Qual a importância da cooperação energética para os países do BRICS?

Introdução

A identificação do ex-presidente do Goldman Sachs Asset Management, Jim O'Neill, dos BRICs como bloco econômico significativo tem pouco mais de uma década de idade. Durante esse tempo, não obstante a recessão, os BRICs têm crescido em poder econômico e foram muito além das expectativas. A seguir, em 2011, a África do Sul, já um membro do G-20 e principal voz no continente africano, aderiu formalmente aos BRICs. Jim O'Neill, o criador do apelido BRIC, retrucou que a África do Sul não tinha lugar no Clube dos BRIC dado o seu tamanho modesto. Esta afirmação ignora a geopolítica (exceto onde isso é considerado como um risco), a diplomacia, intangíveis e outras modalidades de engajamento, inclusive a ciên cia, tecnologia e inovação (CTI). Um dos objetivos deste trabalho é desfazer a alegação de O'Neill.

O objetivo principal deste artigo é analisar a retórica da realidade sobre a cooperação dos BRICS em CTI. Este assunto é, hoje, de interesse tópico, seguindo-se à Declaração da Cidade do Cabo de 10 de fevereiro de 2014, através da qual os ministros de Ciência e Tecnologia dos BRICS comprometeram os cinco signatários em um programa de cooperação em CTI.

A declaração inclui a decisão de atribuir responsabilidades setoriais para cada uma das partes: alterações climáticas e atenuação de catástrofes para o Brasil; recursos hídricos e tratamento da poluição para a Rússia; tecnologia geoespacial e suas aplicações para a Índia; energias novas e renováveis, e eficiência energética para a China; e astronomia para a África do Sul. A declaração deveria ter sido ratificada na Cúpula de Fortaleza, em julho de 2014, que reuniu os cinco presidentes dos BRICS, mas que foi ofuscada pelos acontecimentos na Crimeia/Ucrânia, e pelo lançamento do Novo Banco de Desenvolvimento (capitalização de 100 bilhões de dólares) e Alocação de Contingente de Reservas (também de 100 bilhões de dólares).1 1 . Disponível em: <http://www.scidev.net/global/cooperation/news/brics summits-make-little-progress-on-science-cooperation.html>. Espera-se que a Declaração seja ratificada no início de 2015, em uma reunião dos ministros de Ciência e Tecnologia dos BRICS.

A ciência possui a aparência de neutralidade, e como tal é um com plemento importante da diplomacia suave, tal como, por exemplo, a reaproximação Nixon-Zedong no campeonato de tênis de mesa em 1975. Pelo seu lado, a ciência tem uma história de atuar como canal de diálogo entre cidades-Estado e nações, tanto antes como após o Iluminismo. A transferência de tecnologia trabalha de forma um tanto diferente, dado que a sua óbvia importância militar leva à discrição e à captura. A inovação empresarial está intimamente ligada à competição econômica e se propaga através dos diferentes mecanismos de ligação entre as empresas e se manifesta por meio da imitação, en genharia reversa, adaptação, criatividade e sigilo.

A Declaração da Cidade do Cabo reconhece o papel da liderança em ciência e tecnologia para o desenvolvimento de longo prazo, e baseia-se na crescente importância dos países dos BRICS para contribuírem com o estoque global de conhecimento. Na verdade, ao longo de 2002-2007, o Brasil, a ChinaeaÍndia dobraram suas respectivas despesas internas brutas em P&D (em inglês, Gross Domestic Ex penditure in Research and Development [GERD]) e sua parcela do GERD mundial subiu de 17% para 24%. Na China, a parcela do GERD mundial está, hoje, a par com a sua proporção no PIB mundial, e entre 2004 e 2010 a sua quota mundial de publicações científicas duplicou.

Tem havido grandes mudanças no local das publicações científicas, resultando em uma nova tríade constituída pelos EUA, Europa e Ásia, com a Ásia devendo tornar-se o continente científico predominante no médio prazo (HOLLANDERS; SOETE, 2010HOLLANDERS, H.; SOETE, L. The Growing Role of Knowledge in the Glo bal Economy. In: UNESCO Science Report 2010. The Current Status of Science Around the World. Paris: UNESCO Publishing 2010.). Como será discutido abaixo, a copublicação internacional também cresceu abruptamente durante este período. A cooperação científica internacional está avançando com a Declaração da Cidade do Cabo buscando captar um pouco dessa força para os BRICS.

A Declaração levanta uma série de questões quanto à viabilidade de cooperação em CTI. Em particular, qual é o atual estado da coopera ção em CTI entre o grupo BRICS? Qual é a lógica por trás da escolha dos cinco campos? Qual é a lógica por trás da escolha dos cinco campos? Como é que cada um dos países se posicionam nessas áreas? Como é que esses campos se alinham com as estratégias nacionais dos países para CTI? Quais acordos de CTI bilaterais já estão em funcionamento e o que eles têm alcançado? Como a Declaração da Cida de do Cabo alinha ou compromete o processo de colaboração Índia-Brasil-África do Sul (IBSA)? Será que as crescentes tensões geopolíticas (Mar Negro, Mar da China) limitam o âmbito da cooperação em CTI? Ressaltando essas questões, está o papel, senão a legitimidade, do menor jogador, a África do Sul. É, portanto, do maior interesse acadêmico descompactar o potencial da Declaração da Cidade do Cabo a ser ratificada, e separar a retórica da realidade.

Um meio conveniente de fornecer respostas provisórias a essas ques tões é através de uma análise PESTAL (política, econômica, social, tecnológica, ambiental e legal). Considerações de espaço ditam que isso implicará em atenção no nível macro, com um olhar mais detalhado, necessariamente, dado à "Tecnologia", para a qual se deve ler "CTI". Análise de documentos, indicadores econômicos, sociais e de CTI, em conjunto com a bibliometria, irão fornecer a base empírica.

O trabalho está organizado da seguinte forma. Após esta introdução, a próxima seção fornece a análise PES(T)AL. A terceira seção é dedicada ao "T" em PES(T)AL, ou seja, uma análise do Estado da CTI em cada um dos países dos BRICS. A quarta seção baseia-se, então, nas anteriores, utilizando dados publicados como uma medida substituta da cooperação entre os BRICS. Esses resultados, juntamente com vários imperativos nacionais, permitem que a nascente Declaração CTI dos BRICS seja interrogada. A seção final coloca a cooperação em CTI no contexto mais amplo da geopolítica: o acordo energético entre a Rússia e a China;apolíticaexterna assertivadaÍndia; a África do Sul como a "Porta para a África"; e a dupla função do Bra sil na África, como explorador de mercadorias e empreendedor.

Análise PES(T)AL

A análise PES(T)AL baseia-se nas evidências empíricas dos indicadores, tal como apresentado na Tabela 1.2 A análise começa com os aspectos políticos, ao observar que todas as nações dos BRICS têm experimentado rupturas políticas significativas nos últimos trinta anos. Eles também têm uma história comum de autoritarismo e até hoje mostram elementos do que NORTH et al. (2009)NORTH, Douglass C.; WALLIS, John Joseph; WEINGAST, Barry R. Violence and Social Orders. A Conceptual Framework for Interpreting Recorded Human History. Cambridge: Harvard University Press, 2009. chamam de "Estados naturais maduros". Falando politicamente (e legalmente), os BRICS, com exceção da China, são "democracias" multipartidárias, mas não realizaram a transição para sociedades de livre acesso de pleno direito.

Tabela 1
Indicadores PESTEL dos BRICS (2012 ou os Mais Próximos)

Para o Brasil, a Rússia, a Índia e a África do Sul, as rupturas ocorreram imediatamente após o fim da Guerra Fria, durante o período 1991-94. Após o restabelecimento da democracia em 1986, o Brasil implementou o Plano Real de ajuste estrutural em 1994; a Rússia, após o colapso da União Soviética, experimentou um "tratamento de choque" através da rápida adoção do livre mercado em 1992; a Índia começou a liberalizar a "licença Raj" de 1991 em diante, e, em 1994, a África do Sul pós-apartheid iniciou sua longa caminhada na direção da liberdade política e econômica. A China seguiu por um caminho diferente e, seguindo as reformas fundiárias e da agricultura de 1949 aos anos 1960, começou sua segunda Longa Marcha em 1978, desta vez pela via do capitalismo (STUDWELL, 2013STUDWELL, J. How Asia Works. Nova York: Grove Press, 2013.). Essas rupturas impactaram no presente; sua importância no longo prazo é, obviamente, desconhecida. Elas se manifestam no advento do mundo multipolar e após o retorno, após dois séculos de dominância ocidental, do poder econômico para o Oriente.

A indústria brasileira aprofundou-se e ampliou-se durante o período do regime militar. Exemplos dessa diversificação são a produção de açúcar para etanol, a abertura do cerrado para a produção agrícola de largaescalaeaengenhariaaeronáutica. Juntamente comalonga experiência em mineração e exploração petrolífera no mar, o Brasil iniciou os anos 1990 como um exportador em larga escala de mercadorias agrícolas e de minério, juntamente com bens manufaturados e serviços. A elaboração de uma política externa amigável com relação à África data da época dos generais, e quando o governo marxista do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) ganhou poder na Angola em 1975, o Brasil foi o segundo país a reconhecer o novo regime. Subsequentemente, o Brasil utilizou este trampolim para au mentar seu papel na África lusófona e mais além.

Nos anos 1990, o governo russo transferiu diversas empresas mineradoras, metalúrgicas e de energia para o controle privado. Abriu sua economia para o capital ocidental e permitiu que suas empresas capturassem o mercado consumidor. A Rússia tinha sido, obviamente, um ator principal na África durante a Guerra Fria, e essas antigas re lações continuavam até o presente, permitindo que os novos atores não estatais da Rússia pudessem engajar-se no desenvolvimento mi neral e de infraestrutura. A Rússia mantém preponderância militar e capacidade aeroespacial, gastando 4% do PIB em defesa (PPP$ 100 bilhões), a maior proporção entre os BRICS.

A Índia tem sido lenta para abraçar os desafios e oportunidades do mundo multipolar e da globalização. A política da Índia é complicada devido à sua grande diversidade étnica, vestígios de planejamento central, tensão contínua com o Paquistão e nervosismo com relação às intenções da China, com quem tem se engajado em uma contenda aberta. A Índia está expandindo tardiamente a sua pegada diplomáti caeasua marinha,com gastos comdefesaem2,5%doPIB (PPP$ 121 bilhões). Seu setor privado, por outro lado, mostra capacidade considerável para administrar tratados de fusão e de aquisição com plexos, transformando as marcas Tata, Mittal, Reliance e Unisys em marcas globais. A presença da Índia na África está crescendo, porém vagarosamente.

A China é suigeneris- quem manda é o Partido Comunista; o livre mercado cria prosperidade. Nas palavras de Deng Xiaoping: "Não importa se um gato for preto ou branco, desde que cace o rato." Daí a recepção do capitalismo de Estado em um conjunto crescente de áreas econômicas especiais. Studwell (2013)STUDWELL, J. How Asia Works. Nova York: Grove Press, 2013. argumenta que, para a China, as liberdades políticas são de baixo acoplamento com o crescimento econômico, portanto a expansão externa continua inabalável. Em 2006, o governo chinês tomou uma decisão explícita de estender-se para o mundo todo e agora é a maior fonte de investimento estrangeiro direto (em inglês, Foreign Direct Investment [FDI]) tan to dentro de suas fronteiras, quanto na África.

A China foi o maior promotor da ascensão da África do Sul ao Clube dos BRIC, e em troca a África do Sul empresta a sua posição política e moral em favor da posição da China em fóruns políticos internacionais, mais recentemente negando um visto para o Dalai Lama partici par de um encontro de agraciados com o Prêmio Nobel na Cidade do Cabo. Este apoio é, de certa maneira, inesperado, já que foi para a União Soviética que o partido governante da África do Sul tinha vol tado a maior parte da assistência militar quando iniciou sua luta armada em 1961; a China desempenhou um papel muito menor na campanha antiapartheid do que a União Soviética. Concomitante com sua força econômica como um importante credor dos consumidores ocidentais, a China está agora se afirmando diplomática e militarmente em busca de suas reivindicações territoriais no Mar do Sul da China. Daí a sua expansão naval, e seus gastos com defesa de 2% do PIB (PPP$ 245 bilhões).

A África do Sul é um grande jogador político no continente. Em casa, é central para a União Aduaneira Sul-Africana, que inclui Botsuana, Lesoto, Namíbia e Suazilândia, e domina as quinze nações da Comunidade de Desenvolvimento Sul-Africana. Mais adiante, ela promoveu a formação da Nova Parceria para o Desenvolvimento da África, e promoveu a transformação da moribunda Organização da Unidade Africana na União Africana, da qual Nkosazana Dlamini-Zuma, da África do Sul, é o atual presidente. A África do Sul contribuiu com o envio de forças de paz para o Sudão do Sul, República Centro-Africana e Congo, desempenhou o papel de mediadora no processo de re solução do conflito nos Grandes Lagos e, sob a gestão de Mandela, atuou como intermediária para resgatar a Líbia do isolamento.

O cimento dos BRICS vem de um desejo compartilhado de reequilibrar as relações do poder político global e as instituições, da mesma maneira que as forças do mercado global reequilibraram o poder econômico. As questões internas e bilaterais dos BRICS são inteiramente outra questão, em que se toma cuidado para evitar críticas de umas às outras publicamente. No presente, as relações Rússia-China estão em ordem, com a assinatura de um gigantesco acordo de gás de trinta anos. As tensões entre Índia e China são inteiramente outra questão, com o conflito como uma possibilidade no médio prazo, dado o florescimento de um estreito relacionamento entre Nova Délhi e Tóquio. O Brasil está discretamente afirmando a sua dominância no Atlântico Sul, enquanto a África do Sul tenta agir como o xerife na África. Dos cinco BRICS, a África do Sul tem a mais longa experiência contínua de negócios, realizados de acordo com as normas do "livre mercado" e o império da lei (exceto para a maioria africana até 1994). Isso quanto à política e ao império da lei.

Com respeito ao domínio econômico, os dados do PIB confirmam a conjectura original de O'Neill de que o tamanho conta, com a China superando o Japão para tornar-se a segunda maior economia atrás dos Estados Unidos. De acordo com um ponto de vista econômico, os BRICS compreendem a China e o resto, os BRIS. É nas relações poderosas e assimétricas com os BRIS, com uma balança comercial extremamente orientada a favor da China, que minerais, energia e mercadorias agrícolas fluem para o leste, enquanto bens manufatura dos e projetos de infraestrutura financiados pelos Estados fluem na direção oposta. A demanda para isto é influenciada pela força dos mercados domésticos e do poder de compra, tal como refletido na renda per capita. A Rússia pontua baixo nos indicadores mais proxi mamente associados com o livre mercado, e, conforme argumentado por Gorodnikova, tem sido difícil para as firmas inovadoras emergir e prosperar na Rússia (GORODNIKOVA, 2013GORODNIKOVA, N. The Russian Federation. In: KAHN, M.; MELO, L. de; MATOS, M. de (Org.). Financing Innovation. Londres: Routledge, 2013. p. 78-133.).

Essas notas servem como pano de fundo para interpretar os achados do Relatório de Competitividade Global do Fórum Econômico Mundial mais recente (em inglês, World Economic Forum [WEF], 2014). Seu Índice de Competitividade Global (GCI, na sigla em inglês) de 12 pontos situa a China como o primeiro entre os BRICS, na posição 29, com a Rússia em último, na posição 64. Deve ser entendido que os indicadores do Fórum Econômico Mundial são uma mistura de indicadores quantitativos e subjetivos, estes últimos sendo coletados por meio da Pesquisa de Opinião de Negócios, com avaliação fortemente marcada pelo Consenso de Washington. Isso aparece muito fortemente no item "instituições", no qual a África do Sul aparece em primeiro na classificação, na posição 41, e a Rússia ocupa a posição 121.

Na área de Desenvolvimento do Mercado Financeiro, a África do Sul retém a sua posição de liderança, no terceiro lugar mundial ano após ano. Isso dá ao país uma posição única no mundo e na África. Para negociar seriamente na África, o lugar para começar é o centro financeiro da África do Sul. É impossível avaliar durante quanto tempo esta posição será mantida, dadas as tentativas da Nigéria de afirmar a sua liderança como a atual maior economia da África.

A complexa marcha para a liberdade econômica da África do Sul tem visto muitas mudanças. Ela enfrentou anteriormente um capitalismo monopolista extremado que, em seu ápice, teve a Corporação Anglo-Americana no controle de mais de 60% da Bolsa de Valores de Johannesburgo. A participação da Corporação Anglo-Americana na Bolsa de Valores de Johannesburgo diminuiu para algo em torno de 15% com a desverticalização, o aumento da carteira de investimentos estrangeiros e com o Estado tornando-se um grande investidor no portfólio. Simultaneamente, as principais empresas da BVJ têm se expandido através do Rio Limpopo em uma segunda Grande Jornada, mas desta vez de marcas comerciais, ao invés de fazendeiros sujos. Essas empresas agora desfrutam de listagens secundárias no exterior e enviam aproximadamente a meta de suas receitas para o exterior. Esta pegada posiciona as empresas do país como gatekeepers, senão como compradores na África.

Indo agora para o "social", esta dimensão é capturada nos outros três pilares das "Exigências Básicas" que abordam a capacidade administrativa, asaúdeeaeducação primária. Esses estão ao lado do Índice de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o coeficiente de Gini e um indicador dX/dl proposto.

Em comparação com a RússiaeaChina,oBrasil, aÍndiaeaÁfrica do Sul apresentam um fraco desempenho com respeito às exigências básicas. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é um substituto para o desenvolvimento humano baseado na expectativa de vida, conquistas educacionais e renda. Serve como uma alternativa ao PIB/per capita para medir o progresso socioeconômico relativo. A África do Sul saiu-se mal no IDH, como consequência da epidemia de HIV/AIDS, que reduziu a expectativa de vida em aproximadamente dez anos, mas agora está se recuperando com os benefícios dos resultados proporcionados pela sua massiva campanha de terapia antirretroviral. A Rússia, que apresenta sistemas educacional e de saúde mais fortes, sai-se melhor no IDH entre os BRICS, mesmo que a sua expectativa de vida seja fortemente inclinada, com as mulheres vivendo aproximadamente dez anos a mais do que os homens.

De acordo com as pontuações do coeficiente de Gini, a África com 63,1 está entre os Gini mais altos do mundo. A Índia é o menor dos BRICS, com 36,8, um valor ainda acima da média da União Europeia, com 30,6. Quanto ao PIB, o Gini é criticado ao mesmo tempo por sua complexidade e especificidade. Tanto o Brasil quanto a África do Sul apresentam coeficientes de Gini elevados para renda, e têm adotado sistemas extensos de bem-estar social para atenuar a pobreza absoluta. Se esses benefícios sociais fossem incluídos, o Gini seria menor, embora ainda inaceitavelmente elevado.

Uma medida alternativa para a desigualdade é o Índice Palma (COBHAM; SUMNER, 2013COBHAM, A.; SUMNER, A. Putting the Gini Back in the Bottle? "The Palma" as a Policy-Relevant Measure of Inequality. 13 mar. 2013. Disponível em: <https://www.kcl.ac.uk/aboutkings/worldwide/initiatives/global/intdev/peo ple/Sumner/Cobham-Sumner-15March2013.pdf>.
https://www.kcl.ac.uk/aboutkings/worldwi...
), do qual se pode derivar uma medida mais simples, que chamo de razão dX/dl. Isto calcula a razão do rendimento auferido ao Decil 10 em comparação com o do Decil 1, esses dados estando disponíveis mais facilmente do que para o Palma. Esta razão simples sugere que o Brasil é mais desigual do que o Gini sugere; inversamente, mostra que as disparidades de renda na Rússia e na Índia são relativamente modestas. Como acontece com outras medidas de desigualdade, mesmo o dX/dl é bastante rudimentar. A renda auferida ao 1% do topo pode ser a medida mais adequada para ser monitorada, dado que este é o domínio dos bilionários, oligarcas e plutocratas.

Uma breve menção dos aspectos ambientais concluirá a PES(T)AL antes de ir para a discussão mais longa que a C&T deve garantir. O indicador ambiental mais simples é a emissão de dióxido de carbono per capita. Rússia, África do Sul e China são grandes consumidores de combustíveis fósseis e estão entre os piores emissores do mundo. Graças às hidrelétricas, o Brasil pontua bem nesta medida. O baixo valor nas emissões da Índia emerge do nível extremo de pobreza e baixo nível de industrialização. O fracasso da Conferência sobre a Mudança Climática das Nações Unidas em Copenhague reflete a agenda totalmente diferente dos BRICS em comparação com a da União Europeia (UE) e pequenos Estados insulares. Questões ambi entais, quando separadas de preocupações econômicas básicas, apre sentam sérios obstáculos para progredir com respeito à poluição global.

CTI nos BRICS

A ciência tem sido um forte componente da agenda militar e de mo dernização dos BRICS, com tradições universitária e de aprendizado em pesquisa acadêmica que remontam a mais de um século em todos os países. Todos os BRICS acolhem sistemas de inovação que fun-cionam, embora de tamanhos e complexidades distintos. Eles têm histórias únicas e, naturalmente, apresentam seus próprios caminhos de dependências. Assim, as academias de ciências russa e chinesa realizam ensino e pesquisa, enquanto suas universidades desempe nham um papel menor na pesquisa; conselhos de pesquisa da África do Sul e universidades de pesquisa desfrutam de níveis semelhantes de financiamento para a pesquisa; os Institutos Indianos de Tecnologia e o Tata Institute of Technology matriculam os alunos através de um processo altamente seletivo, e são de renome mundial; a Embrapa do Brasil é uma líder mundial em pesquisa agrícola, assim como a pesquisa médica na Fundação Oswaldo Cruz.

O caráter e as especializações de seus respectivos sistemas de inovação devem muito ao período do regime quase-militar, durante o qual a produção de armas foi uma consideração importante. Rússia, China e Índia são potências nucleares. Só o Brasil renunciou ao desenvolvimento de armas atômicas, enquanto a África do Sul desmantelou com exclusividade seu arsenal atômico. China, Índia e Rússia têm mísseis balísticos intercontinentais e capacidade para lançamento de satélites, com a Rússia e a China tendo dominadoovoo espacial tripulado, e a Índia devendo seguir o mesmo caminho em 2016. O Brasil tem capacidade aeronáutica significativa, sobretudo através da Embraer, e lançou seus próprios foguetes espaciais. Tanto o Brasil quanto a África do Sul durante muitos anos projetaram e construíram satélites que foram lançados, para eles, por outros países. O Brasil e a África do Sul estão cooperando na tecnologia de mísseis ar-ar; A Índia tem muito tempo de cooperação com a Rússia e assim também ocorre com os demais pares de países.

Todos os BRICS têm estratégias nacionais bem construídas de CTI que são regularmente atualizadas, e todos eles reúnem os dados ne cessários para preencher os indicadores de STI para fins de monito ramento, de avaliação comparativa e de planejamento. Assim, apli cam métodos racionais para a gestão dos seus sistemas de pesquisa.

China, Rússia e África do Sul mantêm um forte compromisso com o Diretorado de Ciência, Tecnologia e Inovação da OCDE, que é um polo global para o desenvolvimento de políticas de inovação e de medição.

Os BRICS têm capacidade industrial significativa e altos níveis de autossuficiência, exceto no domínio dos bens de consumo (entra a China) e tecnologias avançadas (entram a UE, os EUA e o Japão). Eles possuem avançadas competências médicas, científicas e técnicas e contribuem para o estoque global de conhecimento. O setor privado desempenha diferentes funções nestes sistemas de inovação, de acordo com o grau de envolvimento da empresa estatal e o resíduo de planejamento central. O Índice Global de Inovação classifica a China em primeiro na posição 46, com a Índia em último na posição 87.

Como a capacidade de produção da China avançou em direção à fronteira tecnológica, o GERD aumentou consideravelmente para atingir 1,98%, com uma proporção crescente desta atividade ocorrendo em empresas chinesas. Paralelamente, essas empresas consideraram necessário proteger sua propriedade intelectual, já que marcas chinesas proliferam em todo o mundo. Para a China em particular, espera-se que o crescimento futuro dispare a partir do desenvolvimento impulsionado pela inovação.3 3 . Disponível em: <http://news.xinhuanet.com/english/china/2013-11/05/c_132861473.htm>.

A intensidade dos prêmios de patentes da China nos EUA cresceu concomitantemente, e agora é o mais alto dos BRICS. Esta é uma conquista recente, tanto quanto o aumento dos artigos de autoria chinesa armazenados no banco de dados Web of Science. Brasil, Rússia e África do Sul têm intensidade de publicações semelhante, enquanto a África do Sul está em segundo em patentes nos EUA. A Índia fica para trás de acordo com ambos os indicadores-chave de produção de CTI. Outra produção importante de CTI é o registro de cultivares de plantas, sendo a intensidade da África do Sul quase o dobro da Rússia, e muito à frente do Brasil e da China, o que reflete a diversi dade de sua base agrícola e as exportações associadas.

Obviamente, a contagem de publicações deve ser antecedida pelo caveat usual de que as bases bibliográficas são incompletas, enviesadas para a língua inglesa e não cobrem as ciências sociais e as humanidades com profundidade suficiente. Isso é de particular importância para o Brasil, a China e a Rússia, dado que todos possuem diversas publicações científicas nas línguas nacionais, muitas das quais não foram representadas adequadamente na Web of Science ou na Scopus até recentemente. A partir de 2006, a Web of Science moveu-se para corrigir esses enviesamentos, e o Brasil, em particular, testemunhou um aumento massivo no número de seus periódicos nacionais indexados nessa base de dados. Os demais quatro BRICS obtiveram aumentos variados, e a cobertura da África do Sul triplicou. Não obs tante essas objeções, a bibliometria não pode funcionar sem utilizar essas bases de dados.

Os BRICS apresentam mais semelhanças nas áreas de concentração das publicações científicas (ver a Tabela 1). Os três principais cam pos da China e da Rússia são idênticos; o Brasil e a África do Sul especializam-se em medicina clínica e biologia. A Índia é uma mistura dos dois agrupamentos, com sua ênfase na engenharia. Glanzel suge riuuma tipologiadeacordocom aqualaChinaeaRússiamostram o modelo "socialista"; o Brasil e a África do Sul são "ocidentais", en quanto a Índia é uma mistura de ocidental e japonês. Esta tipologia não está moldada em concreto e deve mudar à medida que exigências econômicas impulsionarem a ciência em novas direções. A área da ciência espacial também é abordada, representando 10% dos totais nos casos da Rússia e da África do Sul, e aproximadamente 5% para o Brasil, a China e a Índia. Esses poucos indicadores de produção de STI não podem capturar de forma adequada a complexidade da ampla gama de atividades que contribuem para e emergem do processo de inovação.

Talvez o marcador mais importante seja o indicador livre do GERD para o PIB. Nota-se que a China está agora em aproximadamente 2%, enquanto tanto a Índia quanto a África do Sul ainda precisam atingir o nível de 1%. GERD/PIB é um indicador de entrada da intensidade dos fundos que são direcionados para P&D; este indicador está proximamente acoplado com o volume de pesquisadores, cujo trabalho precisa ser pago. Uma medida padrão do estoque de pesquisas é a razão entre pesquisadores que correspondem a tempo integral e os que estão empregados. A Índia está novamente na posição mais baixa, enquanto a Rússia ocupa amplamente a dianteira, mesmo apesar do GERD da Rússia: o PIB está muito abaixo do da China. Em outras palavras, não há correlação óbvia entre esses dois indicadores. O que está claro, entretanto, é que, com exceção da Rússia, o estoque de pesquisadores nos BRICS é baixo em comparação com a média de 7,3 da União Europeia (OECD, 2014OECD - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Main Science and Technology Indicators 2014/2. Paris: Organization for Economic Cooperation and Development, 2014.).

O que teria ajudado nesta pesquisa seriam dados disponíveis para o GERD dos países desagregados pelos mesmos campos da ciência. Infelizmente, tais dados geralmente não são de domínio público, ou estão restritos a setores específicos, como mostram as referências aos conjuntos oficiais de indicadores de STI do Brasil, da Rússia, da Índia e da China. O leitor interessado pode confirmar isso visitando a página do Instituto de Estatísticas da UNESCO ou do Diretorado para Ciência, Tecnologia e Inovação da OCDE. Somente a África do Sul publica esses dados. Em nome do interesse, isso mostra que os três principais campos em termos de gastos são engenharia e tecnolo gia (26,5%), ciências da saúde (17,2%) e tecnologias de informação e comunicação (em inglês, Information and Communications Tech nology [ICT]) (12,8%), com as ciências sociais classificadas em quarto, com 12%. Mesmo neste único caso, não há correspondência um a um entre gastos com P&D e publicações científicas.

A última década testemunhou a rápida internacionalização da P&D, com um aumento geral nas copublicações e networking entre todas as nações produtoras de ciência. Este último é um elemento-chave da abertura, já que a colaboração depende grandemente da mobilidade do pessoal. Respostas à demanda dessa circulação de cérebros incluem as ações Marie Sklodowska-Curie para cientistas sob o programa Horizon 2020 da União Europeia,4 4 . Disponível em: <http://ec.europa.eu/research/mariecurieactions/about msca/actions/index_en.htm>. o programa EU Erasmus Mundus Plus para estudantes, e o Ciência Sem Fronteiras5 5 . Disponível em: <http://www.cienciasemfronteiras.gov.br/web/csf>. do Brasil, tanto para estudantes quanto para pessoal.

A medida substituta mais disponível para a colaboração é a copublicação científica, conforme revelado por busca na Web of Science, na Scopus ou em bases de dados mais especializadas. Este é o tema da próxima seção.

Copublicações entre os BRICS

A busca na Web of Science e na Scopus mostra que, em 2011, cerca de 35% dos artigos de pesquisa envolveram parceiros internacionais, um aumento de 10% ao longo de quinze anos (ROYAL SOCIETY, 2011ROYAL SOCIETY. Knowledge, Networks and Nations. Global Scientific Collaboration in the 21st Century. Londres: Royal Society, 2011.; NATIONAL SCIENCE BOARD, 2012NATIONAL SCIENCE BOARD. Science and Engineering Indicators. Washington: National Science Foundation, 2012.). A Tabela 2 apresenta os dados básicos sobre as copublicações de pares de países dos BRICS, obtidos a partir da Web of Science:

A diagonal (em negrito) fornece a contagem de artigos de cada país tal como na Tabela 1, enquanto as colunas fornecem as vinte contagens de copublicações de pares de países, com a razão desta conta gem para o total de cada país apresentado como uma porcentagem entre parênteses.

Essas razões mostram que a África do Sul, embora seja o menor dos BRICS, apresenta a maior intensidade de colaborações entre pares de países dentro dos BRICS, estando significativamente acima do nível da mediana, de 1,4%. A Rússia ocupa a segunda posição, enquanto a China está em último lugar. Meros 4.609 (1,5%) do total da produção científica dos BRICS, de 302.739 artigos, envolve um segundo país dos BRICS. A realidade é que a copublicação científica entre os BRICS é baixa.

Os autores da avaliação da Thomson Reuters (2010)THOMSON REUTERS. Expert Group for the Interim Evaluation of Framework Programme 7 Bibliometric Analysis - Final Report. Londres: Thomson Reuters, 2010. da produção do FP7 sugerem que a colaboração significativa exige que ao menos 7,5% das publicações de um país parceiro estejam concentradas em um campo de interesse comum. Por este critério, quase certamente não há colaboração científica significativa entre qualquer dos pares de países dos BRICS.

Em contraste, há níveis muito mais elevados de copublicações entre os BRICS e os Estados Unidos: Brasil 5.320 ou 14,7%; Rússia6 6 . As copublicações entre Rússia e Alemanha somaram 2.934 artigos nesse mesmo ano. 3.020 ou 11,1%; Índia 4.270 ou 9,2%; os registros da China contam 23.829 ou 13%; e a África do Sul, 2.250 ou 24,4%. O nível de co publicações de 7,5% da Thomson Reuters é excedido em uma variedade de áreas de interesse dos BRICS. Entretanto, esta é uma via predominantemente de mão única: significativa pela perspectiva dos BRICS, mas não pela perspectiva dos Estados Unidos ou da União Europeia.

Esses níveis diferentes de copublicações refletem os interesses específicos que unemos cientistas nos pares de países. Estaéarealidade da copublicação; o locusprincipal da ciência são os Estados Unidos, logo a copublicação impulsionará os cientistas em direção a esta expertise. A União Europeia é outro foco nodal de expertise. As porcentagens de copublicações entre a União Europeia e os BRICS são: Brasil, 13,6%; Rússia, 20%; Índia, 11%; China, 18,6%; e África do Sul, 25%. A "nova faculdade invisível da ciência" está viva e bem, e tem dois campos virtuais principais: os Estados Unidos e a União Europeia. A comunidade global de cientistas transaciona através da faculdade invisível, quer os governos permitam isso ou não (WAGNER , 2008WAGNER, C. The New Invisible College. Science for Development. Was hington: Brookings Institution Press, 2008.).

A ciência sul-africana, como sua ampla economia, é aberta. A cooperação internacional aumentou para quase 50% de todos os artigos. Não somente é o mais prolífico dos BRICS para a copublicação científica, mas o fator de impacto de suas publicações é mais elevado que o da China e do Brasil. Seus gastos com P&D têm visto um declínio na engenharia e tecnologia, enquanto a pesquisa nas áreas da saúde em geral e em doenças infecciosas em particular tem aumentado, com as ciências da saúde agindo como um impulsionador muito forte para a colaboração internacional (KAHN, 2011KAHN, M. J. A Bibliometric Analysis of South Africa's Scientific Outputs - Some Trends And Implication. SA Journal of Science, v. 107, n. 1/2, 2011.).

É relevante chamar a atenção para o sucesso dos astrônomos e astro-físicos sul-africanos que obtiveram conjuntamente o direito de sediar o massivo radiotelescópio Square Kilometre Array (SKA), que será o maior instrumento científico jamais construído.7 7 . Disponível em: <http://www.ska.ac.za>. A principal distribuição dos pratos para frequências altas e médias será construída no interior semidesértico, enquanto pratos remotos serão localizados em oito países africanos parceiros. A Austrália irá sediar o arranjo complementar de baixa frequência, e espera-se a operação plena para 2024.8 8 . Disponível em: <https://www.skatelescope.org/participating-countries/>.

A abertura econômica é resultado da facilitação dos controles de câmbio estrangeiro, o que encorajou as firmas a explorar novos mercados no exterior. Os desafios dos novos mercados, e de transacionar em mercados não familiares, exigem habilidades empreendedoras e de inovação, e os dados de GCI mostram que a África do Sul se sai bem nesses atributos. O'Neill está errado. A África do Sul importa.

Perspectivas Futuras para a Colaboração em CTI nos BRICS

Há acordos bilaterais de C&T entre todos os países dos BRICS, e en tre cada um dos BRICS com outras nações produtoras de ciência. Os acordos intra-BRICS remontam a muitas décadas e promoveram projetos conjuntos e intercâmbio de pessoal. Mesmo assim, a evidência de colaboração fornecida pelos dados de copublicações não é exatamente animadora. Esta declaração precisa ser qualificada, uma vez que áreas tais como a espacial e de defesa envolvem trocas intensivas de C&T, que estão geralmente vinculadas por regras de sigilo que podem impedir a publicação aberta.

O que dizer então do acordo Índia-Brasil-África do Sul (IBSA) de 20039 9 . Disponível em: <http://www.ibsa-trilateral.org/>. e o subsequente acordo CTI de 2010? Em 2013, observou-se que "o comércio intra-IBSA é uma indicação clara do potencial e sucesso do IBSA, dado que a meta de comércio inicial de US$ 25 bilhões até 2015 será provavelmente ultrapassada, pois o montante atual é de US$ 23 bilhões para o comércio intra-IBSA. O IBSA tam bém fez uma parceria com os países em desenvolvimento, especialmente os países menos desenvolvidos (PMD) e os países pós-conflito em desenvolvimento de reconstrução (PCDR) através do Fundo IBSA para o Alívio da Pobreza e da Fome (Fundo IBAS), em projetos de desenvolvimento que beneficiarão esses países".

Os arquitetos do IBSA têm, portanto, deixado registros de que estão satisfeitos com a "conquista" da meta do IBSA, embora nenhum contrafactual esteja disponível, contra o qual a afirmação possa ser testada. Sem o IBSA, o mais provável é que o resultado seria o mesmo.

O Acordo de CTI do IBSA de 201010 10 . Disponível em: <http://www.dirco.gov.za/foreign/multilateral0415.rtf>. surge do diálogo lançado pelo acordo anterior do IBSA, de base mais ampla. Sua formulação é distintamente científica na orientação, com pouco a dizer sobre a inovação perse. O Acordo prevê "o intercâmbio de curto prazo de cientis-tas, pesquisadores, peritos técnicos e acadêmicos", oficinas trilaterais de C&T e troca de informações, e a "formulação e implementação de programas de pesquisa e desenvolvimento trilaterais". Cada país deverá apresentar anualmente US$ 1 milhão adicionais para facilitar o Acordo de CTI do IBSA. A investigação local não achou nenhuma evidência de atividades já sendo realizadas através do Acordo de CTI do IBSA, embora possa ser cedo demais para dizer. O quantum de financiamento pode ser simplesmente demasiado modesto para atrair a atenção dos cientistas.

Isso nos leva à Declaração dos BRICS na Cidade do Cabo, em 2014, e sua designação de áreas focais para os cinco países. Para reiterar, tais áreas são:

  • Brasil: mudança climática e atenuação de catástrofes

  • Rússia: recursos hídricos e tratamento da poluição

  • Índia: tecnologia geoespacial e aplicações dessa área

  • China: energias novas e renováveis, e eficiência energética

  • África do Sul: astronomia

Uma primeira questão é dar sentido a essas escolhas. Pistas podem ser achadas através do questionamento dos Grandes Desafios de STI que cada país declarou (no caso do Brasil, eles são descritos como Áreas Estratégicas). Um mapeamento da literatura relevante revela os Grandes Desafios a seguir:

  • Brasil: biotecnologia; nanotecnologia; energia; ICT; saúde; biodiversidadeeaAmazônia; mudançaclimática; ciência es pacial; segurança nacional (MCT , 2007)

  • Rússia: energia nuclear; ciência espacial; saúde; TI estratégica (MEISSNER, 2013)

  • Índia: agricultura sustentável; cuidados de saúde; energia; transporte e infraestrutura; meio ambiente; inclusão; C&T es pacial (MCGRATH et al., 2014)

  • China: biotecnologia; segurança alimentar; novas fontes de energia e materiais; veículos de energia limpa; mudança cli mática e meio ambiente (MCGRATH et al., 2014)

  • África do Sul: biotecnologia; energias renováveis; mudança climática; C&T espacial; mitigação da pobreza (DST, 2008)

Uma rápida comparação com os principais campos de publicações da Tabela 1 mostra alguma sobreposição direta para o Brasil, Índia e África do Sul, porém menos nos casos da China e da Rússia.

As áreas focais de STI dos BRICS escolhidas para o Brasil, a China e a África do Sul correspondem a seus próprios Grandes Desafios ou áreas prioritárias já identificadas. Então, o Brasil tem uma atitude duradoura e às vezes ambivalente com relação à sua custódia da Amazônia. Tem enfrentado a sua parcela de enchentes de larga escala e deslizamentos, então possui experiência para o gerenciamento de desastres. AChinaéalíder mundial em geração de energia fotovoltaica e, enfrentando poluição severa em suas principais cidades, está concentrada em encontrar soluções limpas para a demanda energética. A designação da astronomia para a África do Sul faz sentido, dado o seu papel no projeto SKA, e suas demonstradas capacidades em astrono mia óptica e radioastronomia. O SKA é de interesse para os BRICS, comaChinaeaÍndiasendo membrosdaprincipal Organização SKA.

À primeira vista, não aparece uma sobreposição clara para a Rússia ou para a Índia. Poderíamos especular que os problemas da Rússia com a poluição do Lago Baikal e com o Mar de Aral poderiam equipá-la para trazer esta expertise para lidar com questões similares em outros lugares, daí a sua designação para a poluição da água. A Índia, por outro lado, lidera no desenvolvimento de softwares e é altamente ativa em sistemas de informação geográfica. A área científica alocada para a Índia também é a escolha lógica.

Todos no oceano: CTI e geopolítica

Os BRICS são um poderoso bloco de produção econômica, política e científica. A conjectura de O'Neill tem mérito e, contrariando a sua opinião, a África do Sul, a potência dominante na África, pertence à mesa principal.

Com respeito à cooperação intra-BRICS na ciência, os dados de pu blicações atestam que é mais retórica do que real. Os cinco BRICS engajam-se em níveis muito mais altos de cooperação com os centros de produção científica nos Estados Unidos e na União Europeia do que uns com os outros. Mesmo assim, grande parte desta "coopera ção" com os Estados Unidos e a União Europeia é unidirecional. Dos cinco BRICS, a África do Sul apresenta a taxa mais alta de copublicações internacionais.

Os últimos 25 anos têm testemunhado uma mudança da distribuição bipolar da Guerra Fria para um período de hegemonia dos Estados Unidos. Uma nova desordem mundial parece agora estar em construção, na qual várias superpotências regionais estão afirmando suas reivindicações territoriais dormentes, com consequências incertas. O Mar Negro, o Mar do Sul da China, o Oceano Índico, o Atlântico Sul e o Oceano Ártico estão todos se tornando militarizados. Há que bras de convenções, enquanto os estrategistas removem a poeira dos mapas antigos e apontam para fronteiras que se tornaram borradas com o tempo. Galbraith (1977)GALBRAITH, J. K. The Age of Uncertainty. Londres: BBC, 1977. pode ter sido otimista ao sugerir que o mundo estava entrando em uma era de incertezas.

A ciência global está lidando com suas próprias mudanças de oceano. Conforme observado por Hollanders e Soete (2010)HOLLANDERS, H.; SOETE, L. The Growing Role of Knowledge in the Glo bal Economy. In: UNESCO Science Report 2010. The Current Status of Science Around the World. Paris: UNESCO Publishing 2010.: "parecemos estar à beira de uma quebra estrutural no padrão da contribuição do conhecimento para o crescimento no nível da economia global. Isso também se reflete na entrada, no cenário mundial, de grandes firmas multinacionais oriundas dos países emergentes [...] [que] estão optando cada vez mais por fusões e aquisições transfronteiriças para as segurar conhecimento tecnológico incessante." A China, em particular, está prestes a tornar-se a maior economiaeamaior produtora de publicações científicas.

A Declaração da Cidade do Cabo sobre CTI dos BRICS parece fazer sentido, mas ainda precisa ser ratificada, e não há orçamento sobre a mesa. Não há pistas se ela irá ou não pelo mesmo caminho que o Acordo de CTI do IBSA: bom em teoria, porém difícil de concretizar-se na prática.

Os planejadores dos BRICS poderiam, portanto, desejar colocar em suspensão a retórica da política para concentrar-se nas realidades da nova faculdade invisível da ciência. Isso reconheceria o papel contínuo dos dois centros de produção científica do Norte, e o quantumde colaboração muito maior entre as comunidades científicas dos BRICS-Estados Unidos-União Europeia. Da mesma forma, faria sentido que as atividades nas cinco áreas focais da cooperação intra-BRICS sejam abertas para participantes dos Estados Unidos, União Europeia e outros países. A exclusividade não tem lugar nesta faculdade invisível. A inclusão fortalecerá todos os jogadores.

Referências Bibliográficas

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