Qual a importância dos direitos humanos na luta pela valorização da diversidade?

Introdu��o

    O objeto de estudo do presente artigo � o Plano Nacional de Educa��o em Direitos Humanos (PNEDH) publicado em 2007. Devido � delimita��o deste estudo, discutiremos apenas um dos aspectos de que trata este documento: a quest�o da valoriza��o e do respeito � diversidade como aspecto imprescind�vel para a prote��o e garantia dos direitos humanos. Nosso intuito � analisar qual a fun��o social da quest�o da diversidade ressaltada neste documento ou, mais detalhadamente, qual a motiva��o social, pol�tica ou econ�mica que levou os respons�veis pelo documento a apresentar determinada �nfase nesta quest�o.

    Constatamos que as discuss�es acerca da diversidade, diferen�a, respeito, toler�ncia e solidariedade para com as diferentes culturas, etnias, etc., est�o cada vez mais presente no �mbito das pol�ticas educacionais brasileiras. De acordo com Carvalho (2012a), essas quest�es s�o primeiramente apresentadas pelos organismos internacionais, em especial pela Organiza��o das Na��es Unidas para a Educa��o, a Ci�ncia e a Cultura (UNESCO), desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Desde esse per�odo, essa tem�tica foi sendo cada vez mais fomentada e as organiza��es internacionais passaram a produzir orienta��es que atualmente influenciam diversos pa�ses do mundo, incluindo o Brasil, que compartilha da agenda internacional desses organismos.

    A tem�tica da diversidade est� presente n�o s� em documentos educacionais, mas tamb�m em documentos de outras �reas, por exemplo, da sa�de, do com�rcio, do meio ambiente, das rela��es internacionais, etc. Esse fato tem chamado a aten��o dos pesquisadores da �rea de pol�ticas educacionais e estes passaram a buscar maiores compreens�es sobre essa quest�o. Como n�o poderia ser diferente, o PNEDH tamb�m aborda a tem�tica da diversidade dando a ela uma import�ncia significativa. Grosso modo, este documento baseia-se na proposta de uma educa��o centrada nos direitos humanos e busca incentivar a introdu��o desta tem�tica nos diferentes ambientes educacionais e tamb�m nos mais diversos setores da sociedade.

    Constatado este fato, surge a necessidade de responder a seguinte quest�o: qual a motiva��o e fun��o social da �nfase dada � valoriza��o da diversidade presente no PNEDH. Este estudo pretende responder a essa quest�o a partir de uma an�lise documental baseada nos pressupostos te�rico-metodol�gicos do materialismo hist�rico de Karl Marx e Friedrich Engels e, tamb�m, nas contribui��es de Evangelista (2012), Castanha (2011) e Shiroma, Campos e Garcia (2005) no que tange aos requisitos para o trato com os documentos de pol�tica educacional.

    As reflex�es deste estudo ser�o expostas em dois itens: primeiramente, apresentaremos o Plano Nacional de Educa��o em Direitos Humanos (BRASIL, 2007) e os seus apontamentos sobre a tem�tica da diversidade, e; na sequ�ncia, discutiremos o surgimento, desenvolvimento e fun��o social da tem�tica da valoriza��o da diversidade nas pol�ticas educacionais brasileiras.

O PNEDH (Brasil, 2007) e a quest�o da diversidade

    O PNEDH foi produzido pelo Comit� Nacional de Educa��o em Direitos Humanos. Esse comit� foi composto pela Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), Minist�rio da Educa��o (MEC), Minist�rio da Justi�a (MJ) e pela UNESCO. Na apresenta��o do documento aponta-se que ele � fruto de uma parceria entre Estado, sociedade civil organizada e os organismos internacionais. Al�m disso, ressalta-se que �[...] o PNEDH incorpora aspectos dos principais documentos internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil � signat�rio, agregando demandas antigas e contempor�neas de nossa sociedade� (Brasil, 2007, p. 11, grifos nossos).

    Dessa forma, o documento ressalta a import�ncia da prote��o dos direitos humanos para a efetiva��o de uma sociedade democr�tica, justa e desenvolvida, e evidencia que a quest�o dos direitos humanos deve ser um dos princ�pios do Estado e das a��es estatais (pol�ticas). Nesta perspectiva, o Estado precisa considerar os direitos humanos �[...] na perspectiva da constru��o de uma sociedade baseada na promo��o da igualdade de oportunidades e da eq�idade, no respeito � diversidade e na consolida��o de uma cultura democr�tica e cidad� (Brasil, 2007, p. 11, grifos nossos).

    Afirma-se que desde o surgimento da Declara��o Universal dos Direitos Humanos da ONU, em 1948, logo ap�s a Segunda Guerra Mundial, desencadeou-se um processo que deu origem a um sistema global e regional de prote��o dos direitos humanos. No entanto, mesmo com avan�os nos aspectos jur�dicos, ainda existem muitos problemas que afetam a prote��o dos direitos humanos. Um dos problemas apontados pelo documento e sob o qual se imp�e maior �nfase � a quest�o da intoler�ncia, que tem se agravado, mesmo em sociedades historicamente mais tolerantes �[...] tem-se observado [...] a generaliza��o dos conflitos, o crescimento da intoler�ncia �tnico-racial, religiosa, cultural, geracional, territorial, f�sico-individual, de g�nero, de orienta��o sexual, de nacionalidade, de op��o pol�tica� (Brasil, 2007, p. 21, grifos nossos).

    Destaca-se que a intoler�ncia para com a diversidade � um risco aos direitos humanos, pois gera conflitos entre as pessoas. Afirmam que a globaliza��o tem aumentado o contato entre as pessoas de diferentes pa�ses e regi�es e, por isso, � preciso aprender a ser tolerantes para construir rela��es mais harm�nicas.

    Ao tratar da rela��o entre os povos e as na��es, o documento destaca que, esse processo de globaliza��o tem provocado uma concentra��o de riqueza que beneficia apenas um ter�o da humanidade, gerando conflitos que se originam das parcelas mais afetadas pelo problema. No entanto, eles afirmam que, ao mesmo tempo, a globaliza��o possibilitou novas oportunidades de reconhecer e proteger os direitos humanos. O Plano aponta algumas medidas que podem contribuir para esse reconhecimento, tais como a �[...] ado��o do princ�pio de empoderamento em benef�cio de categorias historicamente vulner�veis (mulheres, negros(as), povos ind�genas, idosos(as), pessoas com defici�ncia, grupos raciais e �tnicos, gays, l�sbicas, bissexuais, travestis e transexuais, entre outros)� (Brasil, 2007, p. 21, grifos nossos). Esse empoderamento faz parte da proposta de educa��o em direitos humanos, defendida pelo documento, e � apontado como essencial para garantir que n�o haja viola��o dos direitos humanos desses grupos vulner�veis.

    O documento destaca que o debate sobre direitos humanos no Brasil ganha espa�o e relev�ncia a partir da d�cada de 1980 com o fim da Ditadura Civil-Militar. A promulga��o da Constitui��o Federal de 1988 reconheceu os direitos civis, pol�ticos, econ�micos, sociais, culturais e ambientais de todas as pessoas e abriu o espa�o pol�tico para a garantia dos direitos humanos fundamentais. Com isso, o Brasil passou a participar dos tratados e acordos internacionais de prote��o dos direitos humanos e se mobilizou internamente, construindo um sistema nacional de direitos humanos. Mas, apesar dos avan�os do Brasil, destaca-se que:

    Ainda h� muito para ser conquistado em termos de respeito � dignidade da pessoa humana, sem distin��o de ra�a, nacionalidade, etnia, g�nero, classe social, regi�o, cultura, religi�o, orienta��o sexual, identidade de g�nero, gera��o e defici�ncia. Da mesma forma, h� muito a ser feito para efetivar o direito [...] �s diversidades cultural e religiosa, entre outras (BRASIL, 2007, p. 23, grifos nossos).

    O PNEDH est� apoiado em documentos nacionais e internacionais e demarca a inser��o do Estado brasileiro na hist�ria de luta pelos direitos humanos. A constru��o deste Plano faz parte das obriga��es do Brasil como um pa�s que aderiu aos objetivos estabelecidos pelo Programa Mundial de Educa��o em Direitos Humanos (PMEDH), dentre os quais est�: �[...] c) fomentar o entendimento, a toler�ncia, a igualdade de g�nero e a amizade entre as na��es, os povos ind�genas e grupos raciais, nacionais, �tnicos, religiosos e ling��sticos� (Brasil, 2007, p. 21).

    Observa-se que a quest�o dos direitos humanos tem sido debatida mundialmente e, a partir disso, os organismos internacionais, os Estados e a sociedade civil tem ressaltado a import�ncia dessa quest�o, no intuito de, segundo o Plano, possibilitar que todas as pessoas tenham garantidos os seus direitos fundamentais (civis, pol�ticos, econ�micos, culturais, sociais e ambientais). O documento apresenta a educa��o centrada em direitos humanos como um instrumento essencial para garantir esses direitos humanos. Sobre isso, o PNEDH ressalta:

    Sendo a educa��o um meio privilegiado na promo��o dos direitos humanos, cabe priorizar a forma��o de agentes p�blicos e sociais para atuar no campo formal e n�o-formal [...] a educa��o � compreendida como um direito em si mesmo e um meio indispens�vel para o acesso a outros direitos. A educa��o ganha, portanto, mais import�ncia quando direcionada ao pleno desenvolvimento humano e �s suas potencialidades, valorizando o respeito aos grupos socialmente exclu�dos. (Brasil, 2007, p. 25, grifos nossos).

    O PNEDH busca, por meio da educa��o: garantir os direitos humanos a todos os cidad�os e fomentar a toler�ncia e o respeito com as minorias ou grupos exclu�dos. Ele destaca que esses s�o aspectos importantes para efetivar sua proposta de educa��o em direitos humanos. Portanto, fica claro que essa proposta de educa��o apresenta, como um de seus eixos, o respeito � diversidade, como se constata no excerto a seguir:

    [...] a mobiliza��o global para a educa��o em direitos humanos est� imbricada no conceito de educa��o para uma cultura democr�tica, na compreens�o dos contextos nacional e internacional, nos valores da toler�ncia, da solidariedade, da justi�a social e na sustentabilidade, na inclus�o e na pluralidade (Brasil, 2007, p. 24).

    Na perspectiva deste documento, a educa��o pode contribuir para estimular o �[...] respeito, a toler�ncia, a promo��o e a valoriza��o das diversidades (�tnico-racial, religiosa, cultural, geracional, territorial, f�sico- individual, de g�nero, de orienta��o sexual, de nacionalidade, de op��o pol�tica, dentre outras) e a solidariedade entre povos e na��es� (Brasil, 2007, p. 25).

    Sendo assim, o documento tamb�m apresenta quais s�o os meios e estrat�gias necess�rios para efetivar a sua proposta de educa��o elencando uma s�rie de a��es necess�rias, que envolve n�o s� as escolas b�sicas e a forma��o de professores, mas tamb�m os demais setores da sociedade, como sa�de, cultura, seguran�a, esporte, lazer, etc. Al�m disso, determina-se quais os mecanismos de controle, monitoramente e avalia��o necess�rios para o sucesso de aplica��o de suas propostas.

    Cabe mencionar que, ao tratar da educa��o b�sica, o Plano define o que seria uma educa��o em direitos humanos e, nesse momento, reafirma que o respeito e valoriza��o � diversidade � um de seus princ�pios fundamentais. Em suas palavras:

    [...] a educa��o em direitos humanos deve abarcar quest�es concernentes aos campos da educa��o formal, � escola, aos procedimentos pedag�gicos, �s agendas e instrumentos que possibilitem uma a��o pedag�gica conscientizadora e libertadora, voltada para o respeito e valoriza��o da diversidade, aos conceitos de sustentabilidade e de forma��o da cidadania ativa (Ibidem, p. 31).

    Em todos os demais itens do documento se faz men��o a necessidade de respeitar, promover e valorizar a diversidade. Esse aspecto n�o � algo exclusivo deste documento, como j� afirmamos. Esta tem�tica vem sendo tratada e mencionada em documentos nacionais e internacionais desde o final do s�culo passado. Nosso intuito � compreender qual � a motiva��o social que tem levado institui��es, �rg�os e agentes de diversos campos (especialmente na �rea educacional) a afirmar e reafirmar em diversos documentos a necessidade de valoriza��o da diversidade. Por isso, no pr�ximo item buscaremos nos aprofundar no entendimento dessa tem�tica nos documentos nacionais.

A valoriza��o da diversidade nos documentos nacionais

    A discuss�es sobre tem�ticas como respeito � diversidade, combate ao preconceito, igualdade de direitos a todos, conviv�ncia harm�nica entre as diferentes culturas, etc., n�o � uma inven��o da atualidade. Esta tem�tica j� foi discutida, de diferentes maneiras, em outros momentos da hist�ria da humanidade.

    Contudo, para al�m do modesto objetivo de refletir sobre as diferen�as, existiram outras motiva��es, muitas de car�ter econ�mico e pol�tico, que tem promovido, atualmente, a introdu��o destas quest�es no �mbito das pol�ticas educacionais. De acordo com Dale e Gandin (2014), ag�ncias e organiza��es internacionais como a Organiza��o das Na��es Unidas (ONU) e a UNESCO tem um papel importante na introdu��o desta e v�rias outras tem�ticas nas pol�ticas educacionais de diversos pa�ses, inclusive no Brasil.

    Observa-se que os organismos internacionais iniciam a formula��o de orienta��es a respeito da diversidade cultural no final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Por�m, � na d�cada de 1970 e 1980 que tais orienta��es ganham expressividade, devido � crise econ�mica e o acirramento dos problemas sociais. Inicialmente, as discuss�es sobre o respeito � diversidade/diferen�as surgem no Canad�, nos Estados Unidos da Am�rica e na Europa1 e, posteriormente, se configuram como pol�ticas p�blicas nestes pa�ses. (Carvalho e Faustino, 2010).

    Segundo Faustino e Carvalho (2014), a formula��o de pol�ticas em prol da diversidade em todo o mundo � decorr�ncia do processo de reorganiza��o pol�tica, econ�mica e ideol�gica da sociedade capitalista. Para se adequar a este novo contexto, os organismos internacionais passam a formular e disseminar novas orienta��es aos seus pa�ses membros, dentre as quais est� a quest�o da valoriza��o e do respeito � diversidade. Sendo o Brasil um pa�s que compartilha da agenda pol�tica desses organismos, os princ�pios apontados nestes documentos passam a fazer parte dos documentos de pol�ticas educacionais brasileiros.

    Para compreender porque as organiza��es internacionais, e consequentemente o Brasil, passaram a introduzir essa tem�tica nos documentos de pol�ticas educacionais � preciso compreender, minimante, as principais caracter�sticas desse contexto de reorganiza��o, dentre as quais est�o: a reestrutura��o produtiva (acumula��o flex�vel), a globaliza��o, as migra��es, a desterritorializa��o da pol�tica, um novo conceito de cidadania, novas formas de sociabilidade, a investida p�s-moderna, a estrat�gia pol�tica neoliberal da Terceira Via e as novas formas de luta pol�tica (Harvey, 2014).

    Contudo, devido a variedade de quest�es, todas de suma import�ncia, e, por conta dos limites deste artigo, discutiremos apenas os tr�s primeiros fatores elencados acima: reestrutura��o produtiva, globaliza��o e fluxos migrat�rios. Compreende-se que esses s�o fatores basilares e que suas compreens�es permitem apreender os fatos que influenciam as pol�ticas em prol da diversidade. Al�m disso, a quest�o da globaliza��o e das imigra��es foi bastante mencionada no PNEDH, assim, esclarec�-la contribuir� para a compreens�o do nosso objeto de estudo. � importante ressaltar que, esses tr�s fatores est�o intimamente ligados e mant�m uma rela��o de influ�ncias rec�procas entre si.

    Abordaremos, primeiramente, a tem�tica da reestrutura��o produtiva. Observamos que essa reestrutura��o foi impulsionada pela crise econ�mica iniciada em meados da d�cada de 1970 que, por sua vez, desencadeou todo o processo de reorganiza��o pol�tica, social, cultural, ideol�gica, etc. de que estamos tratando.

    Segundo Coriat (1988), nesse processo de reestrutura��o produtiva, o modelo taylorista-fordista de produ��o perde for�a dando lugar ao sistema de acumula��o flex�vel (toyotismo). De acordo com o autor, resguardadas as suas diferen�as, estes modelos de produ��o provocaram grandes altera��es em toda a l�gica produtiva e promoveram uma eleva��o da taxa de extra��o da mais-valia consider�vel.

    Contudo, segundo Harvey (2014), as principais caracter�sticas do taylorismo-fordismo s�o a padroniza��o, rigidez e uniformiza��o da produ��o e do consumo. Estes aspectos acabaram influindo na padroniza��o dos gostos chocando-se com culturas e grupos diferentes em um momento onde as minorias exclu�das estavam reivindicando seus direitos e criticando essa padroniza��o. Sobre isso, Harvey (2014, p. 133) destaca:

    As cr�ticas e pr�ticas contraculturais dos anos 60 eram, portanto, paralelas aos movimentos das minorias exclu�das e � cr�tica da racionalidade burocr�tica despersonalizada. Todas essas correntes de oposi��o come�aram a se fundir, formando um forte movimento pol�tico-cultural, no pr�prio momento em que o fordismo como sistema econ�mico parecia estar no apogeu.

    Sendo assim, al�m do esgotamento desse modelo de produ��o havia tamb�m o descontentamento das minorias exclu�das que criticavam o avan�o de um processo de padroniza��o que n�o considerava a diversidade. Desse modo, o surgimento do modelo flex�vel, aliava-se a um discurso pr�-diversidade, que buscava aumentar as taxas de lucro e, de quebra, amenizar as tens�es sociais geradas pelos movimentos sociais. Sobre isso, Harvey (2014, p. 140) faz as seguintes considera��es:

    A Acumula��o Flex�vel, como vou cham�-la, � marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se ap�ia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padr�es de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produ��o inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de servi�os financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inova��o comercial, tecnol�gica e organizacional.

    Ao tratar da rela��o entre essas mudan�as e a quest�o da valoriza��o e reconhecimento da diversidade, Carvalho (2012a, p. 27) o discurso de defesa da diversidade �[...] ganha �nfase, j� que o avan�o da globaliza��o econ�mica, associado a flexibiliza��o produtiva, implica a necessidade de produzir bens diversificados e ampliar as possibilidades de escolha do consumidor. A diversidade fomenta a cria��o e a inova��o necess�rias a um mercado em expans�o�.

    Utilizando-se do discurso da valoriza��o da diversidade, a acumula��o flex�vel busca conquistar novos mercados atrav�s da produ��o de produtos diferenciados. Nesse momento, a diversifica��o torna-se mais produtiva que a padroniza��o generalizada, pois ela atinge um n�mero maior de consumidores, na medida em que, o mesmo produto poderia ter ades�o em determinado pa�s ou regi�o e n�o ter ades�o em outro, devido aos h�bitos, costumes e cultura daquelas pessoas.

    Ademais, como nos alertou Carvalho (2012a), a flexibiliza��o produtiva est� associada ao fen�meno de globaliza��o econ�mica. Apesar de n�o ser um fen�meno totalmente novo, a globaliza��o � um processo foi potencializado no s�culo XX por conta do desenvolvimento de meios e instrumentos, como as tecnologias de comunica��o e os transportes, que permitiram uma comunica��o mais r�pida e eficaz. No que tange � quest�o da diversidade, constatamos que estes fatores intensificaram a migra��es e receberam uma aten��o especial dos agentes pol�ticos nacionais e internacionais, por conta dos conflitos que da� se originaram. Sobre isso:

    [...] atualmente, em decorr�ncia da crise econ�mica e das imigra��es que se intensificaram nas �ltimas d�cadas do s�culo passado, um n�mero crescente de pa�ses tem vivenciado mudan�as dr�sticas em termos populacionais. Com a intensifica��o das din�micas migrat�rias, em geral de popula��es advindas dos pa�ses perif�ricos, associadas ao agravamento da pobreza e da exclus�o, aumentaram os conflitos e as tens�es, bem como as manifesta��es de racismo, de xenofobia e de intoler�ncia (Carvalho, 2012c, p. 21).

    Observa-se que as pol�ticas em prol da diversidade foram impulsionadas por processos extr�nsecos, de car�ter essencialmente econ�mico e pol�tico. Consideramos que a realidade � constitu�da por complexos sociais que se encontram em um processo de m�ltiplas determina��es e de influ�ncias rec�procas. No entanto, ao considerar isso n�o se pode abdicar da no��o de que a objetividade � o momento determinante na constru��o da realidade, ou seja, que em �ltima inst�ncia s�o os processos econ�micos (o trabalho) que exercem maior influ�ncia sobre os outros complexos (Tonet, 2013).

    � preciso enfatizar que, a reestrutura��o produtiva n�o surgiu para responder �s reivindica��es populares das minorias, ou seja, n�o foram os movimentos contr�rios � padroniza��o e em prol da diversidade que impulsionaram o surgimento do modelo de acumula��o flex�vel. No entanto, parece-nos que o discurso em prol da diversidade foi utilizado para legitimar essa nova l�gica de mercado.

    Para exemplificar esta quest�o: Lessa (2013), ao discutir a luta do movimento negro nos EUA na segunda metade do s�culo XX em prol da igualdade de direitos, explica que as pautas desse movimento foram atendidas, pois, convergiam com os interesses dos capitalistas nacionais. Lessa (2013) ressalta que isso n�o diminui a import�ncia desse movimento, mas, que o momento determinante da conquista destes direitos estava no aspecto econ�mico. Segundo ele, �A conflu�ncia objetiva entre a luta dos negros e os interesses do grande capital � a raz�o tanto para o avan�o quanto para o limite da luta dos negros estadunidenses pela cidadania� (LESSA, 2013, p. 71).

    A quest�o do respeito e valoriza��o da diversidade � e j� foi pauta de diversos movimentos sociais, como o movimento dos negros, mencionado acima. A mobiliza��o social � importante, mas � preciso estar atento para as formas pelas quais s�o atendidas as pautas destes movimentos. Observa-se que, na busca de manter a coes�o social, essas pautas s�o atendidas de forma que a reprodu��o do capital n�o seja prejudicada.

    Como apontou Martineli (2013), por vezes ele ressignifica essas pautas, dando a elas o car�ter que lhe conv�m na busca de conter os movimentos sociais, ou, por vezes, at� atende essas pautas integralmente se elas n�o impuserem limites a sua reprodu��o. Observamos que os movimentos em prol da diversidade, quando n�o tem a finalidade de alcan�ar a revolu��o social, n�o ultrapassam o limite da emancipa��o pol�tica, e, por isso, n�o caracterizam riscos a continuidade do sistema. � por esse motivo que, defender a valoriza��o da diversidade nessa perspectiva, n�o � uma incoer�ncia ou uma contradi��o insol�vel � sociedade capitalista.

    Al�m disso, como pudemos constatar, uma an�lise mais aprofundada nos mostra que a defesa da diversidade � totalmente coerente e vantajosa ao sistema do capital, pois, auxilia na eleva��o dos padr�es de lucratividade atrav�s da conquista de novos mercados e contribui para conter os conflitos advindos globaliza��o e das imigra��es. Assim, Leiman apud Lessa (2013, p. 72) afirma: �Ou seja, tanto a pol�tica de discriminar (no passado) quanto a de discriminar menos (no p�s-guerra) �(...) visavam aumentar os lucros nas condi��es presentes, e a manuten��o e amplia��o dos lucros � chave para a viabilidade do sistema capitalista��.

    Em s�ntese, verificamos que o discurso pol�tico presente no PNEDH, que endossa a valoriza��o da diversidade, n�o demonstra claramente as reais motiva��es que introduziram estas quest�es no �mbito das pol�ticas educacionais. No discurso ressalta-se a necessidade de promover a igualdade de direitos para diferentes grupos sociais, o respeito � diversidade cultural, a minimiza��o do preconceito e discrimina��o, a inclus�o social, a conviv�ncia harm�nica entre diferentes grupos, etc. Contudo, ao observarmos os determinantes do contexto em que surgem essas orienta��es, constatamos que elas n�o surgiram da sensibiliza��o para com as necessidades das minorias, mas sim, como uma forma de manuten��o da sociedade capitalista. Sobre isso, Carvalho e Faustino (2012, p. 12) destacam:

    [...] desde o final da segunda grande guerra mundial empreendida pelas pot�ncias capitalistas, foi levantada a bandeira da diversidade cultural, a qual vem se constituindo como um tema que remete ao reconhecimento e � aceita��o das diferen�as. [...] Assim, engendrou-se um sistema baseado no preconceito, na discrimina��o, na explora��o humana, na abund�ncia para alguns e escassez para milhares, nas guerras peri�dicas, na devasta��o ambiental e em outras atrocidades que precisam ser �toleradas� pela multid�o de trabalhadores desempregados e grupos exclu�dos. Os discursos e pol�ticas sobre a toler�ncia escamoteiam os interesses de domina��o e explora��o econ�mica que norteiam as guerras empreendidas pela burguesia.

    As discuss�es que envolvem as pol�ticas educacionais em prol da valoriza��o da diversidade s�o complexas e exigem uma an�lise que leve em considera��o a totalidade e suas m�ltiplas determina��es. A introdu��o desta tem�tica nas pol�ticas educacionais brasileiras � um fato j� constatado pelos autores que tratam do assunto. O PNEDH � apenas mais um dentre os diversos documentos publicados que, se n�o tem como tema principal a diversidade, mencionam ela em algum momento. O intuito deste breve texto foi evidenciar que o PNEDH � apenas parte de algo mais amplo que, em �ltima inst�ncia, visam manter e elevar as taxas de reprodu��o do capital.

Considera��es finais

    Constatamos que este Plano � parte componente de um movimento mundial que apresenta como objetivo principal, a defesa dos direitos humanos fundamentais. Dentre os aspectos necess�rios para proteger estes direitos est� a quest�o do respeito e valoriza��o da diversidade. Nesse sentido, o PNEDH ressalta que uma educa��o em direitos humanos deve ensinar os indiv�duos a serem tolerantes para com as diferen�as e valorizar a diversidade cultural. Ressaltam a import�ncia do empoderamento das minorias vulner�veis e a necessidade de estabelecer uma conviv�ncia harm�nica entre os pa�ses, grupos, regi�es, etc.

    Entretanto, quando realizamos uma an�lise mais aprofundada e atenta ao contexto hist�rico de surgimento e desenvolvimento da tem�tica da diversidade nos documentos educacionais internacionais e nacionais, observamos que o intuito deste documento n�o � simplesmente garantir a prote��o dos direitos humanos. Este contexto nos mostra que, o discurso em prol da diversidade converge com as necessidades da reestrutura��o produtiva e contribui com a manuten��o da coes�o social em um contexto de globaliza��o e de aumento dos fluxos migrat�rios. A partir dessa an�lise, consideramos que o PNEDH � uma particularidade de um processo mais amplo, processo esse que v� a valoriza��o e o respeito � diversidade como um instrumento de manuten��o e conserva��o da atual forma de sociabilidade.

Nota

  1. Segundo Carvalho e Faustino (2010) existem diversos termos que s�o utilizados quando se trata das discuss�es acerca das pol�ticas de valoriza��o e reconhecimento da diversidade cultural. S�o eles: multiculturalismo, interculturalidade, identidades, diferen�as, diversidade e pluralismo. O termo utilizado no Canad� e nos Estados Unidos da Am�rica, inicialmente, foi o multiculturalismo, j� na Europa utilizou-se o termo interculturalidade. De acordo com Carvalho e Faustino (2010) as a��es dos governos nestes pa�ses ensejaram as discuss�es sobre essas tem�ticas em outros pa�ses. As autoras alegam que �No �mbito das pol�ticas, o ide�rio do multiculturalismo se disseminou tamb�m nos pa�ses menos desenvolvidos, como os latino-americanos. A pol�tica multicultural se expressou na formaliza��o de uma agenda de compromisso a ser implementada pelo Estado como garantia � igualdade formal� (Carvalho e Faustino, 2010, p. 9).

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Outros artigos em Portugu�s

Qual a importância dos direitos humanos na luta pela valorização da diversidade?

EFDeportes.com, Revista Digital � A�o 21 � N� 220 | Buenos Aires,Septiembre de 2016
Lecturas: Educaci�n F�sica y Deportes - ISSN 1514-3465 - © 1997-2016 Derechos reservados

Qual a importância dos direitos humanos para a diversidade cultural?

Os partidários dos direitos humanos, assim como os seus opositores, podem tirar proveito de um estudo e de uma compreensão mais profundos das diferentes culturas e civilizações, com suas respectivas diversidades e seus elementos heterogêneos, segundo os diferentes períodos da história.

Qual a importância do tema direitos humanos e diversidade?

É por meio da promoção da diversidade, por meio de um conjunto de fatores habilitadores que possibilitam expressarmos a melhor versão de nós mesmos, na pluralidade e dimensões possíveis que nos formam, que temos também a dignidade. E, assim, podemos ser quem de fato somos e amar quem realmente amamos.

Qual a relação entre direitos humanos e diversidade?

Sendo assim, torna-se importante salientar que os direitos tornam os seres humanos iguais, independente de sexo, nacionalidade, etnia, classe social, profissão, opção política, crença religiosa ou convicção social, sendo imprescindível, no atual momento, desenvolver a compreensão da compreensão da importância do ...

Qual é a importância de valorizar a diversidade?

Essa é a importância da diversidade: proporcionar a oportunidade de reforçar o nosso desenvolvimento como sociedade. Evidentemente, vivemos em um mundo formado por etnias com suas especificidades, mas todos com os mesmos direitos e deveres, baseados em uma condição única de Ser Humano.