Quem criou a política do Pão e circo

Na Roma Antiga, a escravidão elevou o índice de desemprego. Por conta disso, os camponeses desempregados migraram para as cidades romanas em busca de melhores condições de vida, consequentemente, esse crescimento urbano acarretou diversos problemas sociais. Para atenuar a insatisfação contra os governantes e conter uma possível revolta plebeia, o primeiro imperador romano, Otávio Augusto, que governou de 27 a.C. a 14 d.C., criou a política do pão e circo. A medida consistia em oferecer alimento e diversão à população carente.

Quase todos os dias, o governo promovia lutas de gladiadores nas arenas, tais como o Coliseu, e na entrada desses estádios eram distribuídos pães gratuitamente. Com isso, as chances de revoltas diminuíam, já que a classe baixa acabava se esquecendo dos problemas da vida. Era o que argumentava Augusto: divertidos e bem alimentados, não teriam por que reclamar.

Impérios foram erguidos, conquistados e destruídos. Anos se passaram, porém o conceito da política do pão e circo continua vivo, contudo com outros elementos: Bolsa Família e futebol. Na última quarta-feira (4/7), o Hospital Universitário Pedro Ernesto (Vila Isabel, zona norte do Rio de Janeiro) pegou fogo. Diversos pacientes tiveram que evacuar o local sem o menor auxílio, inclusive pessoas que, por conta de membros fraturados, estavam com gesso. Uma mulher, que tinha fibrose pulmonar, faleceu por conta da inalação de muita fumaça.

Os leões e os pães

No entanto, o Jornal Nacional abriu o programa falando da final da Libertadores que seria disputada pelos times Boca Juniors e Corinthians. Durante a programação, diversos links ao vivo relatavam a situação do estádio do Pacaembu. No dia seguinte, o Senado aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que acaba com o voto secreto para cassação de mandato. Contudo, a pauta do dia dizia respeito à vitória do Corinthians. A história do time alvinegro foi contada de diversas maneiras pelos mais diversificados veículos.

E em meio a tanta emoção corintiana, eu me pergunto: greves de universidades públicas, situação precária do Sistema Único de Saúde, CPI do Cachoeira, caso Demóstenes, desindustrialização do país e tantos outros assuntos relevantes, onde estão?

Será que os leões dos circos antigos e os pães de Augusto os devoraram?

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[Flavia Arcanjo é jornalista, São Paulo, SP]

A política do pão e circo é uma expressão muito conhecida e remete ao império da Roma Antiga. Na época, o imperador utilizava distrações como comida e entretenimento para apaziguar a população. Assim, ela sugere um sentido historiográfico, ou seja, de descrever um momento histórico específico.

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Todavia, a expressão é bastante útil para discutir políticas implementadas ainda hoje. Portanto, muitos utilizam o termo como uma metáfora para falar sobre ou criticar o que os governos atuais fazem com o povo. Entenda mais sobre o assunto a seguir!

O que é a política do pão e circo

A política do pão e circo é qualquer método utilizado pelo governo que seja baseado em dar diversão e alimento ao povo. Sendo que seu principal objetivo é distrair as pessoas dos problemas sociais. Essa expressão vem do latim panem et circenses e remete ao tempo em que imperadores em Roma davam pão e trigo para os pobres nos espetáculos de luta de gladiadores.

A política do pão e circo em Roma

Quem criou a política do Pão e circo
Pollice verso, de Jean-Léon Gérôme (1872)

Otávio Augusto foi o primeiro imperador romano em 27 a.C., ficando conhecido por apaziguar a sociedade em um momento de crise e mudanças. Uma das políticas públicas adotadas por ele foi a de distribuir pão para pobres que estavam na rua, além de lhes dar um trabalho em espetáculos.

No entanto, após sua morte as crises retornaram e os governantes se inspiraram em sua política. Porém, de um modo diferente, isso porque passaram a ser oferecidos pão e trigo aos pobres dentro de espetáculos no coliseu.

Nesses eventos, gladiadores – que geralmente eram presos de guerra – lutavam quase diariamente. E o objetivo dos governantes era de distrair a população dos problemas sociais, evitando que uma rebelião acontecesse.

De acordo com historiadores, o povo não era simplesmente uma massa alienada e enganada por essa política. Afinal, as pequenas migalhas não eram suficientes para alimentar uma família. Muito pelo contrário, a população em geral estava ocupada com seu trabalho e ofícios, sem tempo livre. A política do pão e circo, no entanto, preenchia essa lacuna que restava.

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Quando um governo oferece algo que a população quer, com o objetivo de apaziguar as possíveis revoltas, chamamos o fenômeno de pão e circo. E atualmente, existem outros conceitos da ciência política que são parecidos com essa abordagem, como o clientelismo.

O clientelismo é considerado um fenômeno atrasado, utilizado por representantes que usam alguns benefícios como instrumento de barganha para a população mais pobre. Em outros termos, é “comprar o voto” de um grupo dando-lhes algo que desejam. Nesse sentido, o povo é considerado novamente como uma massa de manobra da política do pão e circo.

Todavia, pesquisas atuais discutem como essa prática revela que a população não é ingênua ou alienada. Isso porque as pessoas sabem quando são desprivilegiadas e que esse clientelismo pode ser a única forma de obter benefícios. Consequentemente, sua existência mostra que ainda lidamos com muita desigualdade social.

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Desse modo, a ideia é que quanto menor essa desigualdade, menores são as chances do clientelismo ou da política do pão e circo permanecerem ativos.

Exemplos para entender mais sobre o assunto

Confira abaixo uma lista de exemplos de política do pão e circo:

  • Futebol: o futebol foi por muito tempo considerado o espetáculo que distrai os brasileiros dos problemas sociais. A metáfora parece adequada porque, assim como nos coliseus, ele acontece dentro de um estádio, como um evento para um grande número de pessoas.
  • Compra de voto: no Brasil, as atividades de um candidato dar a alguém um benefício em troca da garantia de seu voto nas eleições são bem conhecidas. Já se sabe de casos, por exemplo, em que notas de dinheiro são grampeadas nos santinhos, com a identificação do candidato. Essas ações, no entanto, são consideradas crime eleitoral.
  • Loterias: também são um exemplo de pão e circo se considerarmos que elas alimentam a esperança da população mais pobre de enriquecer por meio da sorte. Os reais determinantes sociais da pobreza e a necessidade de políticas públicas efetivas seriam esquecidas nesse meio.

Desse modo, a política do pão e circo é uma boa metáfora para pensar nas atitudes de nossos governantes. Portanto, quando investem seu dinheiro com o objetivo de distrair a população e se beneficiar disso, essa é uma expressão que cai muito bem.

Referências

As visões historiográficas sobre o “pão e circo”: a plebs no contexto político-social da Roma imperial, séculos I-II d. C.;

Pão e circo, ou a morte do outro – Jussemar Weiss Gonçalves;

Brasil, a continuidade da política do pão e circo ou é só impressão? – Sidney Soares Filho;

Assimetrias políticas, clientelismo e democracia: uma discussão conceitual – Paulo D’Avila Filho.

Exercícios resolvidos

1. [UFAL]

A fim de controlar as inúmeras revoltas dos escravos e o descontentamento popular entre os plebeus, o Imperador romano Otávio Augusto adotou a seguinte medida: a) A criação do Primeiro Triunvirato e a concessão de cidadania aos plebeus. b) Redividiu as terras e criou novas colônias para acabar com a desocupação da plebe urbana e atraí-la para o trabalho rural. c) Determinou que os latifundiários fossem obrigados a empregar pelo menos um terço dos trabalhadores livres. d) Usou uma política chamada pelos romanos de Pão e Circo, na qual o governo organizava os espetáculos públicos onde se distribuía porções de trigo à população.

e) A criação em 493 a.C., do Tribunato da Plebe, assembleia formada exclusivamente por plebeus.

Resposta: d

Justificativa: a política do pão e circo surgiu na Roma imperial, com Otávio Augusto. Seus sucessores também se inspiraram no primeiro imperador para continuar reproduzindo esse tipo de política.

2. [UEL]

A expansão imperial romana resultou, a partir do século I d.C., na utilização do trabalho escravo em grande escala e no aumento significativo do número de plebeus desocupados, aos quais se juntaram levas de pequenos agricultores arruinados. Isso incrementou o êxodo rural e provocou o inchamento das cidades, especialmente de Roma. Para amenizar o problema social dessas massas, o Estado passou a dar-lhes subsídios. Essa política caracterizou-se pela distribuição de:

a) Terras para os desocupados, caracterizando uma verdadeira reforma agrária, conhecida como a política agrária, de Licínio. b) Dinheiro para a aquisição de roupas e alimentos, combatendo a inflação que assolava a República, provocada pela política de Tucídides. c) Grãos a preços baixos e espetáculos públicos gratuitos, conhecida como a política do pão e circo, de Augusto. d) Sementes, instrumentos agrícolas e escravos para o cultivo de terras na Sicília e no norte da África: a política de colonização, de Suetônio.

e) Escravos para estimular a agricultura da Península Ibérica, conhecida como a política agrícola, de Cláudio.

Resposta: c

Justificativa: o cenário de crise que o império romano avistava necessitava de alguma solução. Com isso, o imperador instituiu a política do pão e circo para distrair a camada mais pobre dos problemas sociais. Essa atitude é utilizada hoje como metáfora para políticas parecidas adotadas por governantes ou candidatos para eleições na atualidade.