Exemplos de instituições da sociedade civil

Sociedade Civil

Virg�nia Fontes

A categoria de sociedade civil nasce com o mundo burgu�s, vinculado ao conceito de Estado. Antonio Gramsci, no s�culo XX, critica e reformula o conceito. Na atualidade, tanto o conceito como as pr�prias entidades da sociedade civil s�o �mbito de intensas lutas sociais entre uma abordagem (e uma pr�tica) de cunho liberal e uma abordagem (e uma pr�tica) cr�tica.

Nas origens do pensamento liberal, Hobbes (1588-1674), pensador contratualista anglo-sax�nico, descartou o pensamento religioso, analisou as institui��es pol�ticas como resultantes de acordo humano e definiu o Estado como um pacto (contrato). Adaptava o conhecimento da sociedade a uma ci�ncia natural empiricista: partia de um pressuposto imediato � o indiv�duo � e dele deduzia uma 'natureza humana' permanente, fixa, 'natural'. Tais indiv�duos seriam naturalmente ego�stas, defendendo seu pr�prio interesse e tenderiam permanentemente � viol�ncia, � luta de todos contra todos. O pacto entre os indiv�duos exigia abrirem m�o de sua viol�ncia 'natural', delegando unicamente ao Estado o poder, ou o controle da viol�ncia, agora legitimada, garantindo assim o direito � vida. Esse pacto n�o poderia ser rompido, pois o soberano doravante teria o direito de imp�-lo contra qualquer amea�a. O Estado era considerado como um 'sujeito', contendo uma l�gica pr�pria e uma raz�o pr�pria. Pouco depois, Locke (1632-1704) manteria essa no��o de 'natureza humana', agregando a propriedade como seu atributo fundamental. Como decorr�ncia, o Estado tornava-se o garantidor da propriedade. Hoje sabemos que nenhuma evid�ncia hist�rica lastreia essa suposi��o de guerra contra todos. As sociedades sem Estado jamais foram marcadas por viol�ncia interna similar e, ao contr�rio, seus integrantes mantinham rela��es bem menos tensas. Rousseau (1712-1778) apontaria a propriedade privada como base das desigualdades sociais e da viol�ncia.

Ainda no pensamento liberal, o pacto estatal implica o surgimento simult�neo de duas novas categorias: uma sociedade pol�tica e uma sociedade civil. A sociedade pol�tica seria constitu�da pelas institui��es do poder soberano (os �rg�os do Estado), enquanto a sociedade civil seria a base da vida social. Introduz-se uma cis�o insuper�vel entre o Estado e a sociedade: a sociedade seria 'natural', enquanto o pacto seria uma conven��o a ser administrada; a sociedade civil seria o local da vida privada, enquanto a sociedade pol�tica se regeria por imperativos distintos (vida, seguran�a, propriedade, ordem e defesa externa constituiriam a raz�o de Estado); finalmente, e sua deriva��o mais problem�tica, o pacto, embora resulte de uma a��o humana, n�o poderia por ela ser rompido, sob o risco de imediato retorno � barb�rie (ou viol�ncia).

Para Hobbes, a sociedade civil se subordina ao Estado, o qual deteria todos os poderes (defende um Estado Absolutista). Com Locke (e com seus seguidores) a no��o se modifica, pois a defesa da propriedade exigiria que o Estado acatasse as reivindica��es dos propriet�rios: todos os homens integrariam a sociedade civil, mas somente os propriet�rios poderiam se manifestar plenamente. Os principais pensadores pol�ticos liberais subseq�entes se ocupariam sobretudo do aperfei�oamento das institui��es governamentais, para melhor assegurar as necessidades e/ou exig�ncias dos propriet�rios.

Ora, uma natureza humana concebida dessa maneira espelha a sociedade burguesa, na qual competem interesses individuais contradit�rios, expressos na sociedade civil. Em contrapartida, o Estado � detentor da viol�ncia leg�tima � parece pairar acima da sociedade, assumindo uma dupla fei��o. Por sua dist�ncia de cada interesse singular, seria o garantidor do interesse de todos (a raz�o do Estado). Pela mesma raz�o, n�o deveria imiscuir-se nos interesses privados da sociedade civil (os interesses burgueses) que, ao contr�rio, deveria assegurar.

O conceito de sociedade civil e de Estado foi submetido � intensa cr�tica por Marx e Engels, no s�culo XIX, que demonstram as raz�es hist�ricas do surgimento de Estados e analisam o caso espec�fico do Estado burgu�s e capitalista. Desmantelando a no��o de 'pacto', demonstram como o Estado corresponde � necessidade de classes sociais dominantes para assegurar a reprodu��o de sua domina��o. Assim, explicam a forma real do Estado, a sua apar�ncia e, ainda, os discursos ideol�gicos ou as apologias do existente. O Estado � a forma pela qual os diversos interesses das diferentes classes dominantes que historicamente existiram encontram uma forma de unifica��o interna e se imp�em � pelo uso da viol�ncia, mas tamb�m do convencimento, por meio� da ideologia � sobre todo o conjunto social (Marx e Engels, 2007). N�o h� nenhuma separa��o entre Estado e sociedade: ao contr�rio, o Estado resulta da rela��o entre classes sociais e, portanto, encontra sua raz�o de ser nesta rela��o. A apar�ncia de separa��o � legitimada e refor�ada pelos fil�sofos que sustentavam uma burguesia em ascens�o � � a forma pela qual opera exatamente a ideologia. Supor um Estado com l�gica pr�pria, distinta daquela que permeia a vida social, permite justificar a perpetua��o desta mesma forma de organiza��o da vida social.

Marx e Engels demonstram que o pensamento liberal nascente, mais do que compreender o Estado burgu�s, tomava parte na luta burguesa contra as formas de Estado precedentes e as antigas classes dominantes. Os liberais consideravam como 'natureza humana' as caracter�sticas predominantes na sociedade burguesa; ocultavam a exist�ncia da rela��o social de explora��o e subalterniza��o entre as novas classes sociais, idealizando um formato para Estado e autonomizando-o; desconsideravam o processo hist�rico que levou � instaura��o de Estados e, ainda mais grave, aboliam o futuro, apresentando o Estado burgu�s como necessidade eterna. Sua vis�o de mundo reiterava permanentemente a domina��o burguesa e sua forma de Estado. Ap�s sua cr�tica radical, Marx e Engels praticamente abandonam o conceito de sociedade civil, relegando-o ao passado liberal.

Caber� a Gramsci refundar o conceito, por�m em estreita conson�ncia com as bases cr�ticas lan�adas por esses autores. Para ele, o conceito de sociedade civil � insepar�vel da no��o de totalidade, isto �, da luta entre as classes sociais, e integra sua mais densa reflex�o sobre o Estado ampliado. Gramsci procurou compreender a organiza��o das vontades coletivas e sua convers�o em aceita��o da domina��o, por meio� do Estado capitalista desenvolvido, em especial, a partir do momento em que incorpora, de modo subordinado, conquistas de tipo democratizante resultantes das lutas populares. Assim, a sociedade civil � indissoci�vel dos aparelhos privados de hegemonia � as formas concretas de organiza��o de vis�es de mundo, da consci�ncia social, de formas de ser, de sociabilidade e de cultura, adequadas aos interesses hegem�nicos (burgueses). Assinala a amplia��o dos espa�os de luta de classes nas sociedades contempor�neas, em sua �ntima vincula��o com o Estado. Seu objetivo � contribuir para superar o terreno dos interesses (corporativo) e o de uma vontade plasmada pela vontade estatal, defendendo uma� sociedade igualit�ria (Gramsci, 2000 e 2001).

N�o h� oposi��o entre sociedade civil e Estado, em Gramsci, pois a sociedade civil � duplo espa�o de luta de classes: expressa contradi��es e ajustes entre fra��es da classe dominante e, ao mesmo tempo, nela se organizam tamb�m as lutas entre as classes. Os aparelhos privados de hegemonia (ou de contra-hegemonia) s�o organiza��es nas quais se elaboram e moldam vontades, e com base nas� quais as formas de domina��o (ou de luta contra ela) se irradiam para dentro e para fora do Estado. A� subjaz o convencimento n�o apenas de maneira est�tica, mas como processo.

Para Gramsci, Estado ampliado significa maior convencimento, mas n�o elimina a coer��o. Seu momento predominantemente consensual ocorre por interm�dio� da sociedade civil - aparelhos privados de hegemonia. Disseminam-se entidades associativas que formulam, educam e preparam seus integrantes para a defesa de determinadas posi��es sociais e para uma certa sociabilidade. Sua estreita conex�o com o Estado ocorre em duas dire��es � tais entidades associativas (ou grupos de entidades associativas) facilitam a ocupa��o de postos (eleitos ou indicados) no Estado e, em sentido inverso, atuam do Estado, da sociedade pol�tica, da legisla��o e da coer��o, em dire��o ao fortalecimento e � consolida��o de suas pr�prias diretrizes. V�-se, assim, que o Estado est� presente dentro e fora do �mbito das institui��es diretamente governamentais, ao mesmo tempo em que sua dire��o � assegurada pelos setores capazes de formular diretrizes, generalizar sua defesa em 'casamatas' na sociedade civil, difundir sua vis�o de mundo (Gramsci sublinhava o papel de 'partidos' pol�ticos assumido pelos jornais, ao que poder�amos agregar o conjunto da m�dia na atualidade). A domina��o de classes se fortalece, ao dirigir e organizar o consentimento, a come�ar por fra��es da classe dominante, e estendendo-se aos subalternos. Sistematiza-se a interioriza��o das rela��es sociais existentes como necess�rias e leg�timas, culturalmente sancionadas. O estreito v�nculo entre sociedade civil e Estado explica como a domina��o poreja em todos os espa�os sociais, educando o consenso e ocultando o dissenso, forjando um ser social adequado aos interesses (e valores) hegem�nicos e aplicando a coer��o aos renitentes.

Na atualidade, h� intensas lutas na sociedade civil (no sentido formulado por Gramsci), que tamb�m se traduzem em disputas em torno do pr�prio conceito. Entidades mantidas por setores empresariais (como associa��es empresariais, funda��es e think tanks) retomaram o conceito liberal e se apresentaram como 'sociedade civil', como se fossem distintas e contrapostas ao Estado (e aos governos) dos quais participam. O termo Organiza��o N�o-governamental, cunhado na ONU em 1945, fluido e amb�guo, contribuiu para diluir o sentido social dessas entidades. A express�o ONG, embebida na l�gica liberal, enfatiza uma suposta cis�o entre a vida social e o Estado, velando suas rela��es. Obscurece as diferen�as entre suas matrizes sociais e, sobretudo, o v�nculo com as classes sociais. De l� para c� ocorreu enorme expans�o de associa��es de cunho internacional. Tamb�m nos setores populares, entre os trabalhadores, expandiam-se as lutas e, com elas, as entidades organizativas, nacionais ou internacionais (desde sindicatos at� associa��es com os mais variados objetivos), genericamente denominados de 'novos' movimentos sociais.

O forte impulso de mundializa��o do capital a partir da d�cada de 1980 acompanhou-se de propostas de redefini��o para o conceito de sociedade civil que procuraram rejuvenescer sua matriz liberal. Partindo da divis�o bipolar do liberalismo tradicional (Estado vs sociedade civil), propunham uma divis�o tripolar, com a coexist�ncia de setores (mundos ou esferas) estanques na vida social: sociedade civil (volunt�ria e virtuosa), mercado (competitivo) e Estado (burocracia). Essa argumenta��o abandonava explicitamente a compreens�o da totalidade da vida social e, portanto, a din�mica das rela��es sociais sob o capitalismo, que crescentemente unificava sob seu comando o conjunto da exist�ncia. Em seu formato atual, amplamente difundido, identifica sociedade civil e 'terceiro setor' (Monta�o, 2003). Nesse mesmo registro, no Brasil, a defesa de entidades 'privadas por�m p�blicas' atingia tr�s objetivos:

  1. contribu�a para eliminar as conquistas populares no interior do Estado (redu��o das pol�ticas p�blicas universais), reclamando recursos p�blicos para tais entidades privadas;�
  2. como apologia das 'qualidades' de efici�ncia e efic�cia do mercado quando devotado ao 'bem p�blico'; e,
  3. como a admiss�o da propriedade privada e do Estado como insuper�veis.

O �mbito direto da associa��o de trabalhadores, como sindicatos, foi alvo de intenso ataque sob o per�odo neoliberal, mas tamb�m as demais entidades e associa��es populares se encontraram sob condi��es de luta profundamente desiguais, frente aos copiosos financiamentos despejados por setores empresariais e entidades internacionais (Garrison, 2000). A partir da d�cada de 1980 no Brasil, disseminou-se uma intensa mercantiliza��o da filantropia que redundou numa efetiva pol�tica de conten��o e apassivamento de suas reivindica��es (Fontes, 2006). Na d�cada de 1990, reconfigurou-se uma pedagogia da hegemonia de novo tipo � de 'terceira via' (Neves, 2005). O Estado, longe de encolher, ampliava-se atrav�s de extensa rede capilar de 'parcerias' privado-p�blica e de FASFIL � Funda��es e Associa��es Sem Fins Lucrativos (BRASIL, 2005) - formuladoras e executoras de pol�ticas p�blicas, em in�meros casos com recursos igualmente p�blicos.

Tais remodela��es do conceito de sociedade civil, aprofundando seu sentido liberal, divulgavam uma apreens�o do mundo segmentada, isolando as formas associativas do ch�o concreto da produ��o e reprodu��o da vida social, das formas renovadas de subordina��o do trabalho e dos trabalhadores e abandonavam a cr�tica da totalidade social. Ao mesmo tempo, participaram ativamente da reconfigura��o da hegemonia do grande capital contempor�neo.

Em contrapartida, a an�lise das formas concretas das organiza��es e entidades constitutivas da sociedade civil � tal como formulada por Gramsci � permite avan�ar criticamente na compreens�o da expans�o capitalista no mundo e no Brasil contempor�neos. Diversos estudos revelam a imbrica��o crescente entre aparelhos privados de hegemonia de base empresarial e Estado, tanto em sua configura��o hist�rica (por exemplo, Mendon�a, 1998; Bianchi, 2001) como em seus modos de manifesta��o atual (Martins, 2007), demonstrando como a sociedade civil � assim como o Estado ao qual se vincula � permanecem espa�o de acirrada luta social e, tamb�m, luta de classes.

Quais são as instituições da sociedade civil?

Sociedades civis são frequentemente povoadas por organizações como instituições de caridade, organizações não governamentais de desenvolvimento, grupos comunitários, organizações femininas, organizações religiosas, associações profissionais, sindicatos, grupos de autoajuda, movimentos sociais, associações comerciais, ...

O que é sociedade civil exemplos?

Já a sociedade civil engloba todas essas instituições que não são empresas, nem integram o governo. Elas existem para regular um grupo de pessoas com ideais semelhantes, unindo esforços em prol de um objetivo comum. É o caso de conselhos de classe profissional, a exemplo do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen).

Qual a diferença entre Estado e sociedade civil de exemplos?

A sociedade civil é constituída pelas classes sociais e grupos, que têm um acesso diferenciado ao poder político efetivo, enquanto que o Estado é a estrutura organizacional e política, fruto de um contrato social ou de um pacto político, que garante legitimidade ao governo.

Qual é o papel da sociedade civil hoje?

O papel da sociedade civil, hoje e sempre, deve ser a articulação, a intervenção, a fiscalização e a pressão. Reivindicar diretrizes e participar ativamente das decisões do poder público. É através da cidadania que buscaremos o desenvolvimento regional e um ambiente propício ao investimento.