Depoimentos de pessoas que fizeram cirurgia de quadril

Pesquisa

Pacientes com artroplastia total primária do quadril: sentimentos vivenciados

Patients with primary total hip arthroplasty: feelings experienced

Aparecida Bezerra de Lima1; Pedro Marco Karan Barbosa2; Ione Morita3

1. Enfermeira. Doutoranda em Saúde Pública na Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" da Universidade do Estado de São Paulo - UNESP. Assistente Administrativo do Complexo da Faculdade de Medicina de Marília - FAMEMA - Ambulatório Mário Covas. Marília, SP - Brasil
2. Enfermeiro. Doutor em Enfermagem Geral e Especializada. Professor da FAMEMA. Marília, SP - Brasil
3. Socióloga. Doutora em Ciências Sociais. Professora Assistente Departamento de Saúde Pública da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP. Botucatu, SP - Brasil

Endereço para correspondência

Aparecida Bezerra de Lima
E-mail:

Submetido em: 01/11/2013
Aprovado em: 05/12/2014

Resumo

O objetivo desta pesquisa foi compreender os sentimentos e as alterações vivenciadas pelos pacientes submetidos à artroplastia total primária do quadril. Estudo exploratório, com abordagem qualitativa. Para a seleção da população do estudo foi feito levantamento prévio no núcleo técnico de informática de todos os pacientes que foram submetidos à artroplastia total primária do quadril (ATPQ) devido às doenças osteoarticulares do quadril e fraturas do colo do fêmur, no período de janeiro de 2007 a dezembro de 2008; e que estiveram e/ou estavam em acompanhamento no ambulatório nesse período, totalizando 36 pacientes. A coleta dos dados se deu no período de janeiro 2009 a junho 2009. As entrevistas foram audiogravadas, utilizando-se roteiro semiestruturado e aplicando-se o critério de amostra intencional para a escolha dos entrevistados, suspendendo-as quando não mais acrescentaram novas informações (técnica de saturação). Assim, chegou-se a 14 entrevistados. Os dados foram submetidos à técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin, resultando em duas categorias: "medo de perder a perna, ter rejeição à prótese e novas quedas" e a "dependência para o cuidado". Em relação à primeira categoria, as pessoas relataram o medo da perda da mobilidade física, locomoção e novas quedas; quanto à segunda categoria, destacaram a preocupação de ficarem incapazes. Os resultados do estudo demonstraram que tais sentimentos poderiam ser amenizados se esses pacientes fossem bem orientados no pré e pós-operatórios e os profissionais de enfermagem estivessem atentos aos sentimentos detectados.

Palavras-chave: Artroplastia de Quadril; Medo; Cuidados de Enfermagem; Emoções.

INTRODUÇÃO

A artroplastia total de quadril é um procedimento cirúrgico de reconstrução do quadril adulto, sendo indicada para algumas doenças articulares degenerativas primárias e secundárias do quadril (osteoartrose), pseudoartrose do colo do fêmur, artrite reumatoide, também àqueles casos que não respondem adequadamente ao tratamento conservador em algumas doenças.1 Entre as doenças crônicas degenerativas, podem-se destacar as doenças osteoarticulares, como a artrose, doença degenerativa crônica caracterizada pela deterioração da cartilagem e pela neoformação óssea nas superfícies e margens articulares.2 Nas doenças osteoarticulares do quadril, podem-se citar também a osteonecrose, definida como doença progressiva, levando à necrose do osso por perda da circulação, ocasionada por várias etiologias. Anualmente, nos Estado Unidos, são diagnosticados 20.000 novos casos de osteonecrose e, atualmente, 18% de todas as artroplastias totais de quadril são realizadas por esse diagnóstico.3 No Brasil, conforme consta no Sistema de Informação Hospitalar do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS), no período de agosto de 2010 a julho de 2011, ocorreram aproximadamente 14.434 internações para realização dos procedimentos cirúrgicos de artroplastia total primária do quadril, cimentada e não cimentada/híbrida, perfazendo gasto total de R$ 53.706.491,50. No estado de São Paulo foram realizadas 4.339 internações, com custo de R$ 16.163.735,97; e na cidade de Marília 101 internações com valor total de 512.423,16.4

As pessoas, quando submetidas a procedimentos cirúrgicos, demandam vivenciar a hospitalização, o que, além de interromper as atividades da vida diária, pode ser precedido de sentimentos negativos em relação à perda da sua autonomia, à despersonalização que às vezes sofrem no ambiente hospitalar e também ao sentimento de medo e ansiedade que podem vivenciar. Não importa qual procedimento cirúrgico o paciente vá ser submetido, ele sempre é acrescido do medo do desconhecido e medo de morrer, resultando em aspectos dolorosos e ameaçadores em toda essa etapa.5

Pesquisas revelam que os indivíduos, quando hospitalizados, relatam que gostariam de ser tratados com afetividade, amizade, amor, dedicação e respeito.6 Outro aspecto relaciona-se ao momento que precede a cirurgia, quando os pacientes vivem também o temor relacionado às incertezas do prognóstico e risco, requerendo das equipes de saúde um olhar individualizado. Torna-se relevante, nesse momento, abordagem multidisciplinar com foco na intervenção psicológica, desde o período pré-operatório, com vistas reduzir a ansiedade.7

Pacientes em período pré-operatório de cirurgia de grande porte descreveram distintos sentimentos e percepções, entre eles o medo da morte, angústia, ansiedade, déficit de conhecimento.8 Acrescentam-se como fator de piora a ambiência hospitalar, impessoalidade no tratamento, falta de identificação dos profissionais, risco de mobilidade reduzida, insegurança, tensão e o fato de se sentirem assustados e ameaçados pelo procedimento cirúrgico.9 Somado a isso, as pessoas, quando adoecem, passam a experimentar sentimentos como raiva, ansiedade, depressão, irritabilidade, medo e outros. A melhora desses sentimentos, porém, pode ocorrer quando os indivíduos percebem que suas atividades e sua independência podem ser restabelecidas com o tempo.10

A importância da comunicação efetiva na fase pré e pós-operatória é imprescindível, uma vez que as pessoas encontram-se fragilizadas, ansiosas, com medo, inseguras e preocupadas com o procedimento. Diante disso, informações sobre a cirurgia, o tempo de duração, extensão, tipo de anestesia e experiência da dor tornam-se de extrema importância nesse momento.5,11 Orientações pré-operatórias e a comunicação entre os pacientes e equipe multiprofissional constituem uma ação terapêutica relevante e essencial para o cuidado, mostrando-se efetiva na redução da ansiedade, proporcionando mais segurança e envolvimento do paciente antes da cirurgia,12 podendo ser determinante no processo de recuperação e tão importante quanto a realização dos procedimentos técnicos.13

A justificativa para estudar a temática surgiu devido à atuação profissional na área de Ortopedia e Traumatologia, o que permitiu a observação e identificação dos problemas vivenciados, principalmente relacionados às limitações impostas pelo procedimento cirúrgico e às dúvidas na fase pré e pós-operatória, tais como: atividades diárias, atividade física, locomoção, infecções, medo da cirurgia, higiene pessoal, restrição ao leito.

OBJETIVO

Compreender os sentimentos e as alterações vivenciadas pelos pacientes submetidos à artroplastia total primária do quadril, atendidos no hospital-escola da Faculdade de Medicina de Marília (Famema).

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de estudo exploratório, com abordagem qualitativa, realizado na cidade de Marília, interior de São Paulo, Brasil, no Ambulatório Especializado em Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina de Marília, Famema. Para seleção da população do estudo foi realizado levantamento prévio no núcleo técnico de informática de todos os pacientes que foram submetidos à ATPQ por doenças osteoarticulares do quadril e fraturas do colo do fêmur, no período de 1º de janeiro de 2007 a 31 de dezembro de 2008; e que estiveram e/ou estavam em acompanhamento no referido ambulatório nesse período do estudo, totalizando 45 pacientes.

Desses 45, fizeram parte do estudo apenas 36, pois ocorreram cinco óbitos, uma recusa em participar do estudo, uma transferência para seguimento do tratamento em outro serviço, não localização de um paciente devido à alteração de seu endereço e uma entrevista foi descartada, cujo paciente teve acidente vascular encefálico, tornando-se afásico. Incluíram-se, assim, 36 pacientes - 20 do sexo masculino e 16 do sexo feminino. A coleta de dados se deu no período de 1º de janeiro de 2009 a junho de 2009.

O instrumento de coleta de dados foi um roteiro semiestruturado, com perguntas abertas e fechadas, cujas questões norteadoras se referiam aos fatores vivenciados após a alta hospitalar, abordando os cuidados domiciliares (curativo, higiene, locomoção, medicação, atividade física), à recuperação e à interferência da cirurgia na dinâmica da vida pessoal, familiar, social, bem como às alterações e sentimentos que a cirurgia desencadeou. Aqueles que aceitaram participar foram levados para uma sala reservada, longe de barulhos, onde foi feita a leitura minuciosa do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, explicando-se os detalhes e objetivo da pesquisa e que se tratava de uma entrevista semiestruturada, que seria audiogravada em MP3. Para a seleção dos sujeitos, utilizou-se o critério de inclusão amostra intencional, suspendendo-se as entrevistas quando estas não acrescentaram novas informações (técnica de saturação).14 Assim, chegou-se a 14 entrevistados.

A transcrição das entrevistas e a análise do material foram realizadas pela pesquisadora e os dados foram submetidos à técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin, seguindo-se as seguintes etapas: pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados/inferências e interpretação.15 Para a codificação dos entrevistados utilizou-se a letra "E", que indica entrevista, seguida de numeral que representa a sequência das entrevistas, posteriormente o número que identificava a categoria agrupada, seguida do sexo representado pela letra "F" feminino ou "M" masculino, e por último a idade.

Esta pesquisa constitui-se de dados parciais da dissertação de mestrado denominada "Condições de Vida de Pacientes com Artroplastia Total Primária do Quadril (ATPQ): sentimentos e alterações vivenciadas". O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Faculdade de Medicina de Marília, São Paulo, nos termos da Resolução 196/96, sob o protocolo nº 431/2008, do dia 25/08/2008.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados apresentados emergiram das entrevistas desta pesquisa a partir das unidades de significados, dando origem à construção de duas categorias: "medo, de perder a perna após a cirurgia, ter rejeição à prótese e novas quedas" e "dependência para o cuidado". Em sequência, deu-se o tratamento desses resultados, seguido da análise do material que mostrou relevância; e ao finalizar os procedimentos propostos pelo referencial metodológico, foram identificadas as duas temáticas que serão discutidas a seguir.

Vivenciando o medo

Vários são os fatores que interferem no aspecto emocional das pessoas submetidas a um procedimento cirúrgico, entre eles as emoções provocadas pela doença, o procedimento cirúrgico em si, a possibilidade da limitação, a dependência, a ansiedade por deixar os familiares e outros sentimentos. Identificou-se, no presente estudo, o "medo" em vários momentos; no pré, intra e pós-operatório. Esse sentimento pôde ser identificado nos relatos dos pacientes quando manifestam o medo de perder a perna após a cirurgia, ter rejeição ou sofrer novas quedas.

"Porque meu medo era ficar lá no hospital, sexta, sábado e domingo [...]. Tive muito medo de perder a minha perna [...]. Medo de não voltar a andar [...]. Eu queria ir sem saber de nada, medo das coisas que tinha que ouvir" (E3.1 F 54).

No relato dos entrevistados, o medo de perder a perna está relacionado à condenação a uma cadeira de rodas ou muletas para poder se movimentar, à mutilação do membro e à dependência de outros, o que passaria a ser um fato e cotidiano em sua vida. Assim, essa perda de autonomia estaria presente, comprometendo a liberdade de escolha frente às limitações impostas pelo procedimento, o que demandaria novas estratégias de enfrentamento da vida, culminando em inúmeras novas adaptações necessárias.

O tratamento das doenças ortopédicas geralmente alteram a aparência da pessoa devido ao uso de artefatos para imobilização do membro, que comprometem a mobilidade ou função de locomoção dos indivíduos, afetando as suas atividades diárias em variados graus e complexidade.16 Como já relatado anteriormente, o medo, principalmente o de perder a perna e ser um eterno dependente de outras pessoas no que se refere à mobilidade e locomoção, perpassa por fases desde a aceitação da cirurgia até a recuperação.

Emergiu, também, durante a análise dos resultados nessa categoria, o medo da rejeição no período pós-cirúrgico, como é notado no seguinte relato:

"No começo tinha medo da cirurgia, da rejeição, não sei como é isso, perder a cirurgia. Tive medo, pode haver rejeição, dar problema, não aceitar, ficar de cadeira de rodas, o medo era da cadeira de rodas [...]"(E 7.1M 53).

O medo da rejeição da prótese relatado pelos pacientes nesta pesquisa está relacionado ao risco de infecção que pode surgir após a ATPQ, uma complicação cirúrgica complexa que leva ao retardo da recuperação, deixando sequelas e causando a dependência de outras pessoas para seus cuidados por longo período ou definitivamente. A infecção na artroplastia de quadril é considerada catastrófica, pois pode demandar novas cirurgias, o que se relaciona ao aumento da taxa de mortalidade. Ressalta-se, ainda, que essas infecções são de difícil tratamento e podem estar associadas a alguns fatores como diabetes, uso de drogas imunossupressoras e períodos de internações prolongados.1 Segue o relato das dificuldades vivenciadas por uma paciente que teve infecção após o procedimento cirúrgico, o qual demandou várias cirurgias na tentativa de ser controlada. O fato gerou alterações em suas condições de vida, piora na sua dependência para o cuidado, restrição na deambulação, várias internações, alterações emocionais e interferências em sua qualidade de vida.

A primeira cirurgia infectou, deu infecção na prótese. Teve que voltar no hospital, fazer a segunda cirurgia e limpar. Depois pegou outra bactéria; teve que fazer a terceira cirurgia e quarta cirurgia. Na quinta cirurgia foi colocado o espaçador. Hoje só fico na cadeira de rodas, fico nervosa, porque quero trabalhar e não posso. Quero colocar o pé no chão, só isso que eu queria, mas ainda não posso colocar o pé no chão (E 11.2.F. 7).

Para adquirir infecção, vários fatores podem contribuir e, entre eles, a deficiência na assistência no pós-operatório, relacionada à inadequação da habilidade na execução do curativo, administração de medicamentos em horários incorretos, falta de higiene e outros, todos ligados diretamente à assistência de enfermagem.

Outro sentimento presente refere-se ao "medo de novas quedas" e está relacionado àquelas pessoas que foram submetidas à cirurgia pela fratura de ossos do colo do fêmur, conforme relatos a seguir:

"Eu operei porque eu caí de noite. Fui no banheiro, eu fui levantar caí no quarto, eram quatro horas da manhã, acho que foi o chinelo, fui me arrastando, mas tenho medo de cair outra vez. E agora, eu não faço nada, ando só segurando. Eu tenho medo de cair novamente" (E. 12.1. F. 76).

"Eu fui no banheiro. Tinha uma água no chão, pisei, aí escorreguei e caí. Eu gostaria de ter orientações para evitar cair, se tivesse não tinha caído, e o que eu preciso fazer agora para ir nos lugar sozinho? Perder o medo? Tenho muito medo de cair de novo. Se cair outra vez? Tenho medo de quebrar de novo" (E 9.1.F 66).

A queda representa um sério problema de saúde para o idoso e pode estar relacionada a vários fatores, entre eles a velocidade da marcha, depressão, limitação funcional para as suas atividades diárias, condições precárias de moradia, entre outros. Esses aspectos intensificam esse medo, dessa forma, medidas preventivas de cuidados e intervenções precisam ser tomadas para melhorar a qualidade de vida dessas pessoas e sua funcionalidade.17 Na maioria das vezes os idosos, quando caem, podem apresentar graves problemas, desde leves escoriações até grandes lesões pelo corpo ou até mesmo as fraturas de fêmur, necessitando de hospitalização e cirurgia.18 O sentimento de medo e ansiedade de cair novamente nas atividades da vida diária, tais como subir e descer escadas, banho, inclinar-se para pegar objetos no chão, levantar ou deitar-se,19 está altamente associado à capacidade funcional prejudicada de andar antes da fratura e ao número de complicações e comprometimentos das atividades de vida diária após a fratura.20

Como a queda é um acidente muito frequente entre os idosos, percebe-se que alguns fatores no ambiente doméstico podem piorar estes riscos, tais como os citados nos relatos, pisos molhados e escorregadios, calçados inadequados, falta de iluminação, ausência de corrimão em escadas e banheiros etc. Cabe ao enfermeiro dar orientações básicas de cuidados para prevenção desses riscos, principalmente em domicílio, e, dessa maneira, prevenir agravos nessa população, reduzindo o índice de novos acidentes e o medo de recorrentes quedas das pessoas que já vivenciaram essas situações.

Diante desses cenários, fazem-se necessárias implantações de programas com ações de saúde e orientações de prevenção às pessoas que já sofreram quedas e sentem medo de cair outras vezes, o que pode levar esses idosos a terem complicações ainda maiores já em idade avançada. Também há a necessidade de políticas públicas e campanhas voltadas para a saúde dos idosos, efetuando treinamento dos profissionais de saúde com a participação dos familiares, tendo como meta a redução dessas ocorrências.21

Dependência para o cuidado

Entende-se o conceito de dependência como "a incapacidade de a pessoa funcionar satisfatoriamente sem a ajuda de semelhante ou de equipamentos que lhe permitam adaptação", levando à conotação de desamparo e de impotência.22 Os pacientes submetidos à cirurgia de artroplastia total do quadril, no pós-operatório, apresentam déficit relacionado ao autocuidado para higiene e atividades da vida diária, demandando, assim, intervenções do cuidado de enfermagem devido à mobilidade física comprometida, por estarem restritos ao leito nesse período.23

Não apenas no pós-operatório, mas com a alta, a dependência para o cuidado continua revelando-se como outra categoria que surge no relato dos pacientes submetidos à ATPQ. Essa dependência envolve, além dos cuidados básicos de higiene, dificuldade para movimentar-se, necessidade de ajuda para deambular, dificuldades de acesso ao medicamento e sua administração. É séria a preocupação de ficarem incapazes de exercer atividades rotineiras e necessárias que anteriormente à cirurgia e em condições normais de vida eram executadas sem a necessidade de interferência de terceiros.

Minha filha, ela ia todo dia lá, ela trabalha; de manhã ela ia ver como eu tava, levava o café, o almoço deixava em uma marmita térmica, na cabeceira da minha cama, de tarde ela voltava me ver, deixava tudo perto só pra mexer o corpo. Isso foi difícil, duro! Eu precisava, não tinha jeito. Em relação ao xixi eu tinha uma garrafa perto da cama, pra fazer as outras necessidades eu tomei um remédio pra prender o intestino e fiquei 20 dias sem fazer cocô. Essa parte foi dura, ficava apavorado, ficar em casa sozinho [...] (E 14.2 M 65).

Pode-se perceber que as pessoas que moravam sozinhas e tiveram que passar pelo processo de convalescênça do pós-operatório em seu domicílio referiram sentimento de insegurança relacionado à assistência, solidão, fragilidade em caso de necessitar de ajuda ou passar mal e não poder contar com o auxílio imediato de alguém por perto. Nesse caso, lançou-se mão de reprimir as necessidades fisiológicas e até mesmo não poder tomar os medicamentos, por limitação na movimentação. Fica evidente que orientação e organização dos serviços de saúde, integrando rede hospitalar com atenção primária, poderiam evitar tais situações.

Acredita-se, portanto, que é necessário um plano de orientação para os cuidados de forma intensiva e, mais, que a alta hospitalar pudesse estar vinculada à educação de um cuidador que tivesse condições físicas e emocionais de desempenhar as funções a serem aprendidas. Ainda no que se refere à dependência para o cuidado, identifica-se que vivenciar a experiência cirúrgica traz implícita a necessidade da autonomia:

Depender dos outros, essa foi a dor maior que eu sofri, essa foi a minha dor, de depender dos outros, da vergonha, essa foi a dor que eu sofri, eu chorei por ser uma mulher [enfermeira] que me deu banho, senti vergonha. A dor maior da operação é depender dos outros para lavar a gente, cuidar, a única coisa que me complicou foi isso aí. Mas eu não queria depender dos outros a cama judiou [...] (E 8.2 M 63).

Percebe-se nos depoimentos a angústia das pessoas que por um período encontraram-se dependentes de outros para seus cuidados básicos de higiene, banho no leito, o incômodo de ter sido cuidado por profissionais da enfermagem do sexo oposto, tudo isso gerando sentimentos de fragilidade, vulnerabilidade e vergonha. Somando-se a isso, encontravam-se condicionados ao leito, vivenciando a incapacidade imposta pelo procedimento, não tendo a opção de ir ao banheiro, comprometendo a sua autonomia e independência em relação ao cuidado.

A cirurgia de artroplastia de quadril gera impacto sobre as atividades de vida diária das pessoas. Diante disso, requerem-se treinamentos, orientações e acompanhamentos antes e após o procedimento cirúrgico, influência no nível de conhecimento desses pacientes para o desenvolvimento das atividades de vida diária, melhora na autonomia e independência para cuidado, para que vivenciem menos problemas após a alta hospitalar em domicílio.24,25

A partir do momento em que as pessoas se tornam dependentes, demandam disponibilidade de alguém para delas cuidar. Na maioria das vezes, são pessoas da própria família, o que, mesmo assim, gera incômodo e vergonha para quem vivencia esse problema.

CONCLUSÃO

Os dados deste estudo permitem concluir que as orientações pré e pós-cirúrgicas são fundamentais às pessoas submetidas à ATPQ, sem as quais se compromete a recuperação. Torna-se evidente a necessidade de os profissionais de saúde estarem mais atentos aos sentimentos manifestados pelos pacientes nesse momento, valorizando os aspectos emocionais, principalmente em relação ao medo e à dependência para o cuidado. Constata-se, então, a relevância do estudo para a prática clínica da enfermagem, com um olhar mais específico em relação a treinamentos, orientações e acompanhamento dos pacientes, desde o período pré-operatório até o pós-operatório tardio, visto que, durante essas etapas, os indivíduos são tomados por dúvidas, medo, insegurança e angústias. Espera-se, com esta pesquisa, uma assistência de enfermagem ortopédica humanizada, segura, contribuindo para o cuidado e o processo ensino-aprendizagem na formação dos profissionais de saúde, relacionado às pessoas que foram submetidas à cirurgia de ATPQ. E também que se crie proposta de trabalho multidisciplinar articulado com o plano de cuidado nos diversos níveis de atenção, melhorando, com isso, a qualidade das orientações para os pacientes.

Frente aos dados apresentados, mesmo que o estudo tenha como limitação o fato de ser qualitativo e ter sido realizado em um único local, o que impossibilita a generalização dos achados, depreende-se a necessidade de se considerar as pessoas submetidas à ATPQ na sua totalidade, com especial atenção para os aspectos emocionais e sociais, com vistas a reduzir o seu estresse e proporcionar mais autonomia para o cuidado e recuperação.

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Quanto tempo para andar depois da cirurgia de quadril?

A força muscular normal do quadril demora em média mais de seis meses para se recuperar. Frente a isso, a fisioterapia a longo prazo é fundamental para a melhora do paciente e retomada de suas atividades.

Quem faz cirurgia de quadril pode sentar?

Evite cadeiras baixas ou sofás muito flexíveis para sentar. Dê preferência para cadeiras com braços. Sempre que sentar e levantar, afaste as pernas, estique a perna operada para frente e auxilie o movimento com a outra perna e ajuda dos braços.

É normal senti do no quadril após a cirurgia?

Nas primeiras 8-12 semanas após a cirurgia, é perfeitamente normal sentir algum desconforto. A duração e intensidade desse desconforto depende muito do que foi realizado pelo cirurgião durante o procedimento.