A Ciência da motricidade humana tinha como campo de estudos aprendizagem motora ao longo da vida

Introdu��o

    O conhecimento cient�fico � popularmente tido como transmissor de uma verdade inquestion�vel, por�m, sabemos que as teorias s�o constantemente reformuladas ou superadas por outras que procuram dentro de suas limita��es responderem as inquieta��es dos cientistas.

    Segundo Capra (1997) a ci�ncia como conhecemos atualmente � fruto de uma grande revolu��o que ocorreu entre os s�culos XVI e XVII, na qual houve uma mudan�a dr�stica na forma como as pessoas descreviam o mundo. At� ent�o a vis�o org�nica era dominante na Europa, assim como em outras civiliza��es. Neste tipo de vis�o o ser humano n�o tinha por objetivo exercer controle sobre as coisas e sim entender seus significados, levando em considera��o as necessidades da comunidade em detrimento dos interesses individuais.

    Segundo o autor, a mudan�a foi iniciada por Descartes e completada por Newton no s�culo XVII. Para Descartes na ci�ncia n�o deveria haver lugar para d�vidas, mas sim para certezas absolutas. A partir de ent�o, a natureza e os seres humanos passaram a ser comparados a m�quinas. O dualismo mente-corpo foi exacerbado, em que o segundo estava a servi�o do primeiro. O m�todo cartesiano tinha como objetivo decompor os pensamentos e problemas em suas partes espec�ficas e orden�-las em uma seq��ncia l�gica. Este m�todo trouxe grandes contribui��es para a ci�ncia ao permitir o desenvolvimento de teorias cientificas, por�m, ao fragmentarmos o conhecimento perdemos a vis�o do todo.

    Uma tentativa de supera��o para essa forma de pensamento simplista, � proposta por Morin (2005) nos pressupostos te�ricos da complexidade. Para o autor o conceito de ci�ncia que foi institu�do p�s-s�culo XVII n�o permite sua pr�pria auto-investiga��o e � tido como inquestion�vel.

    Por�m, as teorias elaboradas pelo conhecimento cient�fico devem ser mut�veis, pois o conhecimento n�o � reflexo definitivo do real, e sim uma vis�o dentre outras poss�veis, pois, ao contr�rio do que se pensava, a ci�ncia n�o � definida na certeza, mas sim na incerteza, j� que o conhecimento cient�fico � sempre renovado, de modo que novas teorias surgem complementando as antigas ou ent�o as substituindo, num processo cont�nuo (MORIN, 2005).

    Assim, a ci�ncia tradicional deve superar o obscurantismo que nela reside. Esse termo foi usado por Morin (2005) para designar as especializa��es do conhecimento, pois, ao mesmo tempo em que ele serviu e foi importante para analisar a fundo os fen�menos, tamb�m gerou uma cegueira em que o cientista recusa-se a refletir sobre aquilo que n�o � pertinente � sua especialidade. Isso fez com que os cientistas utilizassem m�todos que n�o levam em considera��o os objetos ou seres vivos como culturais, gerando problemas no �mbito da ci�ncia, como por exemplo: a desconsidera��o do observador na observa��o; a retirada do objeto de estudo do ambiente ao qual faz parte; e estudar apenas as partes para se entender o todo.

    Desta forma, podemos dizer que o ser humano necessita transcender em busca de um conhecimento que seja capaz de considerar o pensamento complexo, de modo que o observador possa ser inclu�do na sua investiga��o, a an�lise do todo seja t�o importante quanto � an�lise das partes e o objeto de estudo seja pesquisado em seu ambiente.

    A divis�o que hoje existe na ci�ncia foi causada pelo dualismo cartesiano que separou o pensamento do corpo, gerando a fragmenta��o do saber e o problema das especializa��es. Isso nos levou a m�todos cient�ficos como a experimenta��o, que desconsidera os objetos e principalmente os seres vivos como culturais, que devem ser estudados ou observados de forma ecol�gica, ou seja, no ambiente ao qual fazem parte (MORIN, 2005).

    Temos que levar em considera��o que o todo � mais do que a soma das partes. Pois quando as partes se interagem, o todo apresenta caracter�sticas diferentes, ou seja, que as partes n�o cont�m. Por�m, desconsiderar as partes tamb�m parece n�o ser o caminho, pois como nos afirma o autor, o paradigma hol�stico, que tinha por objetivo analisar o todo e desprezar as partes, se tornou t�o reducionista quanto � vis�o mecanicista.

    Para um paradigma da complexidade, alguns termos como a desordem e o caos, que em nosso senso comum s�o conhecidos como problemas que devem ser evitados, na verdade s�o lembrados por Morin (2005), como de fundamental import�ncia para que novos olhares surjam, com o intuito de gerar o crescimento e a mudan�a. A crise n�o deve ser concebida como algo ruim. Na verdade quando entramos em crise, � porque algo nos incomoda e precisa ser superado.

    Esperamos ent�o que a atual crise que assola o pensamento cient�fico seja respons�vel por gerar uma mudan�a de paradigma, pois esta se faz necess�ria atualmente, e o pensamento complexo pode ser uma das possibilidades para que o pensamento simplista n�o mais prevale�a.

    Este �ltimo, ainda predomina nas ci�ncias de um modo geral, no entanto, novas teorias t�m surgido em v�rias �reas de conhecimento, com vistas a considerar a complexidade. No campo da Educa��o F�sica, uma delas � a ci�ncia da Motricidade Humana, que ser� abordada a seguir como uma possibilidade de supera��o para o pensamento reducionista/cartesiano nesta �rea do conhecimento.

A Ci�ncia da Motricidade Humana

    Quando falamos em movimento humano, devemos nos referir a um pr�-ato, isto �, uma intencionalidade que Manoel S�rgio (1999) chama de Motricidade Humana. De acordo com o autor, a ess�ncia do ser humano est� no movimento em busca da transcend�ncia. Assim quando falamos em motricidade, devemos pensar no gesto intencional, manifesto pelo corpo a partir de dentro e n�o do exterior.

    Como ci�ncia, a Motricidade Humana tem por objetivo ler as a��es do praticante que atrav�s de seu gesto intencional visa transcender. Ela tamb�m tem por objetivo a forma��o de pessoas cr�ticas, que incorporem o conhecimento adquirido para que venham a intervir culturalmente e politicamente no sentido emancipat�rio (S�RGIO, 1999).

    Neste sentido, Trov�o do Ros�rio (1999, p. 35) nos diz que:

    Como todas as ci�ncias, a Motricidade Humana tem de gerar cultura; uma cultura fundada mais na sabedoria do que no saber muitas coisas; uma cultura em que as verdadeiras ci�ncias para serem eficazes n�o podem atender a tudo e em que as Teorias, por mais belas que sejam, dever�o ser sempre consideradas como aproxima��es.

    Para o autor, esta ci�ncia estudar� as rela��es existentes entre o corpo e o meio ambiente, assim como as transforma��es que ocorrem desta rela��o; a adapta��o do inato pelo adquirido; a forma como as ci�ncias sociais e biol�gicas, juntas, explicar�o as d�vidas que anteriormente eram somente de uma. Estudar� tamb�m os processos que estruturam nosso pensar e o nosso fazer; as t�cnicas corporais utilizadas nas diversas circunst�ncias da vida e em todas as idades; as rela��es existentes entre o ser humano e seus semelhantes. Estudar� as m�ltiplas formas de matura��o e desenvolvimento do ser humano, atrav�s de processos que levem em considera��o, quem somos, o que fazemos e o que pensamos.

    Segundo Feitosa (1999) a ci�ncia da Motricidade Humana ao lan�ar o ser humano para dentro de si mesmo, desencadeia o auto-conhecimento, pois deste modo encontramos a ess�ncia humana, ou seja, a sua consci�ncia, a sua inten��o.

    A autora evidencia alguns equ�vocos que ocorrem nesta �rea de constru��o cient�fica: a tend�ncia de se confundir motricidade humana com movimento humano; a dificuldade de se distinguir consci�ncia, inten��o e vontade, como tamb�m a condi��o de sujeito e objeto no movimento humano; a tend�ncia de se identificar desenvolvimento corporal com desenvolvimento humano; o medo de errar no processo de conhecimento; e acharmos que a avalia��o quantitativa � uma via clara e justa para se medir o conhecimento.

    Estes cinco equ�vocos citados por Feitosa (1999) s�o os mais elementares e frequentes, por isso merecem uma aten��o especial. Assim, nos dois primeiros, podemos ver que quando falamos em movimento humano, estamos nos referindo apenas ao deslocamento do corpo no espa�o e n�o a intencionalidade operante que � invis�vel. Ao realizarmos um movimento sem sabermos o seu objetivo, ou a inten��o destes, estamos atuando de forma mec�nica. A intencionalidade operante requer a vontade do sujeito que desenvolveu a consci�ncia de si, da sua realidade, e da sua dimens�o invis�vel e causal.

    No terceiro equ�voco apresentado pela autora, deve ficar claro que quando falamos em desenvolvimento humano, devemos ter em mente que teremos que ir al�m da dimens�o do vis�vel, ou do que apenas sentimos, pois o que o outro sente e o que pare�o aos seus olhos, vai al�m do que sinto e do que observo � minha volta. O quarto equ�voco se refere � inseguran�a que temos no processo de conhecimento, pois na verdade o erro faz parte da a��o. N�o devemos planejar o erro, mas tamb�m n�o podemos evit�-lo. O quinto e �ltimo equ�voco � relacionado � avalia��o no processo de aprendizagem, que � uma forma aproximada de se medir o conhecimento, e deve incluir o sujeito do conhecimento avaliado e o professor, num processo cont�nuo e impar�vel de reflex�o cr�tica.

    Kolyniak Filho (2007) nos lembra que a Motricidade refere-se somente ao ser humano, pois como estamos vendo ela � a intencionalidade operante, ou seja, uma caracter�stica que n�o � aplicada a qualquer ser vivo que possui a capacidade de se mover. Ela � o conjunto de capacidades e habilidades motoras de uma pessoa, resultante de sua aprendizagem, com possibilidades e limita��es relacionadas � estrutura biol�gica dos seres humanos, e de cada indiv�duo, em especial.

    Como podemos ver nesta breve explana��o, a motricidade humana vai al�m dos pensamentos tradicionais que encaram o ser humano como mero reprodutor de gestos pr�-estabelecidos. Ela leva em considera��o o ser cr�tico e criativo, que � capaz de criar seu pr�prio conhecimento. Conhecer-se a si mesmo, os outros e o mundo, s�o princ�pios desta ci�ncia que est� emergindo. Bases te�ricas s�o necess�rias para num primeiro momento estabelecer diretrizes de atua��es pr�ticas, mas como a pr�pria ci�ncia da motricidade humana nos ensina, cada um de n�s, professores e aprendizes, deveremos construir nosso pr�prio conhecimento.

Refer�ncias

  • CAPRA, Frijof. O ponto de muta��o. S�o Paulo: Cultrix, 1997.

  • FEITOSA, Ana Maria A. ci�ncia da motricidade humana (C.M.H.). In: S�RGIO, Manoel et al. O sentido e a a��o. Lisboa: Instituto Piaget, 1999.

  • KOLYNIAK FILHO, Carol. Qualidade de vida e motricidade. In: MOREIRA, Wagner W. (org.). Qualidade de vida: complexidade e educa��o. 2� ed. Campinas: Papirus, 2007.

  • MORIN, Edgar. Ci�ncia com consci�ncia. 9� ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.

  • S�RGIO, Manoel. A racionalidade epist�mica na Educa��o F�sica do s�culo XX. In: S�RGIO, Manoel et al. O sentido e a a��o. Lisboa: Instituto Piaget, 1999.

  • TROV�O DO ROS�RIO, Alberto. A motricidade humana e a educa��o. In: S�RGIO, Manoel et al. O sentido e a a��o. Lisboa: Instituto Piaget, 1999.

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A Ciência da motricidade humana tinha como campo de estudos aprendizagem motora ao longo da vida

revista digital � A�o 14 � N� 138 | Buenos Aires,Noviembre de 2009  
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O que define a ciência da motricidade humana?

Podemos concluir que a Ciência da Motricidade Humana tem seu estudo voltado ao movimento intencional, visando à transcendência, permitindo a formação de um ser livre e autônomo. Possibilita a superação, e se preocupa com o indivíduo na sua totalidade, complexidade, o que representa a sua corporeidade.

O que a ciência da motricidade humana buscava?

EA ciência da motricidade humana buscava compreender os movimentos de acordo com o processo de desenvolvimento cognitivo e social de cada indivíduo.

Em que fase tem início a motricidade humana?

Primeiramente, a motricidade é desenvolvida naturalmente durante a infância, quando a criança corre, pula, amarra os cadarços ou segura os talheres para se alimentar.

Quais são as quatro características da ciência da motricidade humana na educação física?

7-Assinale a alternativa que indica corretamente as quatro características da ciência da motricidade humana na educação física: R-Educação motora, movimento intencional, nova ciência humana e campo de atuação em educação física.