RESUMO. O presente texto tem por escopo principal analisar a parêmia popular segundo a qual coisa achada não é roubada. Visa fazer o verdadeiro enquadramento jurídico na moldura do artigo 169, II, do Código Penal, consistente em apropriação indébita de coisa achada. Show
Palavras-chave. Direito Penal. Coisa achada. Não devolução. Crime. Apropriação de coisa achada. Artigo 169, II, do Código Penal. SUMÁRIO. 1. NOTAS INTRODUTÓRIAS. 2. DAS NORMAS DO DIREITO CIVIL. 3. DA TIPICIDADE PENAL. 4. DO DIREITO PENAL CASTRENSE. 5. DO PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. 6. DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS. DAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 1. NOTAS INTRODUTÓRIASAdágio popular muito conhecido no meio social é no sentido de que coisa achada não é roubada. Isso mesmo. O brocardo de coisa achada não é roubada, isto porque para que a coisa fosse roubada, na correta acepção da palavra e sentido jurídico, seria preciso que alguém, para assegurar a sua posse, o faça com o uso de violência ou grave ameaça. Assim agindo, estaria configurado o tipo penal previsto no artigo 157 do Código Penal, consistente em subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência, cominando pena de reclusão, de quatro a dez anos, e multa. 2. DAS NORMAS DO DIREITO CIVILAgora segundo dicção do artigo 1.233 do Código Civil, Lei nº 10.406/2002, que prevê o instituto da descoberta, aquele que ache coisa alheia perdida há de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor. Não o conhecendo, o descobridor fará por encontrá-lo, e, se não o encontrar, entregará a coisa achada à autoridade competente. A lei não informa que tipo de autoridade deverá a coisa ser entregue, o que vai depender da coisa. Imagine alguém localizar um cachorro perdido de seu dono. O descobridor deverá diligenciar para localizar o seu verdadeiro dono, afixando anúncios em postes, rádios, grupos de redes sociais. Não encontrando o domo, deverá fazer a entrega numa Organização Não governamental e entidades de proteção aos animais. Aquele que restituir a coisa achada, nos termos do artigo antecedente, terá direito a uma recompensa não inferior a cinco por cento do seu valor, e à indenização pelas despesas que houver feito com a conservação e transporte da coisa, se o dono não preferir abandoná-la. Na determinação do montante da recompensa, considerar-se-á o esforço desenvolvido pelo descobridor para encontrar o dono, ou o legítimo possuidor, as possibilidades que teria este de encontrar a coisa e a situação econômica de ambos. O descobridor responde pelos prejuízos causados ao proprietário ou possuidor legítimo, quando tiver procedido com dolo. A autoridade competente dará conhecimento da descoberta através da imprensa e outros meios de informação, somente expedindo editais se o seu valor os comportar. Decorridos sessenta dias da divulgação da notícia pela imprensa, ou do edital, não se apresentando quem comprove a propriedade sobre a coisa, será esta vendida em hasta pública e, deduzidas do preço as despesas, mais a recompensa do descobridor, pertencerá o remanescente ao Município em cuja circunscrição se deparou o objeto perdido. Sendo de diminuto valor, poderá o Município abandonar a coisa em favor de quem a achou. 3. DA TIPICIDADE PENALPor outro lado, aquela que se apropria de coisa achada não fazendo a sua devida devolução ao legítimo dono pode cometer conduta criminosa de apropriação indébita de coisa achada prevista no artigo 169, inciso II, do Código Penal, a saber:
A pena será de detenção, de um mês a um ano, ou multa. Portanto, trata-se de pena alternativa, ou pena privativa de liberdade ou tão somente pena de multa. Por se tratar de crime de menor potencial ofensivo, cuja pena máxima em abstrato não é superior a dois anos de prisão, a competência para o processo e julgamento é do Juizado Especial Criminal, Lei nº 9.099/95. Lado outro, o Código Penal Militar, Decreto-Lei nº 1001/69, também criminaliza a conduta de apropriação de coisa achada, em seu artigo 249, parágrafo único, punindo com detenção de até ano, in verbis:
Inúmeras são as decisões acerca do tema nos Tribunais Superiores, a saber:
Vale ressaltar importante entendimento acerca do tema em testilha:
E mais:
4. DO DIREITO PENAL CASTRENSENo caso da Justiça Castrense, sendo o agente primário, e de pequeno valor a coisa apropriada, o juiz pode diminuir a pena de um a dois terços, ou considerar a infração como disciplinar. Entende-se pequeno o valor que não exceda a um décimo da quantia mensal do mais alto salário mínimo do país. Também aplica-se o mesmo benefício, em sendo o autor primário, este restitui a coisa ao seu dono ou repara o dano causado, antes de instaurada a ação penal. Consoante artigo 90-A, as disposições da Lei nº 9.099/95, não se aplicam no âmbito da Justiça Militar. A Súmula nº 9 do Superior Tribunal Militar, aduz:
Agora se a coisa achada foi abandonada pelo legítimo proprietário, a chamada res derelictae e coisa de ninguém ou res nulliis que não podem figurar como objeto material do crime de furto, com maior razão também não poderá servir de objeto material do crime de apropriação indébita de coisa achada. 5. DO PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA.O capítulo XV, Seção VIII, do Código de Processo Civil, Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, define os procedimentos de jurisdição voluntário, sendo o procedimento atinente às coisas vagas, artigo 746 estatui que recebendo do descobridor coisa alheia perdida, o juiz mandará lavrar o respectivo auto, do qual constará a descrição do bem e as declarações do descobridor. Recebida a coisa por autoridade policial, esta a remeterá em seguida ao juízo competente. Depositada a coisa, o juiz mandará publicar edital na rede mundial de computadores, no sítio do tribunal a que estiver vinculado e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça ou, não havendo sítio, no órgão oficial e na imprensa da comarca, para que o dono ou o legítimo possuidor a reclame, salvo se se tratar de coisa de pequeno valor e não for possível a publicação no sítio do tribunal, caso em que o edital será apenas afixado no átrio do edifício do fórum. 6. DAS CONSIDERAÇÕES FINAISA doutrina pátria mais autorizada critica a existência do tipo penal de apropriação indébita de coisa achada, argumentando com razoável razão que o Direito Civil é instrumento hábil e suficientemente capaz de proteger o bem jurídico lesado, havendo quem sustente a necessidade de revogação do artigo 169, II, do Código Penal, em nome do princípio da intervenção mínima do moderno direito penal. Ademais, além da questão do intervencionismo mínimo do Direito Penal, ferramenta a ser utilizada somente quando os demais ramos do direto se demonstrarem ineficazes para a tutela dos bens jurídicos em jogo, é correto afirmar que aquele que se apropria de coisa achada, que, portanto, não lhe pertence, indubitavelmente, padece de bons valores morais, educacionais, fraqueza de caráter, além de graves ofensas a outros princípios éticos de boa convivência, contumélia irremissível a valores agudos salvaguardados por uma sociedade que estimula o bom caráter e o senso de responsabilidade entre seus membros. Diante do exposto, pode-se afirmar, categoricamente, que coisa achada não é mesmo roubada, mas achando e NÃO devolvendo ao seu verdadeiro dono, o sujeito está incorrendo no CRIME de apropriação indébita de coisa achada, na melhor forma do artigo 169, II, do Código Penal. DAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBRASIL. Código Penal Brasileiro. Decreto-Lei nº 2848, de 07 de dezembro de 1940. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848compilado.htm. Acesso em 13 de abril de 2019. BRASIL. Código Civil Brasileiro. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm. Acesso em 13 de abril de 2019. BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm. Acesso em 13 de abril de 2019, às 22h43min. FRANCO, Alberto Silva... ( et al.). Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. 4ª Edição, revista e ampliada. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo. 1993. Quem quer que ache coisa alheia perdida adquire a propriedade?Quem quer que ache coisa alheia perdida há de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor. Não o conhecendo, o descobridor fará por encontrá-lo, e, se não o encontrar, entregará a coisa achada à autoridade competente.
Em que consiste o Achádego?Aquele que encontra a coisa perdida e a restitui ao seu dono, em virtude da promessa de recompensa.
Quem acha algo tem direito a recompensa?1.234. Aquele que restituir a coisa achada, nos termos do artigo antecedente, terá direito a uma recompensa não inferior a cinco por cento do seu valor, e à indenização pelas despesas que houver feito com a conservação e transporte da coisa, se o dono não preferir abandoná-la.
Quem acha é dono?Realmente, achado não é roubado, mas não devolver o objeto encontrado é crime de qualquer maneira. Este crime chama-se “apropriação de coisa achada”, cuja pena é de detenção de um mês a um ano ou multa, de acordo com o art. 169 do Código Penal.
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