Qual a importância da lei da primeira infância?

Você acha possível erguer um arranha-céu sem construir a fundação? Nosso cérebro não nasce pronto e sua maturação depende fortemente das primeiras experiências de vida. Por isso, a infância pode ser considerada a fundação sobre a qual construiremos adultos equilibrados, saudáveis e bem-sucedidos. Com base nessa descoberta, a ciência chegou, no fim do século 20, ao conceito de Primeira Infância, que vai de zero aos seis anos, período em que a interação com a família e a sociedade vai permitir à criança formar as bases para o desenvolvimento de todo o seu potencial genético.

Entra em campo agora o Marco Legal da Primeira Infância, sancionado em março de 2016, para reforçar os direitos das crianças brasileiras nos primeiros anos de vida. Um dos autores da nova lei é o novo ministro do Desenvolvimento Social, o deputado licenciado Osmar Terra, do PMDB gaúcho. Ele dá alguns exemplos de como a atenção prioritária nesse período da vida garante a estruturação saudável do cérebro humano:


“Visão nos primeiros seis meses. Depois não se organiza mais. Se nascer com catarata congênita e não corrigir nos primeiros seis meses, depois não adianta corrigir. Vai ficar cega pra sempre. Auditiva nos primeiros dois anos. Emocional, afetiva, de controle de impulsos, nos primeiros 18 meses, no desenvolvimento dos vínculos que uma criança estabelece com quem cuida dela. Cognitivas são muito dependentes das emocionais. Criança que não desenvolve apego vai ter dificuldade de aprender.”

Esse novo olhar sobre a importância dos primeiros anos de vida provoca a necessidade de se formar melhor os profissionais que cuidam de bebês e crianças pequenas, desde cuidadores e professores até psicólogos e pediatras. E o Marco Legal da Primeira Infância procura promover políticas públicas nesse sentido. O pedagogo Vital Didonet, da Rede Nacional Primeira Infância, contribuiu para a elaboração da nova lei. Para ele, a pessoa que trabalha com criança pequena deve ter formação muito maior do que aquela que trabalha com outras idades:

“Pensar que uma pessoa sem formação, só porque ama a criança, porque tem jeito, ela vai ajudar. Ela ajuda, sim, nos aspectos físicos do carinho, do afeto. Mas certamente não ajudará na formação da capacidade da criança para coisas mais complexas, esse é o potencial principal da criança.”

A fala de Didonet não indica que o afeto não seja importante no contato com a criança. Pelo contrário, a afetividade é a base de tudo, diz o pedagogo:

“Não é formar um professor em mestrado, doutorado, que entenda de altas teorias, mas que não saiba olhar com ternura, carinho, que não saiba trocar uma fralda, porque trocar fralda não é apenas substituir uma suja por uma limpa; é um gesto de relacionamento com a criança, com seu corpo, o modo de entender a sujeira que ele fez, que não é uma coisa suja, para não introduzir frustrações no ser humano, a pessoa tem que ter essa sensibilidade. Isso a gente chama de formação, que é acadêmica e social.”

Neste momento, todas as mães e pais que estão ouvindo esta reportagem devem estar se perguntando: se o profissional precisa ter essa formação toda, como eu, que não tenho formação nenhuma sobre primeira infância, vou saber como estimular o meu bebê? Eu fiz essa pergunta para a psicóloga especialista em estimulação precoce Julieta Jerusalinsky. Ela me respondeu que, para os pais, o que importa é que estejam disponíveis e abertos para se relacionar com o filho, pois é nessa relação que a criança se desenvolve e apreende a cultura e os valores dos pais:

“Por exemplo, enquanto a mãe faz a comida, o bebê está ali do lado brincando com as panelas, que, às vezes, é um brinquedo tão ou mais interessante do que os que se encontram na loja de brinquedos. Ele está ali, mexe nas panelas, faz uma batucada com a colher de pau nos potes, prova aquilo que você está cortando, sente o cheirinho da comida, você vai cantando uma musiquinha do que tem na sopa do bebê, essa é uma maneira de estar junto, de colocar o bebê no contexto do que acontece no cotidiano, de compartilhar, de não ter que parar a vida para só se sentar e brincar com o bebê. E de chamá-lo para fazer parte da sua cultura. Isso é altamente estimulante, esse é o melhor estímulo que tem, porque é um estímulo em contexto, onde os cheiros, sabores, as músicas vão fazendo parte da vida.”

Resumindo: é na relação com a família que o bebê vai dando significado para as coisas, vai aprendendo sobre a vida. Portanto, diz a psicóloga, estímulos pontuais, como aulas de natação ou Inglês e aplicativos que ensinam nomes de cores, por exemplo, são menos importantes para o desenvolvimento da criança nessa fase da vida do que a interação espontânea com os pais:

“No aplicativo, quando a gente clica a correspondência entre um objeto e uma cor, isso não é em rede, é um para um, pensamento muito menos complexo e esse tipo de produto é vendido como se isso sim estimulasse a inteligência das crianças e é muito tentador para os pais, porque muitas vezes estão ocupados e oferecem para seus filhos essas chupetas eletrônicas. No avião, em vez de a mãe olhar pela janela, ou cantar com o nenê, ou no aeroporto seguir a criança, que deita no chão, que quer mexer na lixeira, ou no restaurante, quando a criança circula, senta embaixo da mesa, rouba a batata frita da mesa do vizinho, muitas vezes, os pais, para tirar a criança dessa circulação, que é trabalhosa para os adultos, porque criança dá trabalho e tem que dar, oferecem pra criança essa chupeta eletrônica, e isso inibe na criança uma série de explorações e interação com os outros que ela tem que ter que são muito mais potentes em termos de estímulo e aprendizagem.”

A professora Irene Rizzini, ligada ao Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância, tem preocupação semelhante. Ela diz que a sociedade da informação convenceu os pais a investir o máximo de recursos em ferramentas que permitam ao seu filho ser intelectualmente brilhante e, assim, conseguir o melhor emprego na vida adulta. Mas é preciso mudar essa visão, diz Irene, e explicar para os pais que a criança será um adulto muito mais completo, muito mais feliz e, provavelmente, muito mais bem-sucedido se tiver também tempo para brincar, tempo para ser criança.

No segundo capítulo da Reportagem Especial, saiba mais sobre o papel do pai na criação dos filhos.

Reportagem - Verônica Lima
Edição – Mauro Ceccherini
Trabalhos Técnicos - Carlos Augusto de Paiva
Produção – Lucélia Cristina, Christiane Baker e Carmen Brito

Qual objetivo da primeira infância?

Seu objetivo consiste em alcançar o máximo desenvolvimento integral possível de cada criança nas áreas de comunicação afetiva, inteligência, linguagem, desenvolvimento dos movimentos, formação de hábitos, saúde e nutrição.

O que é a Lei da primeira infância?

Lei nº 13.257/2016: Uma lei que pavimenta o caminho entre o que a ciência diz sobre as crianças, do nascimento aos 6 anos, e o que deve determinar a formulação e implementação de políticas públicas para a primeira infância.

Quais são os direitos da primeira infância?

Direito de brincar, de ser cuidado por profissionais qualificados em primeira infância, de ser prioridade nas políticas públicas. Direito a ter a mãe, pai e/ou cuidador em casa nos primeiros meses, com uma licença-maternidade e paternidade justa.

Qual a importância do estudo da infância?

Importância. A conta é simples. Uma primeira infância com cuidados, amor, estímulo e interação pavimenta o caminho para que a criança aproveite todo seu potencial. Nasce um adulto mais saudável e equilibrado.