Local de onde eram trazidos os escravos

Local de onde eram trazidos os escravos

Juliana Bezerra

Professora de História

Navio negreiro era o nome pelo qual ficou conhecido o barco que transportavam os negros destinados ao trabalho escravo no continente americano entre os séculos XVI e XIX.

O primeiro embarque registrado de africanos escravizados ocorreu em 1525 e o último em 1866.

Tráfico Negreiro

Até o início do século XVIII, antes das leis que começaram a proibir o comércio de escravos, os negros era tratados como uma mercadoria semelhante a qualquer outra.

Assim, os escravizados eram transportados nos porões dos navios onde permaneciam confinados em viagens que poderiam durar dois meses, até a chegada ao destino.

Local de onde eram trazidos os escravos
"Navio Negreiro", de Rugendas, em 1830

Eram embarcados à força e aprisionados em porões que mal davam para permanecerem sentados. Os africanos escravizados eram mantidos nus, separados por sexo e os homens permaneciam acorrentados a fim de evitar revoltas. Já as mulheres, sofriam violência sexual por parte da tripulação.

Por vezes era permitido que pequenos grupos subissem ao convés para um banho de sol. Havia também o sadismo por parte da tripulação que obrigava os escravizados a dançarem ou os submetiam a humilhações diversas.

Calcula-se que, de 1525 a 1866 12,5 milhões de indivíduos (estima-se que 26% eram ainda crianças) foram transportados como mercadoria para os portos americanos.

Destes, cerca de 12,5% (1,6 milhão) não sobreviveram à viagem. É importante ressaltar que este número se refere apenas a quem morreu ainda durante a viagem.

Esse foi o maior deslocamento forçado da história registrado até o momento.

Doenças

As principais causas de mortes estavam relacionadas a problemas gastrointestinais, escorbuto e doenças infectocontagiosas - que também atingiam a tripulação.

Revoltas

Outro fator que contribuía para o elevado número de mortes eram os castigos aplicados aos revoltosos.

Grande parte dos escravos era obrigada a presenciar a punição a fim de que eles fossem persuadidos de não tentarem o mesmo.

A mais conhecida foi a do navio "Amistad" em 1839 que teria sua estória levada ao cinema. No entanto, outras revoltas como a do barco "Kentucky", de 1845, foi sufocada e todos os negros jogados ao mar.

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Aspecto de um navio negreiro inglês e a quantidade de pessoas escravizadas que poderia transportar

Fim do Tráfico Negreiro

As condições dos navios pioraram à medida em que o mercado internacional mudou o rumo e deixou de considerar lucrativa a captura e encarceramento dos negros africanos.

A partir de 1840 (um século depois de se tornar a principal comerciante de escravos do mundo), a Inglaterra passou a coibir o transporte negreiro.

Com a mudança da concepção sobre a escravidão humana, esta atividade passou a ser considerada como tráfico negreiro.

Parte da frota britânica passa a fiscalizar as rotas e a capturar os navios negreiros. Para não serem pegos em flagrante, muitas vezes os capitães ordenavam que se jogasse a “carga” – vidas humanas – ao mar.

Para compensar a vigilância britânica, os traficantes aumentaram a quantidade de cativos por navio. Isto reduziu drasticamente as condições sanitárias e estruturais das viagens, aumentando o sofrimento e o número de óbitos.

O Navio Negreiro de Castro Alves

O poeta Castro Alves (1847-1871) se engajou com o Abolicionismo e escreveu o poema "Navio Negreiro", em 1868.

Castro Alves costumava recitá-lo no teatro, tertúlias e saraus para conscientizar a sociedade brasileira dos horrores aos quais os negros era submetidos nestes navios.

Os versos descreviam as terríveis condições de viagem e faziam uma crítica direta ao governo brasileiro por ainda permitir a entrada de escravos no seu território, apesar da promulgação da Lei Eusébio de Queirós.

Leia abaixo um trecho do poema:

Era um sonho dantesco… o tombadilho Que das luzernas avermelha o brilho.

Em sangue a se banhar.

Tinir de ferros… estalar de açoite… Legiões de homens negros como a noite,

Horrendos a dançar…

Negras mulheres, suspendendo às tetas Magras crianças, cujas bocas pretas

Rega o sangue das mães:

Outras moças, mas nuas e espantadas, No turbilhão de espectros arrastadas,

Em ânsia e mágoa vãs!

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Bacharelada e Licenciada em História, pela PUC-RJ. Especialista em Relações Internacionais, pelo Unilasalle-RJ. Mestre em História da América Latina e União Europeia pela Universidade de Alcalá, Espanha.

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Jornalismo

PorAurélio Amaral

07/03/2018

Local de onde eram trazidos os escravos

A reportagem DNA identifica origem de escravos trazidos à América (VEJA Edição Digital, 10 de março de 2015) traz a informação de que os cativos enterrados há mais de 300 anos na ilha holandesa de St. Martin, no Caribe, teriam vindo de uma região que hoje engloba Camarões, Gana e Nigéria. A descoberta foi feita a partir do estudo dos esqueletos de dois homens e uma mulher encontrados em 2010 na ilha. E no Brasil, o país americano que mais escravos africanos importou entre os séculos 16 e 19? De que regiões veio essa população - em torno de quatro milhões de homens, mulheres e crianças, o equivalente a mais de um terço do volume total do comércio mundial de africanos no período?

Uma pesquisa liderada pelo médico geneticista Sérgio Danilo Pena, professor titular de Bioquímica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), analisou os genes de um grupo de negros em São Paulo e apontou que 44,5% tinham uma ancestral no Centro-Oeste da África, outros 43%, na região Oeste, e o restante (12,3%), no Sudeste. Caso não tenha sofrido mutação, o DNA mitocondrial de quem viveu há centenas ou milhares de anos é idêntico ao de um descendente. Por isso, ele é chamado de marcador de linhagem. Apesar de ter sido feito em um grupo em São Paulo, o estudo pode ser considerado uma referência para o que ocorreu no resto do Brasil, já que a cidade foi e é até hoje um pólo de migração interna no país.

Segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizado por João José Reis, professor de História da Universidade Federal da Bahia (UFBA), as regiões Centro-Oeste, Oeste e Sudeste da África contribuíram em graus variados de intensidade, dependendo do período considerado e das conexões comerciais mantidas pelos traficantes portugueses, brasileiros e africanos dos dois lados do Atlântico. Assim, os portos do Brasil podiam, por vezes, e em certos períodos, se especializar em determinadas direções do fluxo do comércio de pessoas.

Durante os séculos 16, 17 e a primeira metade do século 18, os chefes políticos e mercadores da África Centro-ocidental, em particular o território presentemente ocupado por Angola, forneceram a maior parte dos escravos utilizados em todas as regiões da América portuguesa. Na época, Portugal dominava a Feitoria de Luanda - hoje capital - e Benguela, ao sul - hoje uma província angolana. Essa região aos poucos se consolidou sob o nome de Angola. Em 1975, o país conquistou sua independência. As etnias dominantes eram os ovimbundos e ambundos. Enquanto durou o tráfico transatlântico, importantes áreas importadoras, como o Rio de Janeiro, Recife e São Paulo continuaram se abastecendo sobretudo de escravos vindos dali e, mais tarde, no fim do século 18 e começo do século 19, da costa leste africana, particularmente a área hoje ocupada por Moçambique. Desde o início do século 15, os portugueses controlavam a área - situada na atual província de Nampula, no norte. As etnias que dominavam  eram os macuas, os nhanjas e os tongas.

Os traficantes envolvidos no comércio baiano, por outro lado, a partir de meados do século 17, foram se especializando cada vez mais no Golfo do Benin (sudoeste da atual Nigéria). O fluxo atravessou a proibição do comércio de negros e continuou ilegalmente. Os portugueses haviam ali estabelecido a feitoria de Benin. O nome Nigéria - que tem relação com Delta do Rio Níger, que desemboca no sul, a sudeste do Golfo da Guiné, viria com a colonização britânica (Nigéria é a fusão das palavras Niger e area, área em inglês). A influência britânica começou justamente com o fim do tráfico, que impôs o declínio econômico dos edo, etnia predominante no local. O país passou a ter a configuração territorial próxima à atual em 1914, quando a Coroa Britânica fundiu os protetorados do Norte e do Sul, formando a colônia da Nigéria.

Diante desse histórico de relações comerciais, vale estimular a reflexão dos alunos sobre os atuais vínculos entre o Brasil e esses países africanos. Nos últimos 10 anos, a presença brasileira no continente aumentou, com a abertura de 23 novas embaixadas, totalizando 39 representações brasileiras na África. A implantação delas pode ser interpretada como uma tentativa de aprofundar laços políticos, empresariais e educacionais. Além disso, o Brasil desenvolve projetos de cooperação técnica em 40 nações do continente. Saiba mais sobre as regiões com as quais o Brasil manteve contato comercial no período do tráfico negreiro e veja como nos relacionamos com eles hoje.


Angola

É rica em minerais, especialmente diamantes, petróleo e minério de ferro. O porto da capital, Luanda, que era uma das mais importantes portas de saída de escravos para o Brasil, hoje tem como principal atividade a exportação de café, algodão, açúcar e minerais. Graças à facilidade do idioma em comum - o português - e as boas relações políticas, intensificadas a partir do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Angola se tornou um dos principais parceiros comerciais do Brasil no continente africano, principalmente na área de construção civil. Empresas brasileiras foram responsáveis pela reconstrução do país após o fim do conflito armado, em 2002. Contudo, os investimentos têm sido duramente criticados pelas sociedades civis das duas nações por reproduzir modelos e práticas econômicas que negligenciam questões ambientais e a garantia de direitos trabalhistas.

Nigéria

A Nigéria é classificada como uma economia mista e um mercado emergente. É a 12º maior produtora e a oitava maior exportadora de petróleo do mundo, além de ter uma das 10 maiores reservas do recurso fóssil. Além dele, o território nigeriano também tem uma grande variedade de recursos minerais - embora essa riqueza natural ainda seja subexplorada. Do Golfo do Benin, no sul, partiam as embarcações negreiras em direção ao Brasil. Hoje, lá está localizado o porto de Lagos, maior cidade do país. É 0 principal da Nigéria e um dos maiores e mais movimentados da África. De lá são exportadas quantidades crescentes de petróleo cru - inclusive para o Brasil. É a nossa maior fornecedora de óleo bruto de petróleo, seguido de gás natural. Os principais produtos brasileiros exportados para a Nigéria são açúcar, arroz e etanol.

Moçambique

Tem uma economia baseada principalmente na agricultura - sendo que boa parte dela é de subsistência. Algodão, cana-de-açúcar, castanha de caju, polpa do coco e mandioca são os produtos mais fortes. O porto de Quelimane, no passado um importante centro do tráfico negreiro para o Brasil no leste africano, tem como principais funções hoje o escoamento dos produtos agrícolas e a pesca marítima. Privilegiado pela facilidade do idioma - assim como a Angola, Moçambique tem como idioma oficial o português -, o Brasil tem investimentos no país, especialmente na área de mineração de carvão.

Fontes: IBGE e Rosemberg Ferracini, professor associado dos Centros Estudos Africanos da Universidade de São Paulo (CEA/USP)

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