Qual a importância do desenvolvimento de políticas públicas para idosos?

Autores: Cláudia Milnitzky, Florence Sih Sung e Rodrigo Mendes Pereira

“De todas as realidades, a velhice é, talvez, aquela de que conservamos por mais tempo, ao longo da vida, uma noção puramente abstrata”. (Marcel Proust)

I) CONSIDERAÇÕES INICIAIS.

            Com maior longevidade, autonomia, qualidade de vida e independência econômica, o segmento idoso irá ocasionar impactos nas regras atuais da sociedade. Portanto, torna-se relevante o conhecimento mais acurado das expectativas e necessidades próprias do futuro idoso, bem como a sua adequação e integração social. Porém, esta transformação não é ainda encarada pelas pessoas e pela sociedade com a antecedência natural que decorre do próprio processo de envelhecimento. Nada deveria ser mais esperado e, no entanto, nada é mais imprevisto que a velhice. Antes que se abata sobre nós, a velhice é algo que só concerne aos outros. Assim, pode-se compreender como a sociedade consegue impedir que as pessoas vejam nos velhos seus semelhantes. O sentido de nossa vida envolve questões referentes ao futuro que nos espera, uma vez que nós não sabemos quem seremos, se ignorarmos quem somos. Isto é necessário se quisermos assumir na totalidade nossa condição humana.

            Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o envelhecimento populacional é uma conquista e um triunfo da humanidade no século XX, ocasionado pelo sucesso das políticas de saúde públicas e sociais. Portanto, ele não pode ser considerado como problema. Entretanto, para as nações desenvolvidas ou em desenvolvimento o envelhecimento populacional poderá se tornar um problema, caso não sejam elaborados e executados políticas e programas que promovam o envelhecimento digno e sustentável e que contemplem os direitos, as necessidades, as preferências e a capacidade das pessoas com idade igual ou superior a 60 anos. O envelhecimento ativo, que adicione qualidade de vida, fortalece as políticas e programas de promoção de uma sociedade inclusiva e coesa para todas as faixas etárias. Assim, o reconhecimento do direito à vida, à dignidade e à longevidade deve ser objeto da agenda oficial dos governos.

            A população idosa deverá superar a população menor de 14 anos em 2050, de acordo com as projeções da Organização das Nações Unidas (ONU). Essa inversão da pirâmide populacional demonstra o novo papel do idoso em nossa sociedade, como também a necessidade da promoção do desenvolvimento de sua independência e autonomia na vida social.

            A Constituição brasileira de 1988 trouxe a possibilidade da participação efetiva da sociedade no desenvolvimento das políticas públicas, através dos Conselhos Paritários, e colaborou para garantir a elaboração de diversas leis, que vieram atender as expectativas demandadas pelos diversos segmentos sociais. Assim, ela foi um marco no sentido de ampliar os olhares do idoso para novas perspectivas que são apresentadas enquanto cidadãos.

            Desta forma e nesse contexto, em virtude das determinações constitucionais, elaborou-se a Lei n° 8.842/94, que dispõe sobre a Política Nacional do Idoso (regulamentada pelo Decreto n° 1.948/96).

            Já recentemente, enfatizando ainda mais a relevância e urgência no enfrentamento das questões envolvendo os idosos, reafirmando direitos e princípios já consagrados na Constituição e também na legislação infraconstitucional, assim como trazendo avanços, foi promulgado o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03).

            Ressalte-se, entretanto, que não basta a simples existência de normas jurídicas. A questão é mais ampla, uma vez que os direitos devem ser efetivamente exercidos pelos idosos, e isto porque seu efetivo exercício é o elemento fundamental e imprescindível de inclusão do idoso na sociedade, ou seja, para que o idoso exerça um papel ativo na sociedade e para que a sociedade trate o idoso com respeito e dignidade.

            Outra questão, que causa desconforto, é a discussão se a própria existência de legislação específica voltada ao idoso não é um fator de reconhecimento do desrespeito a sua cidadania e dignidade. Neste sentido, na opinião do advogado e gerontólogo norte-americano Leonard Cain (in Fernandes,1997), uma sociedade que proporcionasse aos cidadãos mais velhos um tratamento digno, respeitoso e igualitário, eliminaria os estatutos jurídicos especiais para os idosos.

            Entendemos, entretanto, que a concretização da cidadania ocorre através do espaço político, como direito a ter direitos. Assim, parte-se do pressuposto que o direito a ter direitos passa pela questão do exercício da cidadania em um Estado Democrático de Direito como o nosso, onde o segmento idoso, através da participação efetiva no processo democrático, luta pela positivação de seus direitos, ou seja, luta para a elaboração de leis específicas voltadas ao idoso, dentre as quais, exemplificativamente, o recente Estatuto do Idoso. Do contrário, sem o amparo do sistema legal, o segmento idoso não estaria instrumentalizado para reivindicar a efetivação dos seus direitos em seu aspecto sócio-político e cultural.

            O distanciamento entre legislação e a realidade dos idosos no Brasil ainda é enorme. Para que essa situação se modifique, é preciso fomentar o debate e estimular a mobilização permanente da sociedade.

            Interessante é a questão levantada por Silva (1998), no sentido de que a longevidade conquistada no Brasil, para a grande maioria da população, foi um contraponto para a degradação da qualidade de vida desse segmento no decorrer de suas vidas e da falta de políticas preventivas. A nossa sociedade se caracteriza por uma incipiente cultura política, resultado de práticas autoritárias que perduram até os dias de hoje. Contudo, temos de levar em conta a dificuldade de modificar a falta de autonomia que se impregna na cultura sócio-política brasileira. Portanto, nossa formação histórica é reprodutora de relações sociais autoritárias que limitam o indivíduo a uma cidadania passiva.

            A história viva das ações desenvolvidas pelos poderes constituídos está representada também no segmento idoso. A política emanada recentemente no país favoreceu o desconhecimento dos direitos, assim como contribuiu para gerar uma estrutura de alta concentração de renda, produzindo uma velhice pobre. Desta forma, o envelhecimento construído ao longo desse processo se traduz em carência emocional, social e econômica.

            Outra relevante questão é a colocada por Saffioti (in Carvalho, 2002), ao afirmar que o poder tem sempre a mesma natureza, seja ele exercido em processos micro ou macropolíticos, os quais não são passíveis de separação, pois não se sobrepõem. Assim, a micropolítica é tão importante quanto a macropolítica, e isto porque o micropoder, apresentando um alto potencial de subversão, é capaz de solapar o macropoder. O micropoder inserido no macropoder pode levar ao exercício democrático deste último. Isso demonstra que a micropolítica transforma incessantemente a macropolítica.

            E é nesse exercício de micropoder que se formam as lideranças que atuam nas questões dos idosos, e que exercem suas atribuições de liderança mediante uma atuação efetiva nas organizações da sociedade civil de proteção e amparo aos idosos, nos Conselhos dos Idosos e até mesmo nos órgãos e entidades públicos que têm por finalidade interagir diretamente com a população que os circunda – Universidades e Centros de Atendimento aos idosos. Eis, assim, a importância destes espaços de exercício de micropoder – organizações da sociedade civil, Conselhos, Universidades e Centros de Atendimento – para a efetiva implementação de políticas públicas voltadas ao atendimento da população idosa, e a luta pelo direito à igualdade, à dignidade e à autonomia da pessoa idosa.

            Face às considerações acima, entendemos que a velhice ganha visibilidade quando põe em xeque a própria sociedade, impondo-se como um risco social, que deve ser enfrentado com políticas públicas.

            Neste contexto, definiu-se, como objetivo geral do presente trabalho, avaliar a possibilidade do “empoderamento” do idoso, através do exercício da cidadania, e qual o papel do poder público e da sociedade civil organizada neste processo, levando-se em consideração a farta legislação de proteção ao idoso e a percepção da carência na implementação de políticas públicas.

            Entendemos por “empoderamento” – em inglês: empowerment – o processo contínuo que fortalece a autoconfiança dos grupos populacionais desfavorecidos, capacitando-os para a articulação de seus interesses e para a participação na comunidade e que lhes facilita o acesso aos recursos disponíveis e o controle sobre estes, a fim de que possam levar uma vida autodeterminada e auto-responsável e participar do processo político. Assim sendo, o “empoderamento” do idoso aponta para a autodeterminação, o aumento do nível de auto-organização, assim como para um papel ativo dos idosos em todos os processo sociais. Ressaltamos, ainda, que as estratégias de “empoderamento” supõem, dentre outras iniciativas, a educação para a cidadania, a socialização das informações, o envolvimento na tomada de decisão dentro de um processo de diagnóstico, o planejamento e a execução de projetos e iniciativas sociais.

II – CAMINHO PERCORRIDO E ABORDAGEM DE TEMAS E QUESTÕES REFERENTES AOS IDOSOS.

            Para alcançarmos o objetivo proposto no trabalho, percorremos, em síntese, o seguinte caminho: abordagem preliminar de temas e questões referentes aos idosos, estudo de casos envolvendo a realização de entrevistas com gestores de quatro organizações selecionadas e a análise e interpretação dos dados coletados.

            Como o estudo de casos e as análises serão desenvolvidos em itens específicos, iniciaremos nosso caminho prestando esclarecimentos sobre os temas e questões abordados, inclusive destacando alguns pontos que entendemos relevantes. Vejamos:

            1) Sobre conceito de idosos e nomenclatura, inicialmente esclarecemos que, segundo Martinez (1997), para se chegar a um conceito de idoso deve-se responder, preliminarmente, algumas indagações sobre o critério de definição, ou seja, se o critério é o cronológico, o psicológico, o econômico-social, ou, ainda, uma combinação deles. Já com relação à nomenclatura, ressaltamos os seguintes termos citados pelo referido autor: idoso”, “velho”, “meia-idade”, “idade provecta”, “idade avançada”, “juvelhice”, “envelhecente”, “terceirista”, “maturidade”, “ancião”,“terceira idade”.

            Concluímos destacando que, ante o teor das normas jurídicas insertas na Constituição Federal - “Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas ...” - , na Política Nacional do Idoso - “Art. 2º. Considera-se idoso, para efeitos desta lei, a pessoa maior de sessenta anos” - e no Estatuto do Idoso - “Art. 1º. É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos” - , para legislação brasileira é utilizado o critério cronológico – 60 (sessenta anos) -, prevalecendo a nomenclatura “idoso”.

            2) Objetivando demonstrar a urgência para a questão do idoso, pesquisamos alguns dados estatísticos que registram uma grande mudança no perfil demográfico, consistente no envelhecimento da população mundial. Os dados referentes à população mundial e ao Brasil tiveram como fonte o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); já os dados relativos à cidade de São Paulo-SP foram fornecidos pela pesquisa denominada SABE (Saúde, Bem Estar e Envelhecimento) apoiada e divulgada pela Fundação de Apoio a Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP.

            No mundo, em 1950, eram 204 milhões de idosos; em 1998, eram 579 milhões de idosos; e, segundo projeções, em 2050, serão 1.900 milhões de idosos.

            No Brasil, em 2000, eram 15 milhões de idosos (8,6%), sendo a maioria do sexo feminino; 8,9 milhões (62,4%) dos idosos eram responsáveis pelos domicílios e tinham, em média, 69 anos de idade e 3,4 anos de estudo; o rendimento médio era de R$ 657,00. Nos próximos 20 anos, segundo projeções, a população idosa poderá ultrapassar 30 milhões (13%). Em 2002, a expectativa média de vida do brasileiro chegou a 71 anos.

            Na cidade de São Paulo, em 2000, a pesquisa apontou quase um milhão de idosos (9,3%), com uma idade média de 69 anos, sendo 60% do total representado pelo sexo feminino. Um em cada cinco idosos nunca foi à escola e 60% estudaram menos de sete anos.

            Ressaltamos, ainda, que o problema maior nem é o envelhecimento da população no Brasil, mas, sim, o envelhecimento sem saúde e qualidade de vida.

            3) Para melhor compreendermos o assunto, optamos também por percorrer o caminho da história, e isto para ressaltar que os comportamentos, costumes e normas, em cada época e local, demonstram que historicamente a sociedade sempre tratou o idoso de forma diferenciada, ora respeitando-o e dignificando-o, prevalecendo, assim, os aspectos de inclusão e integração do idoso na sociedade, ora tratando-o sem o devido respeito e dignidade, prevalecendo, pois, os aspectos da exclusão.

            Destacamos, nesse momento, algumas considerações de Moreno (2002) sobre questões do idoso na História, mais recentes: “Após a Revolução Francesa (1789), Napoleão Bonaparte ... para consolidar seu governo, convocou um corpo de juristas, incumbindo-o de montar um código que desse forma às normas esparsas. Desta forma, nasceu o Código Civil, contemplando inclusive os veteranos de guerras e idosos. O Código Napoleônico vigorou em toda a Europa. ...

            Em 1889, na Alemanha, o Chanceler Bismark iniciou o processo de aposentadoria. Nascia uma revolução social, juntamente com outros países – Áustria (1906), Inglaterra (1908), França (1910) e nos Estados Unidos (1930).

            A Inglaterra começou a tomar conhecimento da problemática do envelhecimento após a Segunda Guerra Mundial. Muitos idosos estavam mobilizados para trabalhar em serviços essenciais. Os desajustados e com envelhecimento precoce obrigaram o país a implantar serviços geriátricos e gerontológicos.

            Os Estados Unidos passara pelos mesmos problemas; a Casa Branca, o Congresso, os serviços de saúde e as Universidades envolveram-se na questão, estimulando as pesquisas. Os recursos financeiros serviram para criar serviços de reabilitação, trabalho adequado e tipos de moradias.

            A Argentina solicitou a ONU, em 1948, atenção para o problema do crescimento da população dos idosos e, tendo sido criada a Declaração Universal dos Direitos do Homem, colocou-se a velhice como responsabilidade do Estado.” (MORENO, op.cit, p. 10, 11 e 12)

            4) Com a finalidade de demonstrar que não basta apenas a positivação dos direitos ou faculdades indisponíveis pela legislação, e sim que a sociedade possibilite o efetivo exercício desses direito ou faculdades, entendemos que antes de abordarmos a legislação, seria interessante abordarmos esses direitos e faculdades indisponíveis.

            Martinez (1997) elenca como indisponíveis o direito à vida, à liberdade, à cidadania, ao trabalho, à segurança física, o direito de associação e convívio, o direito asilar, o direito ao lazer, à sexualidade e à segurança social. Também o autor faz o seguinte alerta sobre a necessidade da sociedade reivindicar o cumprimento de tais faculdades e/ou direitos indisponíveis: “Regras podem ser escritas, impondo-se o seu cumprimento à sociedade e, assim, diminuindo o desconforto natural ou artificial do idoso... Cabe ao sociólogo conceber a proteção, ao jurista equacioná-la normativamente e ao legislador positivá-la, restando aos indivíduos preconizar a observância. Mas não pode o Direito assegurar nada, além disso”.(MARTINEZ, op. cit., p. 109)

            Já Fernandes (1997) aponta quatro pontos ou aspectos essenciais que devem estar presentes em qualquer reflexão ou discussão acerca da garantia dos direitos intangíveis do idoso. São eles:

·        “ ...tratamento eqüitativo, através do reconhecimento de direitos pela contribuição social econômica e cultural do indivíduo idoso em sua sociedade, ao longo da vida;

·        direito à igualdade, por meio de processos que combatam todas as formas de discriminação, como aquela que macula o período de aposentadoria;

·        direito à autonomia, estimulando a participação social e familiar, enquanto possuir lucidez, indicando opções e compartilhando dos estudos, propostas e exame de sugestões que digam respeito à sua vivência cotidiana;

·        direito à dignidade, uma recomendação histórica que inclui o respeito à sua imagem, assegurando-lhe consideração nos múltiplos aspectos que garantam satisfação de viver a velhice.”. (FERNANDES, op. cit., p. 23)

            5) Buscamos desenvolver, além do Direito, na direção da cidadania, questões sobre o desconforto causado pela discriminação, suas razões, e pela falta de consciência da sociedade sobre os problemas e as particularidades vivenciados pelos idosos. Discutimos, inclusive, se a própria existência de uma legislação específica voltada ao idoso não é um fator de reconhecimento do desrespeito a sua cidadania e dignidade ou, ao invés, é um instrumento necessário para que o segmento idoso consiga reivindicar a efetivação dos seus direitos, ou seja, o direito de ter direitos. Também, foram abordados os meios para que a situação atual de desrespeito ao idoso se modifique, dentre os quais, aspectos que envolvam o direito à informação e ao exercício da cidadania pelo idoso.

            Para dirimir qualquer dúvida, ratificamos nosso entendimento de que sem o amparo de um sistema legal específico, o segmento idoso não estaria instrumentalizado para reivindicar a efetivação dos seus direitos em seu aspecto sócio-político e cultural.

            Segundo Machado (2002),na sociedade moderna, onde o lucro é fator preponderante, os idosos são considerados um peso e discriminados brutalmente por estarem fora do processo produtivo. Assim, o período da aposentadoria se transforma em privação e dificuldade e, conseqüentemente, para a maioria dos idosos, em miséria, abandono e solidão.

            Nesse contexto, os velhos retratam a exclusão do saber, do ter e, principalmente, do ser, tendo em vista que muitos não sabem nem mesmo seus direitos, vivendo numa sociedade que tem se caracterizado por uma visão utilitarista do ser humano, onde as pessoas são valorizadas pelo critério do ter, e não pelo do ser.

            Portanto, é fundamental despertar o “ser” do idoso para construir um projeto para sua vida que lhe confira significado, valorizando a sua capacidade de sonhar, de ter vontade, de desejar, de criar, pois sem projetos não há vida em sentido humano. A educação para cidadania deve incentivar os sujeitos a conciliarem seus projetos individuais a projetos coletivos, na construção de um significado maior.

            Concordamos com Bruno (2003), que o exercício da cidadania é uma questão crucial para a inclusão do idoso. A educação para cidadania é um grande desafio a ser enfrentado junto ao idoso: incentivá-lo e instrumentalizá-lo para assumir o papel de protagonista na busca de seu espaço social.

            A transformação do conceito social de velhice, através da prática de atitudes como cultivo de uma cultura de tolerância, onde o respeito às diferenças seja o valor fundamental, bem como através da efetivação de políticas públicas, que garantam a inclusão social para todos, poderão gerar um novo cenário de dignidade social para o segmento.

            Como a cidadania é exercício, é movimento, educar para a cidadania é estabelecer o desenvolvimento de um processo de aprendizado social na construção de novas formas de relação, contribuindo para a formação e a constituição de cidadãos como sujeitos sociais ativos.

            O desafio se torna particularmente interessante quando enfrentado junto ao segmento idoso, onde é comum encontrar pessoas que viveram toda uma vida, muitas vezes passada ao largo da possibilidade de fazer reflexão sobre o significado de sua condição de cidadão.

            Agora enfatizando o papel do próprio idoso na busca de seu espaço social, Bruno (2003) assim se manifesta: “É necessário deflagrar uma revolução social e cultural que possibilite, de um lado, a efetivação de políticas públicas que respondam às necessidades do segmento e, de outro, tão importante quanto, o investimento na mudança da percepção que a comunidade familiar e social tem sobre o envelhecimento e a velhice, provocando o rompimento dos mitos e preconceitos que, ainda hoje, são os maiores responsáveis pela exclusão do segmento idoso.

            O tema da velhice ainda é despolitizado. É necessário que se busque caminhos para politizá-lo.

            A conquista de um novo lugar e significado na sociedade, bem como a marca de uma nova presença do segmento idoso passa pelo exercício pleno da cidadania, exercício de dimensão do ser político do homem.

            A visibilidade para o segmento idoso terá que ser conquistada por meio da ação política, garantindo dessa forma, o espaço social para o ser que envelhece.

            Na caminhada em direção a essa conquista, o idoso deve ocupar o papel de protagonista, não o de coadjuvante. O próprio segmento deve efetivar a busca de seu espaço social.” (BRUNO, 2003, p. 76 e 77)

            Essa busca tem crescido muito, com a participação cada vez maior dos idosos que vêm se organizando em grupos de discussão e formação, como os Centros de Convivência e os Conselhos de Idosos.

            Assim, a sociedade deve ser sensibilizada e alertada para que tenha uma conduta junto aos idosos que respeite, sobretudo, a sua autonomia.

            Deve-se ultrapassar a visão de que o idoso precisa de quem lute e fale por ele. O idoso precisa de quem lute e fale com ele. Somente dessa forma poderá ser estabelecida uma relação de respeito efetivo entre o idoso e quem o cerca.

            Boff (1999) é incisivo quando define que: “A libertação dos oprimidos deverá provir deles mesmos, na medida em que se conscientizam da injustiça e de sua situação, se organizam entre si e começam com práticas que visam transformar estruturalmente as relações sociais iníquas”.(BOFF, 1999, p. 141)

            Portanto, é fundamental que se estabeleça uma integração entre as gerações a favor da construção de uma nova sociedade, onde haja solidariedade e respeito pela diferença, seguindo a lição que Paulo Freire nos deixou: ¨Ninguém liberta ninguém – ninguém se liberta sozinho – os homens se libertam em comunhão” (Freire in BRUNO, 2003, p. 78)

            6) Continuando, comentou-se sobre os Direitos do idoso na legislação brasileira, destacando-se a Constituição Federal, a Política Nacional do Idoso, a Lei sobre a Organização da Assistência Social – LOAS - e o recente Estatuto do Idoso.

            Ferreira e Bonfá (2003) destacam que o artigo 1º da Constituição, ao declarar que são princípios fundamentais da República Federal do Brasil, a cidadania e a dignidade humana (incisos I e II), já seria suficiente para garantir os direitos do idosos. Não fosse isso, a disposição do artigo 230, da Constituição Federal, não deixa nenhuma dúvida sobre a preocupação dos constituintes sobre a questão do idoso: “Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.

            Os autores referem-se à Política Nacional do Idoso - Lei Federal nº 8.842, de 4 de janeiro de 1994, regulamentada pelo Decreto Federal nº 1.948, de 3 de julho de 1996 - como o instrumento legal básico para o cumprimento das garantias constitucionais já asseguradas. Citam alguns aspectos dessa lei que, segundo eles, merecem maior destaque frente à realidade, ressaltando as incumbências atribuídas por ela ao Poder Público e à sociedade civil que devem, inclusive, atuar de forma conjunta através dos Conselhos do Idoso.

            Com relação ao recente Estatuto do Idoso - Lei Federal nº 10.741, de 01 de outubro de 2003 -, embora tenha trazido vários avanços, importante se torna frisar que ele padece do vício de repetir direitos e princípios já consagrados na própria Constituição Federal e também na legislação infraconstitucional o que, diga-se, acaba atrapalhando a compreensão do alcance da lei.

            Dentre os avanços e pontos positivos, Ferreira (2003) e Biasioli (2003) apontam as seguintes questões e direitos amparados e dispostos pelo Estatuto do Idoso:

·        Direito a vida.

·        Direito à liberdade, ao respeito e à dignidade. Destacam-se o direito da inviolabilidade física, psíquica e moral e a vedação ao tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor, o que abrange a preservação da identidade, autonomia, valores, idéias e crenças, espaços e objetos pessoais.

·        Alimentos. O estatuto adicionou ao Estado a obrigação de prover seu sustento, caso os familiares não tenham condições de ajudá-lo. Também o estatuto prevê a possibilidade da transação alimentícia celebrada, perante o promotor, com eficácia de título executivo extrajudicial.

·        Direito à saúde. As novidades são: atendimento domiciliar àqueles impossibilitados de se locomover; a acomodação de acompanhantes nos hospitais e a proibição da discriminação na cobrança dos planos de saúde.

·        Educação, cultura, esporte e lazer. Cria oportunidades de acesso do idoso à educação, adequando currículos, metodologias e material didático aos programas educacionais a ele destinados; determina a inserção, nos currículos escolares, de temas ligados ao processo de envelhecimento; assim como proporciona desconto de pelo menos 50% nas atividades culturais, esportivas e de lazer.

·        Profissionalização e trabalho. Veda a discriminação e a fixação de limite máximo de idade para concursos, exceto nos casos em que a natureza do cargo exigir; bem como determina a adoção nos concursos para o desempate o critério da idade.

·        Previdência social. Determinação de que o reajuste dos valores dos benefícios concedidos ocorrerá na mesma data de reajuste do salário-mínimo.

·        Assistência Social. O estatuto assegurou ao idoso acima de 65 anos (e não mais 67), que não tenha como prover a própria subsistência, nem tê-la provida pela família, o benefício mensal no valor de um salário-mínimo nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS).

·        Habitação. Prioridade na aquisição de imóveis nos programas habitacionais; assim como a assistência integral prestada por entidades na hipótese de não haver grupo familiar que ampare o idoso.

·        Transporte. Em síntese, garantindo aos maiores de 65 anos a gratuidade dos transportes coletivos públicos urbanos e semi-urbanos, assim como reserva de vagas no transporte coletivo interestadual.

·        Medidas de proteção ao idosos. São aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos no Estatuto forem ameaçados ou violados.

·        Entidades de Atendimento e sua fiscalização. O Estatuto trouxe uma disciplina mais severa quanto às entidades de atendimento e sua fiscalização.

·        Acesso à justiça. Criação de varas especializadas e da prioridade na tramitação de processos judiciais e administrativos em que idosos figurem como parte ou interveniente.

·        Crimes. Criminalização de várias condutas contrárias aos preceitos do Estatuto e lesivas aos idosos. Dentre as quais, estabeleceu punições exemplares para coibir atitudes nocivas aos idosos, como a omissão desumana ou degradante; discriminação e abandono.

            7) Finalmente, levantamos algumas questões conceituais relativas ao papel do poder público e da sociedade civil organizada, que envolveram questões sobre o Estado e o poder, sobre a sociedade civil e o terceiro setor; e isto, diga-se, para demonstrar as transformações ocorridas e que vem ocorrendo em nossa sociedade, e como essas transformações ocasionaram e ocasionam uma redefinição do papel do Estado e da sociedade civil organizada, no tocante às questões sociais. Frise-se, que tais questões são relevantes para o trabalho, uma vez que tem como objetivo geral “avaliar a possibilidade do “empoderamento” do idoso, através do exercício da cidadania, e qual o papel do poder público e da sociedade civil organizada neste processo”.

            Desenvolvemos, neste item, características das relações do poder público com a sociedade civil organizada que, sob um prisma mais restritivo, também poderia ser denominada terceiro setor. Para tanto, tentamos conceituar cada um desses segmentos sociais para melhor esclarecer o papel de cada um deles no desenvolvimento de políticas públicas e, mais especificamente, na questão do idoso no Brasil.

            Além da questão suscitada por Safiotti (in Carvalho, 2002), especificada em outros itens do trabalho e do presente texto, envolvendo a relação entre o micro e o macropoder e o exercício do micropoder pelas lideranças das organizações da sociedade civil, também destacamos, como ponto de partida, a reflexão da referida autora sobre o relacionamento do poder público com a sociedade civil organizada no que diz respeito à suas participações nas áreas do trabalho social:

            “Vale refletir sobre quais são essas instituições e esses sujeitos ou agentes, que constroem processos e relações no Brasil. Isso porque a década de 1990 trouxe à tona, em diversas áreas do trabalho com o social – prático e teórico –, discursos em torno das vantagens de dar as mãos ao Estado, seja por meio de parcerias em projetos ou de apoio às suas políticas de desobrigação para com camadas marginalizadas e necessitadas da sociedade (sem falar na classe média remediada), como, por exemplo, novas formas de qualificação para o trabalho e de geração de renda, muitas vezes fugazes e simplistas.

            Trouxe, também, um novo e discutível viés ao discurso da necessária participação da sociedade civil organizada, em busca da cidadania plena e da justiça social.” (CARVALHO, 2002, p. 25 e 26)

            Ora, observamos um movimento, um esforço, um conjunto de ações voltadas para as questões sociais partindo da sociedade civil, desempenhados pelos movimentos sociais, pelas organizações privadas sem fins lucrativos, pelas organizações que pertencem ao denominado Serviço Social Autônomo - Sistema “S” e pelos Conselhos Paritários, formados por representantes do governo e da sociedade civil. E note-se, que até mesmo alguns órgãos e entidades públicos, em especial aqueles descentralizados que possuem certa autonomia, tais como várias Universidades que têm natureza jurídica de autarquias, e mesmo aqueles pertencentes à administração direta, que desenvolvem atendimentos específicos a determinados segmentos da população, tais como os Centros de Referência aos Idosos, facilitam o desenvolvimento de ações sociais conjuntas e integradas entre a sociedade civil organizada e o poder público, uma vez que essas entidades ou órgãos públicos interagem muito facilmente com a população que os circundam. Assim, a sociedade civil organizada, em seu esforço, tem se aproximado também do poder público em busca de melhores resultados para suas ações.

III – ESTUDO DE CASOS.

1) Organizações ou Órgãos Estudados e Forma da Coleta dos Dados.

            Para o estudo de casos foram escolhidos organizações ou órgãos que, no momento da escolha dos casos que seriam estudados, pareciam desenvolver atividades efetivas e com grande visibilidade perante a sociedade em questões envolvendo os idosos, que representassem um espaço para o exercício do micropoder, e que tivessem uma natureza propícia à interação entre o poder público e a sociedade civil organizada.

            Elenca-se, a seguir, as organizações ou órgãos objeto do estudo, em que foram feitos os levantamentos empíricos:

·        Grande Conselho Municipal do Idoso da cidade de São Paulo. Espaço criado por lei pelo Poder Público municipal, para a atuação da sociedade civil em questões envolvendo os idosos. Esclarece-se que o Grande Conselho, nos termos em que foi constituído e que atua, está em dissonância com a estrutura e competência dos Conselhos paritários e deliberativos determinados pela Política Nacional do Idoso.

·        SESC/SP - Serviço Social do Comércio de São Paulo. Uma organização do Serviço Social Autônomo, também denominado Sistema “S”. É uma entidade híbrida, e isto porque, embora possua natureza privada, é mantida através de contribuição compulsória do empresariado comercial e apresenta importantes aspectos da administração pública.

·         Centro de Referência do Idoso – CRI – de São Miguel Paulista. Constituído pelo governo do Estado de São Paulo, é um órgão do poder público voltado especificamente ao atendimento da população idosa e que, em virtude de sua finalidade, faz uma grande interface com a população que o circunda.

·         Centro de Convivência da Terceira Idade da AMAVI – Associação Mais Vida, em parceria com a UNIFESP/EPM - Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina. Eis uma parceria entre uma organização privada sem fins lucrativos – associação civil - e um órgão da administração pública indireta – autarquia.

            Elucidamos que as informações foram buscadas em fontes diretas assim especificadas: (a) Dados secundários, quais sejam: documentos das entidades, folders, organogramas, funcionogramas, jornais, websites e demais materiais impressos; e (b) Dados primários, quais sejam: entrevistas semi-estruturadas com dirigentes e gestores das organizações, responsáveis pela execução de suas práticas, bem como visitas às organizações estudadas.

            Informamos, também, que se optou pela elaboração de dois modelos de entrevista, sendo um específico para o Grande Conselho Municipal do Idoso e outro utilizado para os Centros de Convivência e para o Centro de Referência.

            A estrutura do modelo de entrevista privilegiou as seguintes variáveis, a saber: (a) Dados sobre a estrutura organizacional: missão, objetivos, histórico da organização, perfil do público alvo, atividades, projetos, recursos humanos, técnicos e financeiros, avaliação de pontos fortes e fracos e efetividade do programa; (b) Informações sobre a representação política do segmento através do Grande Conselho Municipal do Idoso; (c) Informações sobre a avaliação da efetividade da legislação do idoso; e (d) Opiniões pessoais dos gestores sobre o processo de envelhecimento em São Paulo.

2) Análise e Interpretação das Entrevistas.

            A ausência de uma agenda estratégica bem definida, no campo da política pública, voltada ao atendimento do segmento em questão, cria obstáculos no processo de “empoderamento” do idoso.

            Nas entrevistas com gestores das entidades analisadas, notamos que, apesar do crescimento da população idosa e maior visibilidade de suas demandas pressionando a proposição de ações, ainda não são consideradas prioritárias para merecerem a atenção do poder público. Essas demandas, percebidas como problemas sociais, não se tornaram suficientemente visíveis à sociedade como um todo para merecerem uma ação emergencial das políticas públicas. Percebe-se a preocupação com outros segmentos populacionais, mais aptos a mobilizarem a opinião pública, por explicitarem de forma mais contundente as contradições do sistema econômico, especialmente o segmento de menores de rua.

            Portanto, para que o idoso possa exercer a sua cidadania ativa é preciso que ele compreenda e saiba situar a própria existência e, de forma coletiva, lute por interesses e benefícios coletivos. Torna-se imprescindível incentivá-lo e instrumentalizá-lo para assumir o papel de protagonista na busca de seu espaço social.

            Essa busca tem crescido significativamente, com a participação crescente de idosos, que vem se organizando em grupos de discussão e formação, como Centros de Convivência e Conselhos de Idosos. Embora, ainda, em número muito limitado na cidade de São Paulo, os Centros de Convivência e de Referência tais como os estudados - SESC, AMAVI/UNIFESP e CRI - se constituem em centros de excelência, pioneiros no segmento em questão e que têm como objetivo principal dar uma maior visibilidade ao segmento para que a sociedade possa ser sensibilizada sobre o processo de envelhecimento. Com referência ao Grande Conselho Municipal do Idoso, o número de participantes tem crescido muito, sendo que na última eleição foram inscritos 28.000 idosos. Essa participação significativa decorre, principalmente, da atuação dos Fóruns Regionais que, embora sejam independentes em relação ao Grande Conselho, exercem um papel importante na divulgação e disseminação das reivindicações discutidas no Grande Conselho.

            Por outro lado, os Centros de Convivência e de Referência procuram corresponder às expectativas dos seus usuários, ao analisarem os pontos positivos de seus programas.

            A legislação, como garantia dos direitos ou faculdades indisponíveis do idoso, é avaliada como excelente e de fácil interpretação tanto pelo SESC/SP quanto pelo Centro de Convivência do Idoso da AMAVI/UNIFESP. Porém, a Presidente do Grande Conselho Municipal do Idoso tem encontrado muitas dificuldades, ou seja, dúvidas na sua interpretação. A legislação, segundo a entrevistada, não é muito clara. Já a entrevistada do CRI declara não ter nenhuma competência para avaliar a legislação do idoso, pois não fez a leitura e a crítica necessária.

            Depreende-se, portanto, pelo acima exposto, que a legislação não foi, ainda, integralmente incorporada pelas organizações estudadas.

            Notamos, segundo entrevista realizada no Grande Conselho Municipal do Idoso, a necessidade dos conselheiros se prepararem para as novas situações provenientes de uma administração descentralizada e democrática.

            A descentralização, apontada como princípio norteador da implementação de políticas públicas na Constituição de 1988 e como uma das diretrizes básicas da LOAS e, posteriormente, da Política Nacional do Idoso, deve ser entendida como estratégia de avanço democrático. Essa estratégia permitiria, ao implementar ações de nível local, a participação direta do cidadão na tomada de decisão, a adequação dos programas à realidade de cada comunidade e maior controle e transparência do gasto público, funcionando, assim, como mecanismo de avanço no desenvolvimento da justiça social.

            A responsabilidade delegada aos munícipes, em função da descentralização, coloca novas exigências para os conselheiros. Participar nos planos de ação e no controle quanto à aplicação de recursos torna o cidadão co-responsável pelas propostas operacionalizadas. Altera-se, então, o quadro quanto aos papéis que cabem à sociedade civil dentro de uma estrutura descentralizada. É importante e necessária a capacitação dos membros do Grande Conselho para assumirem novas incumbências. Segundo entrevista com a Presidente do Grande Conselho, observamos que os conselheiros ainda não se apoderaram do seu papel, demandando maior apoio do poder público.

            Vemos, entretanto, o poder público deixando de efetivar ações que lhe são pertinentes. O grande desafio é a efetivação da legislação de proteção e amparo ao idoso, que envolve o Estado e a sociedade civil no espaço de partilha do poder, no âmbito da gestão pública e participativa das políticas sociais.

            Os Conselhos de Idosos e os Fóruns são instâncias políticas a que muitos líderes das organizações da sociedade civil e mesmo de órgãos públicos, com foco no idoso, poderiam estar ligados e realizar uma militância, que forçasse a implementação efetiva pelo Estado de políticas públicas para os idosos, universalizando os direitos sociais. Depreende-se, portanto, que é nesse exercício de micropoder que se formam as lideranças que atuam nas questões dos idosos, e que exercem suas atribuições de liderança mediante uma atuação efetiva nas organizações da sociedade civil voltadas ao idoso, nos Conselhos dos Idosos e até mesmo nas entidades e órgãos públicos que têm por finalidade interagir diretamente com a população que os circunda - Universidades e Centros de Atendimento aos Idosos. Eis, assim, a importância destes espaços de exercício de micropoder, para a efetiva implementação de políticas públicas voltadas ao atendimento de idosos, e à luta pelo direito à igualdade, à dignidade e à autonomia da pessoa idosa. Entretanto, observou-se que ainda não se consolidou uma aliança efetiva entre os diversos espaços de micropoder do segmento estudado; ressaltando-se, porém, que apesar da resistência de algumas organizações, percebeu-se que é possível uma articulação para dar maior visibilidade ao público alvo.

            O Grande Conselho Municipal do Idoso, como espaço de exercício de micropoder, enfrenta uma série de questionamentos e dúvidas, tanto no âmbito interno como externo.

            Internamente, notamos, através das entrevistas com os gestores das organizações, uma certa resistência em manifestar uma avaliação sobre a atuação do Grande Conselho, alegando não terem informações precisas sobre a atuação do respectivo órgão, além de nunca terem participado de suas Assembléias. O contato sistemático se dá diretamente com a comunidade de idosos, porém não através do Conselho. Portanto, ficou claro que as organizações estudadas não mantêm intercâmbio com o Grande Conselho Municipal e, conseqüentemente, não o reconhecem como veículo de legitimação de seus direitos.

            Por outro lado, além de não ter representantes dos Centros de Convivência como conselheiros, existe a questão da paridade, em que os representantes das Secretarias do município são conselheiros, porém não têm poder de voto e também não participam da secretaria executiva do Grande Conselho Municipal. Eles somente estão ligados às comissões temáticas (transporte, saúde, assistência social, habitação).

            A paridade é uma das idéias centrais que permeia a criação dos Conselhos. Refere-se à possibilidade de estarem frente a frente, e em igual número, representantes da sociedade civil e do governo, para planejarem e deliberarem sobre as políticas sociais a serem adotadas no atendimento às demandas sociais.

            A questão da difícil concretização da paridade é trazida constantemente para o debate no Grande Conselho. A não paridade provoca uma falta de compromisso na deliberação e efetivação das Políticas Públicas.

            O Grande Conselho Municipal do Idoso de São Paulo tem, por força da legislação existente, competências limitadas, não assumindo a responsabilidade pela execução das ações. A execução fica a cargo do gestor propriamente dito, ou seja, do Poder Executivo.

            No caso estudado, o Grande Conselho enfrenta dificuldades externas devido ao fato de ser consultivo, não tendo, portanto, poder de deliberação. Isso faz com que os projetos elaborados sejam encaminhados para a Câmara dos Vereadores de São Paulo, por intermédio da Prefeitura. Conseqüentemente, o Grande Conselho possui um poder paliativo e não de decisão, porque depende da boa vontade da Prefeitura.

            Ressalte-se, que o Grande Conselho não possui caráter deliberativo, e sim simplesmente consultivo, estando, assim, em dissonância com o que prescreve a Política Nacional do Idoso, no tocante aos Conselhos dos Idosos. Note-se, ainda, conforme já acima exposto, que o Grande Conselho não observa a paridade – igual número de representantes do poder público e da sociedade civil em sua composição – conforme também é determinado pela Lei nº 8.842/94.

            Para que a dissonância possa ser mais facilmente visualizada, elencam-se as principais características que devem ter os Conselhos dos Idosos, segundo a Política Nacional do Idoso – Lei nº 8.842/94: (a) órgãos permanentes, paritários e deliberativos, compostos por igual número de representantes dos órgãos e entidades públicas e de organizações representativas da sociedade civil ligadas à área; e (b) a quem compete a formulação, coordenação, supervisão e avaliação da política nacional do idoso, no âmbito das respectivas instâncias político-administrativas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios)

            Ora, ante o acima exposto, o Grande Conselho, como micropoder, não consegue desempenhar o papel de poder político, uma vez que a Prefeitura – macropoder – inviabiliza toda a possibilidade de autonomia e deliberação; e isto, diga-se, inclusive e principalmente, porque a legislação municipal, que instituiu o Grande Conselho, não respeita as regras sobre a paridade e atribuições dos Conselhos estabelecidas pela Política Nacional do Idoso. Desta forma, a modalidade de Conselho do Município de São Paulo, constituída em 1992, já está defasada e precisa ser revista. Torna-se necessária a elaboração de uma agenda estratégica que rediscuta a constituição e funcionamento do atual Conselho.

            Entretanto, observe-se que o idoso organizado pode e deve articular, reivindicar, pressionar e aparecer, o que, ainda, não tem conseguido na sua plenitude. À medida em que estas ações forem se concretizando, serão estabelecidas, tanto da parte do poder público quanto da sociedade civil, novas formas de dar cidadania à velhice.

            Os Conselhos representam uma alternativa viável deste patamar almejado pelo idoso, apesar dos impedimentos que se fazem presentes.

            3) Propostas e Questões Relevantes.

            Finalizando a análise dos dados obtidos pelo estudo, julgamos relevante abordar os aspectos destacados pelas organizações como aqueles que se apresentam mais significativos no tocante às questões sobre o envelhecimento e as políticas públicas. Esses aspectos se apresentam como desafios, questionamentos e perspectivas a serem consideradas no encaminhamento de ações voltadas para o idoso.

            a) Exclusão social: Expressos pela pobreza e baixo nível educacional, agravam-se mais com o enfraquecimento da saúde, nessa fase da vida. A prevenção seria uma das formas de contribuir para um envelhecimento com qualidade de vida, no entanto, há muita dificuldade em sua implementação junto aos idosos. Diante do quadro apresentado, encaminha-se o idoso para o asilamento, aonde ele dificilmente vai se mobilizar para reivindicar os seus direitos e executar os programas voltados para atender as suas necessidades.

            b) Saúde: Diversas questões relativas a essa área são apontadas como relevantes, dentre elas: b.1) Programas de promoção à saúde para todas as faixas etárias, com enfoque na informação preventiva sobre as origens de diversas doenças do envelhecimento; b.2) A necessidade de atendimento preferencial ao idoso na rede pública de saúde; b.3) A necessidade de implantação de serviços especializados para o atendimento ao idoso de alta dependência, tanto física como mental; e b.4) Programas de atendimento domiciliar e apoio às famílias pela rede pública.

            c) Programas de capacitação de técnicos para o segmento idoso.

            d) Questões de gênero: O processo de “feminização da velhice” é decorrente do fato de que as mulheres vivem mais que os homens. A dificuldade masculina de conviver e participar da comunidade, após o seu desligamento do mundo do trabalho, devido ao desemprego, em razão do envelhecimento ou mesmo por falta de planejamento para a fase da aposentadoria, desafiam as organizações que atendem os idosos do sexo masculino. A depressão e em seguida a morte prematura são freqüentes para os homens, após seu desligamento do mundo do trabalho. Por sua vez, constatou-se através das entrevistas que as mulheres vão em busca de Centros de Convivência para resgatar uma melhor qualidade de vida, em termos de autonomia e prazer.

            e) Necessidade de adequação do espaço urbano às necessidades da população idosa: O planejamento arquitetônico, tanto nas edificações públicas e comerciais, quanto nas próprias residências impedem a locomoção do idoso. Os equipamentos urbanos e de lazer, os meios de transporte público e a própria falta de segurança nas ruas e no trânsito contribuem para que o idoso não saia de casa. A cidade de São Paulo possui legislação urbana e de transporte municipal que favorecem os deficientes de um modo geral, mas não há uma fiscalização efetiva sobre a sua implementação.

            f) Convivência intergeracional: Estudos acadêmicos apontam que uma das várias formas de integrar o segmento idoso à sociedade é através da convivência entre as gerações de jovens e idosos. Na Universidade de Terceira Idade, como a da USP, os idosos e alunos jovens convivem na mesma sala de aula e realizam trabalhos em grupo; já o SESC realiza eventos (teatro, palestras, aulas), em que grupos de diversos segmentos e faixas etárias participam e colaboram na sua realização. É de grande importância que se criem mecanismos para ajustar a sociedade ao convívio e acolhimento dos idosos, bem como lhes garantir uma melhor qualidade de vida. A velhice não é somente um fato biológico, mas também um fato cultural. A integração do idoso na sociedade é enfatizada como relevante e urgente no decorrer de todas as entrevistas.

            g) Programas alternativos: Realizados por rede pública – órgãos da administração direta ou autarquias – e pelas organizações não governamentais – ONGs - visando atender as necessidades da população idosa da comunidade próxima, tais como: g.1) Implantação de grupos de convivência em bairros de periferia para melhorar as condições de vida do idoso carente, incentivando a participação comunitária e prevenção do asilamento; g.2) Implantação de centros de cuidados diurnos (day center) em bairros de periferia, apoiando e permitindo as famílias a manutenção do idoso no núcleo familiar; g.3) Programas voltados para o desenvolvimento das potencialidades do idoso; e g.4) Programas de recolocação e recapacitação para o trabalho. Entendemos que todos os esforços devem ser voltados, em primeiro lugar, para a manutenção do emprego. Porque, não há dúvida, de que manter o trabalhador no emprego é mais fácil do que reinseri-lo no mercado de trabalho.

            h) Políticas públicas: A explicitação das Políticas Públicas, através de ações voltadas para o atendimento de necessidades e cumprimento de direitos do idoso, é exigida por todos os entrevistados. A legislação, em vigor, é muito bem intencionada e redigida, mas a sua implementação deixa muito a desejar. Numa eventual falha e ato contrário ao idoso, não há como saber como recorrer e se há realmente efetividade na reclamação.

            i) Intersetorialidade: É sabido que, quando os grupos envolvidos em uma aliança podem explicitar sobre onde seus interesses divergem e convergem e, conseqüentemente, desenvolver abordagens afinadas para sustentar os interesses compartilhados e diminuir os conflitos de interesse, as chances de sucesso aumentam em empreendimentos colaborativos, possibilitando a constante revisão em circunstâncias de mudança. Portanto, a colaboração intersetorial não é fácil de se efetivar, mas é essencial para alavancar qualquer programa social. Apesar da proposta ser excelente como estratégia de ação dos grupos envolvidos, percebemos que na prática não se efetivou satisfatoriamente.

            j) Replicação de organizações inovadoras: Tendo em vista a crescente demanda da população idosa na cidade de São Paulo e a reduzida ou quase nenhuma oferta de espaços de convivência, urge a necessidade de replicação dos modelos de sucesso como SESC, CRI e AMAVI/UNIFESP, em áreas que não possuem equipamentos adequados para esse segmento.

            k) O idoso na cidade de São Paulo: As organizações estudadas foram unânimes em afirmar que a cidade de São Paulo não acolhe o idoso, impossibilitando-o de viver a sua autonomia de forma prazerosa e digna.

IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS

            A concretização da cidadania ocorre através do espaço político, como direito a ter direitos. Assim, parte-se do pressuposto que o direito a ter direitos passa pela questão do exercício da cidadania em um Estado Democrático de Direito como o nosso, onde o segmento idoso, através da participação efetiva no processo democrático, luta pela positivação de seus direitos, ou seja, luta para a elaboração leis específicas para o voltadas ao idoso. Do contrário, sem o amparo do sistema legal, o segmento idoso não estaria instrumentalizado para reivindicar a efetivação dos seus direitos em seu aspecto sócio-político e cultural.

            A sociedade brasileira apresenta uma frágil cultura política, resultado de práticas pouco democráticas, práticas estas que perduram até hoje. Romper com esta ideologia não é algo imediato, pois a ruptura implica em ações políticas concretas que envolvam a reflexão, articulação, reivindicação e estabelecimento de novas estratégias.

            Assim, apesar do direito de conquistar direitos estar formalmente garantido através de conquistas recentes, como o Estatuto do Idoso, que avança na busca da equidade, entendida como direito à diferença e respeito às necessidades especiais; a efetivação do processo de “empoderamento” deverá superar o legal/formal através da atuação efetiva dos espaços públicos, como Fóruns Regionais, Conselho Municipal do Idoso e outros equipamentos. Os centros de convivência analisados não são equipamentos de atuação política que levem a uma mobilização coletiva ativa. São espaços de melhoria de qualidade de vida individual e não de conscientização política do segmento. Porém, não invalida a possibilidade de espaços transitórios se tornarem espaços de atuação e reivindicação políticas no futuro.

            Não ignoramos o fato da velhice representar, via de regra, um aumento de dificuldades. No entanto, deve-se considerar que muitas de nossas capacidades dependem de constante exercitação para continuarem vivas e ativas; dependem, acima de tudo, da possibilidade de se alimentarem de projetos. Nisso reside um dos maiores desafios da velhice: a negação de nossa sociedade a que os idosos elaborem projetos de vida. Uma velhice digna, do mesmo modo que uma vida digna, é aquela lastreada em projetos e apoiada na recuperação de virtualidades que permaneceram latentes.

            Essas palavras não devem ser tomadas como algo imutável, mas que sirvam de  alerta e sinalização para revisões de práticas, valores e representações sobre o envelhecimento e a velhice.

            Assim, o processo de mudança, ainda que de forma lenta, vem ocorrendo. A crescente mobilização do segmento idoso, no sentido de dar uma resignificação de seu papel na sociedade, é irreversível. A semente foi plantada, basta assim, que a sociedade civil organizada, em seus espaços políticos, continue desenvolvendo o exercício da discussão para melhor apreender o significado das novas competências atribuídas ao segmento. Esse é o real papel das organizações da sociedade civil no processo de “empoderamento” do idoso, entendido como o contínuo processo que fortalece a autoconfiança dos idosos, capacita-os para a articulação de seus interesses e para a participação na comunidade e que lhes facilita o acesso aos recursos disponíveis e o controle sobre estes, a fim de que os idosos possam levar uma vida autodeterminada e auto-responsável e participar do processo político. Assim, o “empoderamento” do idoso, exercido nos espaços organizados da sociedade civil, aponta para um papel ativo dos idosos em todos os processo sociais.

            Concluímos essa reflexão com oportuno pensamento de Marcel Proust:

“... todos nós tivemos tempo para ver os verdadeiros dramas para os quais estávamos destinados. É isto que nos faz envelhecer, nada mais. As rugas e sulcos em nosso rosto são as assinaturas das grandes paixões, dos vícios e dos impulsos que nos faziam apelos, mas nós, os senhores, não estávamos em casa”. (in O Tempo Redescoberto).

Artigo escrito em setembro de 2004

Qual a importância da elaboração de políticas públicas para os idosos?

Essa Lei tem por finalidade assegurar direitos sociais que garantam a promoção da autonomia, a integração e a participação efetiva do idoso na sociedade, de modo a exercer sua cidadania.

Qual o principal objetivo das políticas públicas voltadas para a população idosa?

As políticas públicas voltadas para ao idoso, traz consigo a ideia de compartilhamento de responsabilidades com o envolvimento da família, da sociedade, da comunidade e do Estado. Nesse caso, observando a o incentivo á participação do setor privado, representado principalmente pela família.

Qual a importância das políticas públicas voltadas à saúde da pessoa idosa?

É importante pensarmos novas políticas para proteção social da pessoa idosa, mas mais do que isso, precisamos pensar em sua concretude para não a tornar mais uma lei simbólica e inefetiva. A lei não pode ser apenas um anteparo ideológico que encarece o poder legislativo em busca de um reconhecimento social.

Qual o papel da política de assistência social para a população idosa?

Seu objetivo é contribuir para a promoção da autonomia, integração e participação do idoso na sociedade e fortalecer seus vínculos familiares.

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