias como um ultimato ao Gabinete, percebera que, entre ficar com os princ�pios pol�ticos e defender o comando do militar na Guerra, optaria pelo segundo, restando t�o somente encontrar um motivo para determinar a queda de Zacarias. Para tanto, a elei��o para a vaga de senador pela prov�ncia do Rio Grande do Norte ofereceu o motivo. De acordo com a lei eleitoral do Imp�rio, os tr�s candidatos mais votados formavam uma lista tr�plice e a mesma era apresentada ao Imperador para que escolhesse um dos nomes e, com raras exce��es, o escolhido era o mais votado. Entretanto, da lista tr�plice apresentada neste caso, o Imperador escolheu o menos votado � membro do Partido Conservador. Zacarias recusa a indica��o e cria as condi��es para que o monarca lance m�o do Poder Moderador e, derrube a C�mara dos Deputados para impor o escolhido e, consequentemente, todo o Gabinete � coisa que efetivamente ele o fez.

Com isso, o rei estava nu. Toda a for�a investida nos termos constitucionais a Pedro II apresentava-se, agora, de maneira crua � pol�tica brasileira. A sensa��o era de que o monarca poderia doravante agir conforme seus ditames pessoais, e se n�o havia feito antes, era por motivos unicamente particulares. O pa�s estaria, portanto, ref�m dos humores do Imperador. Configurava-se, plenamente, o labirinto.

De certa feita, o escritor argentino Jorge Lu�s Borges descreveu sua perplexidade perante o labirinto, pois, segundo ele, n�o havia nada mais assombroso do que a id�ia de um edif�cio constru�do para que algu�m se perca, �o s�mbolo inevit�vel da perplexidade�[*21]. E o �edif�cio pol�tico� do Brasil Imp�rio assemelhava-se, pelas condi��es apresentadas, ao labirinto borgiano. A crise de 1868 seria, num certo prisma, t�o somente a conseq��ncia menos desejada de um modelo que se constitu�ra para produzir dilemas como este. Assim, n�o apenas a monarquia entraria em decad�ncia, como tamb�m, todos os projetos pol�ticos deveriam sofrer alguma esp�cie de reformula��o � incluindo, aqui, o movimento republicano. Mas, isto � uma outra hist�ria.

Bacharel em Hist�ria pela UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Mestre e Doutor em Ci�ncia Pol�tica pelo IUPERJ (Instituto Universit�rio de Pesquisas do Rio de Janeiro). Professor- pesquisador do UGB (Centro Universit�rio Geraldo Di Biase), da FACEV/FAA (Faculdade de Ci�ncias Econ�micas de Valen�a) e Avaliador de Cursos de Gradua��o do INEP (Instituto de Estudos e Pesquisas em Educa��o An�sio Teixeira). Autor, entre outros, dos livros Contos da Casa: a hist�ria e a hist�ria da Cole��o Casa dos Contos )Bras�lia: Minist�rio da Fazenda, 1999) e Invent�rio da Correspond�ncia de Jo�o Rodrigues de Macedo (Rio de Janeiro, Madri: Biblioteca Nacional, Fundaci�n Mapfre Tavera), al�m de artigos em peri�dicos cient�ficos. e-mail:

Joaquim Nabuco. Um Estadista do Imp�rio vol. I. Rio de Janeiro: Topbooks/Faculdade da Cidade, 1997 p. 440

Joaquim Nabuco. Um Estadista... vol. I p. 454

cf. �Programa do Partido Progressista�. In: Am�rico Brasiliense. Os Programas dos Partidos e o Segundo Imp�rio. Bras�lia, Rio de Janeiro: Senado Federal, Funda��o Casa de Rui Barbosa, 1979 p. 25 e ss.

Aureliano C�ndido Tavares Bastos. �Mem�rias Pol�ticas�. In: Jornal do Commercio do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 4 de dezembro de 1925, folha 02. Divis�o de Peri�dicos da Funda��o Biblioteca Nacional, RJ, Rolo C PR.SPR 1(460)

Jos� Murilo de Carvalho. A Constru��o da Ordem/Teatro de Sombras. Rio de Janeiro: Civiliza��o Brasileira, 2003 p. 206

cf. S�rgio Buarque de Holanda. Hist�ria Gera da Civiliza��o Brasileira Tomo II Vol. 5. Rio de Janeiro: Betrand Brasil, 1997 p. 64

S�rgio Buarque de Holanda. Hist�ria Geral... Tomo II Vol. 5 p. 65

A observa��o � de Lilia Moritz Schwarcz. As Barbas do Imperador. S�o Paulo: Cia das Letras, 1998 p. 295 e ss.

S�rgio Buarque de Holanda. Hist�ria Geral... Tomo II Vol. 5 p. 68

cf. S�rgio Buarque de Holanda. Hist�ria Geral... Tomo II vol. 5 p. 95 e ss.

Em tese, de acordo com a Constitui��o de 1824, o Conselho de Estado deveria abrandar a irresponsabilidade do Imperador, no sentido que em diversas situa��es, exceto na nomea��o e demiss�o de ministros, o governante estaria sujeito � audi�ncia desse �rg�o. Com isso, ainda que existisse o Poder Moderador, as a��es do monarcas estariam limitadas, impedindo a exist�ncia de um modelo por completo desp�tico. Todavia, em muitos dos casos no Segundo Reinado, a atua��o do Conselho ficou aqu�m do esperado, segundo os cr�ticos � �poca.

cf. Raymundo Faoro. Os Donos do Poder 3� edi��o. S�o Paulo: Globo, 2001 p. 505 e ss.

Parte dessa atrofia do Partido Conservador se deve tamb�m aos falecimentos em seq��ncia do Visconde de Uruguai (1866) e de Eus�bio de Queiroz (1868).

N�o se est�, aqui, procurando criar nenhum anacronismo. Bem sabemos que os radicais surgiram na cena pol�tica apenas em 1869, ap�s a queda do Gabinete Zacarias. Entretanto, pode-se defender que uma postura mais �radical� j� existia antes do grupo assumir publicamente a pr�tica. Assim como tamb�m, estamos reunindo neste mesmo grupo aqueles que se autodenominavam �Democr�ticos� com os �Herdeiros da Revolu��o de 1848�.

apud S�rgio Buarque de Holanda. Hist�ria Geral... Tomo II vol. 5 p. 74

Raymundo Faoro. Os Donos... p. 383

Aureliano C�ndido Tavares Bastos. �C�mara dos Deputados. Sess�o de 9 de junho de 1868�. In: Discursos Parlamentares. Bras�lia: Senado Federal, 1975 p. 596 e 597

Aureliano C�ndido Tavares Bastos. �C�mara dos Deputados. Sess�o de 12 de maio de 1862�. In: Discursos... p. 68

Aureliano C�ndido Tavares Bastos. "C�mara dos Deputados. Sess�o de 17 de maio de 1862". In: Discursos... p.84

cf. S�rgio Buarque de Holanda. Hist�ria Geral... Tomo II vol. 5 p. 103

Jorge Lu�s Borges. Borges Oral. Lisboa: Veja, s/d p. 67

Qual foi o papel do imperador na conciliação dos conflitos entre essas forças?

Visando abrandar essas disputas, o imperador começou a abrir espaço para figuras políticas liberais e conservadoras em seu governo. Assim, ao invés de advogar em favor de um único grupo, o imperador buscou privilegiar as duas facções políticas e, ao mesmo tempo, consolidar uma imagem política imparcial para si.

Qual foi a saída encontrada pelo imperador para reduzir os conflitos entre conservadores e liberais?

Abolição da escravidão Outro acontecimento crucial na história do Segundo Reinado foi a abolição do trabalho escravo, fato que ocorreu em 1888. O processo de abolição no Brasil foi lento e atendeu aos interesses da elite escravocrata, que não queria abrir mão dos seus trabalhadores escravos.

Qual foi a estratégia encontrada por D Pedro II para solucionar os conflitos entre liberais e conservadores e garantir a estabilidade política no início do Segundo Reinado?

A saída encontrada pelo imperador foi promover uma política de revezamento em que conservadores e liberais alternavam-se na liderança do gabinete ministerial. Isso reduziu um pouco os conflitos.

Por que os liberais e conservadores estavam em conflito?

Resposta. Resposta: Entravam em conflito pelo tipo de governo que defendiam: os Conservadores queriam um Poder Central mais forte, enquanto que os Liberais queriam maior autonomia para as províncias.